26/11/2025 - 11:35
Diante da avalanche na produção de fatos em Washington, estratégia de negociação europeia com o Mercosul parece pertencer a uma era passada.Há cerca de um ano, Trump foi eleito. Desde então, os EUA têm agido na América Latina com um dinamismo que não se via há meio século. No Caribe, o país concentrou uma presença militar maciça . Em toda a região, Trump apoia presidentes ideologicamente próximos a ele. E está garantindo acesso privilegiado ao mercado para as corporações americanas.
O melhor exemplo é a Argentina: Trump acaba de assinar um acordo bilateral de livre comércio com Buenos Aires. Em alguns aspectos, assemelha-se ao que a União Europeia (UE) vem tentando alcançar com o Mercosul nos últimos 25 anos.
Antes, Washington apoiou o governo de Javier Milei com empréstimos que totalizaram 40 bilhões de euros. Agora, os EUA estão garantindo o acesso da Argentina a diversos produtos industriais e, em contrapartida, abrem seu próprio mercado para produtos agrícolas do sul.
Situação inédita
Para a economia e a política europeias, esta é uma situação inédita. Empresas e governos na Europa acabaram de perceber que a China está avançando rapidamente na América do Sul e se faz presente em todo o continente como concorrente. Agora, a Europa corre o risco de ficar no fogo cruzado entre duas grandes potências na América Latina.
Para Trump, não se trata apenas de comércio e investimento: as negociações também visam impor padrões, leis de patentes e regulamentações de segurança dos EUA. Grandes volumes de dados serão trocados. O acesso a terras raras e minerais essenciais será garantido. Grandes empresas de tecnologia serão isentas de potenciais impostos. Em resumo, os EUA querem recuperar rapidamente uma posição estratégica na América Latina. A razão subjacente: Trump quer conter a China.
Para esse fim, Trump está inicialmente buscando presidentes com proximidade ideológica, como Javier Milei, na Argentina, Nayib Bukele, em El Salvador, e Daniel Noboa, no Equador. Dada a atual guinada à direita na política latino-americana, novos parceiros não faltarão a Trump na região.
Além disso, o imprevisível Trump acaba de provar na Argentina que se pode contar com ele quando um aliado está em apuros. Sem os bilhões em empréstimos , Milei certamente teria perdido as eleições de meio de mandato.
Estratégia hesitante
Para a Europa, tudo isso é profundamente preocupante. Pois revela o quão hesitante e ultrapassada é a estratégia europeia para a América Latina. A UE cede rapidamente aos ataques tarifários de Trump e oferece amplas concessões. Mas, no caso do acordo com a América do Sul, debate interminavelmente como mitigar a resistência dos agricultores e ambientalistas europeus. Diante da avalanche na produção de fatos em Washington, a estratégia europeia de negociação parece pertencer a uma era passada.
Portanto, não é de se admirar que seja agora Lula quem está pressionando os europeus e acelerando o processo. Ele quer ir direto ao ponto com o acordo UE-Mercosul. Após reuniões com representantes europeus em Belém (COP30 ) e Joanesburgo (G20 ), ele anunciou: “Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei assinando o acordo União Europeia-Mercosul “.
Essa clareza não foi ouvida dos europeus. E exatamente aí reside o verdadeiro dilema: quem quiser ter influência na América Latina no futuro precisa de coragem e decisões claras – qualidades que a Europa demonstrou muito raramente até agora.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.
