Em um trabalho escolar, caprichei bastante na escrita. Mas a professora acabou achando erroneamente que eu tinha utilizado IA. Estamos duvidando da nossa própria humanidade?Estou no terceiro ano do ensino médio em um colégio público e, há algumas semanas, realizei um trabalho proposto pela professora de sociologia que consistia em uma dinâmica para a construção de uma amostra sociológica. A sala deveria sugerir temas que estavam repercutindo naquela semana e o combinado era que votaríamos nos temas que achássemos mais relevantes.

A maioria da sala votou no tema “Donald Trump”. Finalizado o processo, participaram da pesquisa 30 estudantes: 24 votaram e 6 se abstiveram. A partir desses dados, foi proposto que criássemos um gráfico com os resultados — essa seria a amostra sociológica.

Decidi me empenhar no trabalho e ir além

Após a explicação, perguntei à professora se eu poderia fazer algo além do gráfico. Ela respondeu que sim. Foi nesse momento que comecei a ter ideias de como conduziria minha amostra.

Minha ideia inicial foi montar um estudo elaborado, com justificativa, metodologia e afins. Especifiquei o grupo pesquisado, o critério de escolha e o método. Criei todos os gráficos e redigi o texto. Meu objetivo não foi só mostrar os dados, mas apresentar um trabalho que pudesse ser entendido por qualquer pessoa, mesmo alguém de fora da sala de aula.

Realizei esse trabalho com muita dedicação e interesse. Pesquisei o que era uma amostra sociológica, para que ela serve, e entendi que precisava conter justificativa, metodologia e clareza sobre o grupo pesquisado. Ao final, entreguei tudo com satisfação.

A escrita foi considerada boa – e acabei sendo questionada por isso.

Desconfiança

Inicialmente, após alguns dias, a professora corrigiu o trabalho e elogiou, dizendo que estava muito bom e completo. Porém, durante uma aula, ao discutirmos o uso de Inteligência Artificial (IA), ela comentou que achava que meu trabalho havia sido feito com auxílio do ChatGPT. Ela disse que, por falta de tempo, não usou um detector, mas que teria utilizado, caso fosse possível.

Isso me fez pensar. Não fiquei brava, nem magoada. Ela estava apenas cumprindo seu papel. Mas a questão que ficou na minha mente foi: em que ponto chegamos, como sociedade, quando escrever gera desconfiança? Se uma escrita mais articulada e mais cuidada começa a levantar suspeitas, o que isso diz sobre a nossa relação com o conhecimento?

Conversei com a professora e expliquei que tenho o hábito de escrever de forma mais séria, mais “culta”. Talvez por influência da leitura de clássicos e da minha valorização de um bom vocabulário, isso se reflita na minha forma de escrever.

Concordo com ela em alguns pontos, como a crítica ao uso indiscriminado de IA para copiar e colar sem entender nada. De fato, isso prejudica a aprendizagem. Mas também acredito que a IA pode ser uma ferramenta de apoio, e não um atalho para o vazio. O problema não está na existência da IA, mas no modo como ela é usada.

A reflexão que deixo é: até que ponto estamos duvidando da nossa própria humanidade? Da nossa capacidade de pensar, escrever, construir? Estamos começando a tratar a excelência como suspeita? O que isso diz sobre nós?

Esse episódio não foi algo ruim. Foi, na verdade, um chamado para o debate. A Inteligência Artificial está aí — mas isso não pode nos fazer esquecer da inteligência humana, aquela que pensa, sente, cria e, principalmente, se expressa.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Julia Lucena Teixeira, 17 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio na rede pública paulista . O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.