Como o deslumbramento com o velho continente encobre as verdadeiras causas da desigualdade no Brasil – do sistema tributário à falta de diversidade no Congresso.As elites econômicas do Brasil costumam se encantar com a Europa. Falam da cultura e da riqueza que lá imperam. Com frequência, ouço a pergunta: “O que você está fazendo no Brasil, se poderia morar na Europa, onde tudo é mais organizado, seguro e limpo?”. Nesse meio, visitar Paris — incluindo uma sessão de compras e um jantar em restaurante caro — é quase como um certificado de pertencimento à classe dominante.

É claro que a Europa é fortemente idealizada. As carências do Brasil ganham um contraponto nas sociedades aparentemente funcionais do velho continente. Essa idealização também tem raízes no racismo das elites brancas. Nunca é dito abertamente, mas fica implícito: o Brasil seria inseguro e pobre porque tem demais pessoas incultas e sem instrução, cujas origens não estão na Europa.

É a resposta mais rasa e ignorante à pergunta sobre por que faltam segurança, educação de qualidade e bem-estar coletivo no Brasil.

Sistema tributário: o fator invisível

Jamais essas elites se perguntam (ao menos em público) se as fragilidades estruturais do Brasil não teriam a ver com o sistema tributário — ou seja, como o Estado redistribui a renda por meio de impostos e gastos públicos.

Isso nos leva ao debate sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

O Brasil figura hoje entre os três países do mundo com a maior desigualdade entre ricos e pobres, segundo o índice de Gini (que mede o grau de desigualdade na repartição de renda nas sociedades). Além das históricas injustiças na distribuição da terra e dos meios de produção, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontou, em 2023, o sistema tributário brasileiro como responsável direto por essa situação.

O PNUD criticou o fato de o Brasil depender excessivamente de impostos sobre o consumo — tributos pagos por todos no momento da compra. Cerca de metade de toda a arrecadação pública provém desse tipo de imposto. Isso significa que os lares mais pobres são, proporcionalmente, muito mais penalizados do que os mais ricos. O sistema tributário brasileiro, em vez de reduzir a desigualdade, aprofunda ainda mais o abismo social.

Essa situação se torna ainda mais escandalosa quando se comparam as alíquotas máximas do imposto de renda entre a União Europeia e o Brasil. A alíquota média sobre os mais ricos na UE é de quase 43% — com países como Dinamarca, Suécia, Bélgica e França cobrando mais de 50%. No Brasil, esse percentual é de apenas 27,5%. Ou seja, os brasileiros de alta renda contribuem pouquíssimo para o bem comum.

Seria, portanto, justo aumentar moderadamente o IOF, como previa o plano original do governo. (Outra discussão, claro, é se o projeto de lei do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi bem elaborado, ou se o governo Lula já perdeu o controle sobre suas próprias contas.)

O Congresso como reflexo das elites

Como se sabe, o Congresso brasileiro rejeitou o aumento do IOF, impondo uma derrota ao governo Lula e colocando sua estabilidade em xeque. A campanha do PT contra o Congresso acusado de defender os interesses dos ricos pode ter sido exagerada e caricata, mas estava, no essencial, correta – apesar da indignação que provocou na mídia conservadora e liberal do país.

O Congresso brasileiro é o espelho das elites nacionais. Ele não representa a diversidade do povo brasileiro, mas sim a camada branca e rica da sociedade. Famílias inteiras dominam a política, e há uma super-representação de latifundiários e empresários. É natural, portanto, que — apesar do discurso patriótico — defendam os interesses da própria classe, e não do povo brasileiro.

O disfuncional sistema político brasileiro concede a esse Congresso um poder desproporcional. E infelizmente, com sua composição estruturalmente reacionária, ele não é parte da solução — é parte do problema. Deputados e senadores já demonstraram diversas vezes o quanto estão distantes de qualquer compromisso real com o progresso ou com um Brasil mais justo. Na prática, suas ações quase sempre visam a preservar o status quo de um país rico, no qual a maioria ainda vive na pobreza, enquanto poucos desfrutam de um luxo obsceno — os mesmos que idealizam a Europa.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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