09/12/2025 - 9:59
Não é possível que mulheres, além de vítimas, tenham que ser as responsáveis por mudar, sozinhas, um cotidiano de machismo e violência.”Parem de nos matar! Parem de nos matar!” É muito triste que, em 2025, nós, mulheres, tenhamos que tomar as ruas do Brasil com esse grito. Estamos acabando o ano pedindo para continuarmos vivas. Simples e terrível assim. Nossos gritos estão sendo altos e entoados por milhões. No fim de semana, milhares de mulheres tomaram as ruas do Brasil denunciando a violência contra mulher no país.
Temos, mais do que nunca, muitos motivos para gritar. Nas últimas semanas, o Brasil foi atingido por uma avalanche de crimes cruéis contra mulheres.
É importante lembrar seus nomes. Allane de Souza Pedrotti Mattos e Layse Costa Pinheiro, funcionárias públicas do Cefet, no Rio de Janeiro, foram mortas por um colega que não aceitava “ter uma chefe mulher “. Tainara Souza Santos foi atropelada e arrastada por um quilômetro por um carro dirigido por um ex-parceiro, Douglas Alves da Silva. Ela teve as duas pernas amputadas. Em uma pastelaria no interior de São Paulo, Evelin de Souza Saraiva foi atacada com pelo menos seis tiros por um ex-companheiro. No Recife, Isabele Gomes de Macedo e seus quatro filhos morreram carbonizados depois que seu ex, Aguinaldo José Alves, ateou fogo na própria casa.
Esses são apenas alguns exemplos de números de guerra. A cada dez minutos, uma mulher é vítima de feminicídio no mundo. No Brasil, quatro mulheres são assassinadas por dia. Em 2024, 1.459 mulheres foram vítimas de feminicídio no país , um número recorde e que deve aumentar em 2025, como mostram dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. No estado, foram registrados 207 casos de feminicídio de janeiro a outubro deste ano.
Não conheço nenhuma mulher que não tenha passado as últimas semanas com raiva, tristeza e cansaço, tudo ao mesmo tempo. Mas não podemos nos dar ao luxo de parar. Por isso, no domingo, milhares de nós foram às ruas.
Os “levantes” femininos aconteceram em várias cidades do Brasil e juntaram milhões. Acho que nunca tinha visto manifestações que juntassem tantas “categorias” de mulheres. Ali estavam ativistas anônimas jovens, senhoras, feministas famosas, políticas e celebridades.
Nem todo homem
Tivemos também uma grata surpresa: muitos homens participaram das manifestações. E a violência começou a ser chamada de “violência dos homens contra as mulheres”. Essa justa chamada de responsabilidade foi ecoada até pelo presidente Lula: “O combate ao feminicídio é tarefa de todos nós, especialmente dos homens. Precisamos agir na causa, prevenir novos casos. Conscientizar, denunciar e garantir punição rigorosa para todos os agressores”, escreveu o presidente na rede X.
É importantíssimo que o presidente se manifeste pelo fim da violência contra as mulheres. E mais ainda que ele, ao contrário de muitos dos seus colegas de gênero, não tire o corpo fora e repita o mantra: “mas nem todo homem, eu não sou assim”. Agora, presidente, esperamos que essa indignação se traduza também em mais políticas públicas para combate da violência.
Nós, mulheres, não vamos sair dessa sozinhas. Estamos exaustas e queremos que os homens também assumam sua parte de responsabilidade nesse conto de terror que é ser mulher no Brasil. Não é possível que mulheres, além de vítimas, tenham que ser as responsáveis por mudar, sozinhas, um cotidiano de machismo e violência, onde elas vivem com medo de tudo: de andar na rua de noite a pegar um uber, só para citar exemplos banais.
A saída não é nada fácil, sabemos. Em tempos de redes sociais, o discurso de ódio a mulheres se organiza em comunidades misóginas lucrativas , meninos se identificam com ideias red pill e muitos homens feitos ainda acham que fazer piadas machistas é “liberdade de expressão”.
Nesse cenário, repetimos que é preciso educar os meninos e os apoiar para que eles não virem misóginos. É verdade. Mas essa tarefa de educação não pode ser obrigação só das mulheres. E os pais? Eles vão educar os filhos, ou vão ter a cara de pau de agir como se ensinar às crianças fosse obrigação materna e depois vão bater no peito dizendo que “não são parte do problema, porque afinal, nem todo homem é violento”.
É muito legal ver amigos em manifestações contra a violência às mulheres, mas será que finalmente eles vão parar de falar com aquele homem que é acusado de ter batido na namorada? Vão levantar da mesa quando aquele camarada disser que transou com uma menina “muito bêbada” (o que é estupro)? A lista de coisas que os homens podem fazer para tentar combater a violência contra as mulheres é imensa. E pode nos ajudar a não ficar por mais mil anos tendo que gritar nas ruas: “parem de nos matar”, “parem de nos matar”.
Sim, nós somos incríveis e gritamos tão alto que parece que muita gente agora está prestando atenção no que falamos. Isso é ótimo. Mas precisamos combater o machismo e a misoginia todos os dias. E, para isso, “vamos precisar de todo mundo”. Nós, mulheres, não temos a escolha de parar. Nossas vidas estão em jogo. Mas os homens, repito, também podem continuar em movimento. Há muito o que fazer. E vocês nem precisam esperar que a gente marque atos para tentar mudar esse horror…
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
