A população é enganada ao ser levada a acreditar que a guerra contra o crime pode ser vencida nas favelas. Trata-se apenas de ação midiática — uma tentativa de exibir autoridade onde não há inteligência nem eficácia.Um dito atribuído a Albert Einstein afirma: “A definição de insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. É uma descrição perfeita da política falida de segurança pública do Rio de Janeiro.

Vivo na cidade desde 2012 e, nesse tempo, publiquei com frequência, a cada dois ou três anos, reportagens sobre operações policiais em favelas que deixaram um número cada vez maior de mortos. Sempre houve policiais entre as vítimas – e sempre surgiram, logo depois, relatos de execuções cometidas por agentes do Estado.

As imagens da violência circularam pelo mundo inteiro, com manchetes como “Guerra no Rio” – e consolidaram a percepção do Brasil como um país violento e caótico, cuja política e sociedade seriam incapazes de resolver problemas de forma civilizada.

As ações deixaram famílias e comunidades traumatizadas, e sempre se seguiram debates polarizados entre direita e esquerda sobre quem seriam as verdadeiras vítimas desses confrontos: moradores ou policiais?

Essas discussões duravam três ou quatro dias, até que outro assunto ganhasse prioridade — até que uma nova operação policial voltasse a produzir números recordes de mortos e imagens ainda mais brutais.

Foi o que aconteceu nesta semana, quando a tentativa de cumprir diversos mandados de prisão contra líderes da facção criminosa Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha terminou em desastre, com um número de mortos e feridos que superou de longe tudo o que já se havia visto antes.

Raramente o mundo presenciou cenas tão brutais vindas do Brasil como as dos 50 a 60 corpos seminus alinhados no asfalto, cercados por moradores — entre eles, crianças.

Imagens de insanidade

Ao contrário do que afirmam agora políticos da extrema direita, como o governador do Rio, Cláudio Castro, essas não são imagens de sucesso no combate ao crime organizado. São imagens da insanidade!

Um Estado incapaz de cumprir mandados de prisão sem provocar condições de guerra, com mais de uma centena de mortos (inclusive agentes seus), que mergulha uma das maiores metrópoles da América Latina em medo e caos — esse Estado fracassou. Ele abandonou grande parte da sua população pobre ao domínio do crime organizado e, agora, responde apenas com violência.

É a pior das respostas, porque não leva a lugar algum. O site The Intercept resumiu bem: “A pior operação policial do Rio de Janeiro é sempre a próxima.”

Foi em 2010 que os complexos de favelas do Alemão e da Penha, com suas dezenas de milhares de moradores, foram ocupados pela polícia. A maioria dos membros do Comando Vermelho fugiu, e os policiais hastearam a bandeira do Brasil sobre o mar de casas.

Quando as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram instaladas, parecia realmente que o Estado — às vésperas da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 — finalmente assumiria responsabilidade pelas enormes áreas pobres das quais esteve ausente por décadas.

Prometia-se não apenas policiamento, mas também desenvolvimento social: educação, saúde, cultura, saneamento — enfim, cidadania. Mas isso nunca veio.

E se confirmou o que muitos observadores haviam previsto: tratava-se apenas de uma encenação para o público internacional e de mais uma promessa vazia. Nunca houve interesse real da classe política em integrar as favelas ao Estado e aos seus serviços. Com o tempo, o financiamento das UPPs foi sendo reduzido até praticamente desaparecer.

Estado precisa agir com inteligência e estratégia

Assim, as favelas voltaram ao controle do crime organizado — hoje mais forte do que nunca. A expansão territorial do Comando Vermelho, que já alcança até as profundezas da Amazônia, a quantidade de cocaína que trafica e seu moderno arsenal bélico — agora novamente exposto — são assustadoras.

O CV já não é apenas um cartel de drogas; diversificou seus negócios e impõe o terror a centenas de milhares de brasileiros através do uso sistemático da violência. Que essa organização criminosa, hoje ativa em todo o país, não seja comandada pelos “soldados” do Complexo do Alemão — peças descartáveis facilmente substituíveis — deveria ser óbvio para todos.

Se o Estado quisesse de fato combater o crime organizado (como é seu dever), atacaria suas contas bancárias, seus fluxos de dinheiro, a lavagem através de empresas “legais” e os chefes que vivem em apartamentos de luxo.

Tentaria impedir a compra e o contrabando de armamento pesado, com o qual as facções se fortalecem cada vez mais. E ocuparia de forma permanente os territórios dominados pelo crime, em vez de aparecer neles apenas quando é conveniente. O Estado agiria com inteligência e estratégia — com olhos e ouvidos — em vez de atirar às cegas, movido pela raiva.

Dimensão política

Não entrarei aqui em detalhes sobre as diversas denúncias de corrupção que pesam contra o governador Cláudio Castro. Mas o massacre de terça-feira tem, evidentemente, uma dimensão eleitoral.

Grande parte da população do Rio aplaudiu a operação. “Quanto mais bandidos mortos, melhor”, dizem muitos. Estão cansados de viver com medo de assaltos e de ouvir explicações sociológicas sobre por que jovens das favelas cometem crimes e muitas vezes ficam impunes — ou por que há tiroteios diários entre facções rivais.

Essas pessoas acreditam que a violência deve ser respondida com mais violência — sem perceber que um Estado nunca pode agir como aqueles que combate, sob pena de se tornar criminoso também.

É provável que essa parcela do eleitorado se incline a apoiar Castro nas eleições para governador no próximo ano, vendo nele um suposto candidato da “lei e da ordem”, apesar das acusações de corrupção. Aliado de Jair Bolsonaro, Castro já tenta explorar politicamente a tragédia, alegando que o governo federal, sob Lula, teria se recusado a apoiar a operação — embora ele sequer tenha feito tal pedido.

Assim, toda discussão necessária sobre uma estratégia realmente eficaz de combate ao crime organizado é sabotada. A população é enganada, levada a acreditar que a guerra contra o crime pode ser vencida dentro das favelas. Na prática, trata-se apenas de ação midiática — uma tentativa de exibir autoridade onde não há inteligência nem eficácia.

É o povo quem paga o preço.

Diz-se com frequência que o Brasil é um país pacífico, que não faz guerra contra outros.

Mas vive, há décadas, em guerra contra si mesmo.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.