Silêncio diante do problema crescente da violência escolar pode ser fatal. Morte de Alícia Valentina, espancada na escola, é retrato de uma rede de omissões.Dentro das salas de aula, há um silêncio que pesa mais do que qualquer barulho. É feito de olhares vazios, denúncias não formalizadas e gestos mínimos que escondem feridas profundas. Muitas vezes, é tratado com desdém, mas revela um sintoma grave: o adoecimento social que se expressa na vida escolar de alunos e professores.

Nesse ambiente, onde se deveria cultivar conhecimento e segurança, multiplicam-se as vítimas de agressões, preconceito e humilhações. A escola, sobrecarregada, transforma professores em guardiões sem amparo, enquanto comunidades assistem como espectadoras silenciosas.

Escola: nem sempre um lugar de acolhimento

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2019) registrou que cerca de 23% dos estudantes já sofreram humilhações e práticas de bullying. Relatórios mais recentes, de 2023, apontam aumento desses casos e confirmam que a violência escolar se tornou um problema endêmico, com reflexos emocionais, sociais e, muitas vezes, trágicos. Esses episódios não se restringem ao espaço da escola: revelam também violências familiares e sociais que atravessam o cotidiano das crianças.

Exemplos recentes mostram como o silêncio pode ser fatal. Em 7 de setembro de 2025, Alícia Valentina, de 11 anos, morreu após ser espancada na Escola Municipal Tia Zita, em Belém do São Francisco (PE). Sua morte não foi apenas a perda de uma vida promissora: foi o retrato de uma rede de omissões – da escola, dos colegas e da comunidade – que falhou em escutar o grito silencioso de uma criança.

O ambiente escolar hostil não atinge apenas os estudantes. Os próprios professores estão entre os principais afetados pela sobrecarga emocional e pela falta de suporte. Neste ano, outro episódio comoveu educadores: o professor Carlos Eduardo Meira, de 29 anos, faleceu em 31 de agosto de 2025, em Recursolândia (TO), vítima de infarto. Um dia depois, em 1º de setembro, seu nome apareceu no Diário Oficial como removido para outra cidade – reconhecimento tardio que chegou quando já não havia mais tempo. Colegas relacionaram sua morte à hostilidade constante do ambiente escolar.

A causa é multifatorial

A violência escolar não nasce do acaso; ela é fruto de falhas que atravessam diferentes esferas da sociedade. A omissão do Estado é evidente: políticas públicas fragmentadas e pouco efetivas não conseguem transformar em realidade os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse vazio, a escola acaba assumindo responsabilidades que deveriam ser compartilhadas com famílias e comunidades. Muitos pais delegam às instituições o papel de proteção e orientação, enquanto professores, frequentemente despreparados e sem apoio, carregam o peso de cuidar, educar e proteger ao mesmo tempo. O resultado é um abismo: profissionais exaustos, alunos desprotegidos e uma comunidade que observa, muitas vezes, sem intervir.

Não são apenas incidentes isolados, mas sim o reflexo de uma responsabilidade coletiva que não pode ser ignorada. A escola não pode ser reduzida a um espaço de repressão ou militarização; ela precisa ser sustentada por políticas públicas consistentes, famílias engajadas e comunidades que atuem como agentes na proteção e no cuidado de todos os envolvidos.

Ser apenas espectador, observando os sinais de sofrimento sem intervir, equivale a abdicar de direitos e responsabilidades fundamentais. Escutar o grito silencioso de alunos e professores é mais do que um dever: é assumir um papel ativo na prevenção de tragédias, restaurando dignidade e protegendo vidas.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Giovanna Pacheco Pereira, estudante de letras na Universidade Federal Fluminense (UFF), de 23 anos, e reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.