Mito de que jovens da geração Z “não querem saber de trabalhar” é um preconceito arraigado nas mentes corporativas e saudosistas de épocas em que coisas como abuso moral eram toleradas.”Ah, eles não aguentam pegar no pesado”. “Ai, Deus me livre de trabalhar com essa gente Nutella”. Nos últimos tempos, vejo colegas com mais de 40 anos, ou até mais jovens, repetindo esses clichês como se não houvesse amanhã quando o assunto é os jovens da geração Z (aqueles que nasceram entre 1996 e 2012) e o trabalho. Sempre que ouço essas conversas, me pergunto: “viramos mesmo esses velhos chatos que ficam repetindo ‘no meu tempo que a gente sabia trabalhar?'”

Não estou exagerando, é só dar um Google sobre geração Z e você vai achar uma grande variedade de artigos dizendo que eles são “mimados”, “sem noção” no trabalho e meio vagabundos. Gestores estariam desesperados sem saber como lidar com eles. Há alguns meses, um artigo do prestigioso jornal Wall Street Journal disse que esses jovens seriam “inempregáveis”.

De quem eles estão falando? Olho ao meu redor e os jovens que tenho perto de mim não correspondem nem um pouco a esse estereótipo de “vagabundos mimados”. Meu enteado de 22 anos trabalha como marceneiro oito horas por dia desde os 16 anos. A namorada dele, da mesma idade, é funcionária pública. Minha enteada de 18 anos se prepara para começar um trabalho como voluntária por um ano, oito horas por dia, em um grande hospital de Berlim. O melhor amigo dela tem dois empregos: num supermercado e num restaurante. Que “vagabundos” são esses?

Meu entorno é uma mostra pequena da realidade, mas algumas pesquisas confirmam que a minha percepção está certa e que essa conversa de que “os jovens da geração Z não querem saber de trabalhar” é um preconceito arraigado nas mentes corporativas e saudosistas de épocas em que coisas como abuso moral eram toleradas.

Na Alemanha, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa do Emprego mostrou que os mais novos estão trabalhando sim, e muito. De acordo com o estudo, os jovens de hoje são os que mais trabalham desde a década de 1990.

Os jovens não são trabalhadores só na Alemanha. De acordo com um estudo divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil registrou crescimento alto na taxa de ocupação dos jovens entre 14 e 24 anos no ano passado. Segundo a pesquisa, a taxa de desemprego entre os jovens caiu de 25,2% em 2019 para 14,3% em 2024.

CLT, diversão e arte

Um outro mito é o de que os jovens da geração Z não querem mais saber de CLT, já que não estão nem aí para a estabilidade e só querem empreender e fazer o que der na telha. Bem, uma nova pesquisa, divulgada recentemente no Brasil pela agência Demà e Nexus mostrou o contrário. Segundo os dados do estudo, sete em cada dez jovens responderam preferir empregos com “carteira assinada” e levar a estabilidade em conta.

Então, de onde vem essa má fama dos jovens quando o assunto é trabalho?

Talvez venha, além do preconceito e da velha ideia (em todos os sentidos) de que “no meu tempo era melhor”, do resultado de algumas pesquisas que mostram que os jovens valorizam empregos onde sua saúde mental não seja prejudicada, que ofereçam uma boa balança entre o tempo trabalhando e o tempo dedicado à vida pessoal e que tenham um “propósito”. Mas, desde quando, procurar essas coisas é ruim? Eu olho para essa “lista de prioridades” e só consigo ver vantagens.

Acho que os jovens estão certos e na verdade, nós, “velhos” millennials e sobreviventes da geração X, é que estamos mal acostumados (com maus tratos, literalmente). Quando comecei no jornalismo, por exemplo, no meio dos anos 1990, era comum em grandes redações que editores gritassem palavrões para nós, pobres repórteres iniciantes, durante o trabalho. Jornadas de 14 horas por dia também eram consideradas algo comum e a gente achava que trabalhar muito até tinha o seu glamour.

Se os jovens de hoje acham que se submeter a essas condições é absurdo, eles estão certos. Nós que éramos vítimas de um resquício dos yuppies e de uma época em que as palavras saúde mental, burnout e abuso moral nem existiam. Talvez ainda dê tempo de a gente aprender com os mais novos, colegas.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.