Na época do Natal, a sociedade brasileira, tão dividida, se reúne por um breve momento nos shoppings – ao redor do Papai Noel.Lá fora, a temperatura passa dos 30 °C. A umidade faz o suor escorrer pelo rosto a cada passo. Mas dentro do shopping, o ambiente é fresco. Crianças e adolescentes, de shorts e saias, patinam desajeitados na pista de gelo. A maioria deles está radiante. Pais fotografam seus filhos na pista de patinação, diante de árvores de Natal iluminadas, casquinhas de sorvete gigantes e pirulitos. Estamos no maior shopping de Salvador.

No centro da decoração natalina, Papai Noel recebe os visitantes em um trono. O bom velhinho tem uma barba branca volumosa e veste um sobretudo vermelho. Sua assistente, uma “Noelete”, usa um vestido colorido e organiza a fila de espera de crianças e adultos.

Até 800 pessoas atendidas em um único dia

Todos estão vestidos com esmero. Meninas com elaboradas tranças afro abraçam o Papai Noel. Jovens de chinelos de dedo e tatuagens posam desengonçados ao lado dele. Muitos entregam listas de desejos com desenhos feitos à mão. Sentam-se para tirar fotos. Frequentemente, mães e irmãos mais velhos também querem um registro com o bom velhinho. Na despedida, a Noelete oferece um doce – e as famílias seguem seus caminhos visivelmente animadas e de bom-humor.

“Na verdade, eu nunca vou ao shopping”, diz Carlos Alberto de Castro. Mas, aos 69 anos, agora ele passa muito tempo por aqui. Das 17h30 até o fechamento das lojas, às 22h, trabalha como Papai Noel nos fins de semana e atende até 800 pessoas por dia. Entre os atendimentos, faz uma pausa de meia hora. “Papai Noel precisa alimentar as renas”, brinca a Noelete, pedindo paciência aos que aguardam.

Castro se depara com a realidade brasileira até mesmo no ambiente gelado e artificial do Papai Noel: pais tentam dar gorjeta, como que agradecendo pelo bom serviço. Um deles prometeu um carro ao bom velhinho caso a família realize o sonho de ganhar uma casa nova. Alguns jovens fazem sinais de suas facções criminosas nas fotos e pedem que ele imite com os dedos, como o C e o V do Comando Vermelho . Ele se recusa. Uma jovem perto dos 20 anos, com aparência de quem vai à balada, pede um “Sugar Daddy”, “um homem rico com iate”. Outras mulheres ficam tão empolgadas que lhe passam discretamente seus números de telefone.

Ricos e pobres, brancos e negros, jovens e idosos – todos vêm até ele: crianças que só querem um par de sapatos novos, outras que sonham com uma viagem à Disney. Moças de vinte anos pedem ajuda para garantir uma vaga cobiçada na faculdade de Medicina. Um rapaz pediu “comida para casa”. Crianças desejavam emprego para seus pais.

Uma mulher pediu ajuda para conseguir um cargo importante na administração pública em Brasília. Uma semana depois, voltou com o marido e a filha para agradecer, entre lágrimas, porque conseguiu a vaga.

Histórias comoventes

Sem o uniforme de trabalho, o Papai Noel com sua barba branca de verdade parece mais um professor de yoga – e é exatamente isso. Castro tem um daqueles currículos variados, comuns no Brasil. Estudou Engenharia Elétrica, mas se formou em Biologia. Depois, fez requalificação como psicoterapeuta. Também tem diploma de yoga e é especialista em deuses indianos. Por um tempo, dirigiu uma rede de estúdios de ioga. No dia a dia, todos o chamam de Bhava, seu nome espiritual.

No ano passado, ele foi abordado pela primeira vez por uma empresa que organiza ações de Natal em shoppings: perguntaram se ele estaria interessado em trabalhar como Papai Noel. Havia apenas um porém: ele precisaria aparar um pouco a barba. Castro aceitou na hora.

Como Papai Noel, sente-se privilegiado. “Vejo esse trabalho como um exercício de laboratório em que recebo uma grande amostra da sociedade brasileira”, diz.

Onde mais, ele questiona, poderia encontrar tantas pessoas diferentes em uma sociedade como a brasileira, com suas enormes disparidades étnicas e sociais?

Fazendo uma analogia, as pessoas se reúnem hoje em dia nos shoppings brasileiros como faziam antigamente nas praças. Os espaços públicos nas cidades são pouco usados: perigosos por causa da criminalidade, frequentemente mal cuidados, feios.

É uma mistura de terapia coletiva e assistência religiosa. Como Papai Noel, ele não precisa dar respostas. As pessoas querem ser ouvidas, afirma Castro. Às vezes, esses encontros o comovem. Ele conta sobre um menino chorando que queria o irmão de volta, morto a tiros. Uma família pediu a volta da mãe, vítima de câncer.

“O Natal transforma as pessoas”, diz Castro. No fundo, elas querem se sentir tocadas. “Acho maravilhoso poder ser uma parte positiva da vida delas como Papai Noel.”

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.