Ao falar sobre Belém, líder da Alemanha agiu com velha arrogância neocolonial, julgando sem ter a menor ideia de que estava falando. E reproduziu postura infelizmente ainda comum no olhar alemão sobre o resto do mundo.Caros Brasileiros!

Pelo visto, o chanceler federal alemão nem sabia direito onde tinha estado no Brasil. Em um congresso empresarial em Berlim, Friedrich Merz afirmou que a Alemanha é “um dos países mais bonitos do mundo”. A prova disso, segundo ele, seria o alívio dele — e dos jornalistas que o acompanhavam — em poder sair “daquele lugar onde estivemos” o mais rápido possível. O tal “lugar” era Belém do Pará, onde ele passou algumas horas na COP30 e fez um discurso tão sonolento quanto sem ambição.

Claro, beleza é algo relativo, sempre filtrado pelo olhar de quem vê — e dá pano pra manga para discutir se uma cidadezinha alemã com aquela típica zona de pedestres toda pavimentada, lisinha e sem uma folha fora do lugar, é realmente o auge da beleza mundial. Sim, Belém tem seus cantos agradáveis e bem cuidados, mas também carrega o peso da pobreza e do abandono: prédios caindo aos pedaços, lixo nas calçadas, crateras nas ruas. Como tantos outros lugares do Brasil.

Mas a natureza ao redor — os rios imensos, a mata cerrada, o céu infinito que se abre sobre a Amazônia — é de uma grandeza difícil de superar. Isso também faz parte da cidade. E, convenhamos, nenhum bosque comercial alemão, com seus pinheiros plantados milimetricamente em fila, chega sequer perto disso.

Só que nada disso o chanceler parece ter visto. Caso contrário, talvez tivesse demonstrado um pouco mais de humildade. Também não parece ter tido contato com os brasileiros. Porque, se tivesse, talvez teria experimentado aquela hospitalidade espontânea, a musicalidade natural, a capacidade de improviso e a calorosidade que tanta gente daqui carrega no jeito de ser.

O jeito Merz

O mais provável, porém, é que Merz — mais uma vez — simplesmente falou sem pensar. Acontece com frequência, caros leitores brasileiros. Já virou marca registrada dele. O chanceler anuncia grandes ideias com um tom cortante, e depois… nada acontece. E ainda solta comentários que lembram Donald Trump: ofende grupos inteiros, e não só no Brasil.

Não, isso não é desculpa. Ele conseguiu irritar um país inteiro sem qualquer razão (e convidou a todos a responder com milhares de posts nas redes sociais – que é uma coisa maravilhosa). Merz agiu com aquela velha arrogância neocolonial, julgando sem ter a menor ideia de que estava falando. E reproduziu uma postura infelizmente ainda comum no olhar alemão sobre o resto do mundo.

Porque muitos alemães ainda se veem como referência universal: limpos, organizados, seguros. Terra da disciplina, da ordem, do trabalho duro. Que isso já não corresponde à realidade há um bom tempo — e que se trata de uma autoilusão que os conservadores insistem em manter — parece escapar quando se olha para cidades mais pobres nas quais se passou apenas algumas horas, sem saber lembrar o nome.

Não se pergunta pelas causas, pelo contexto histórico e social, pela pobreza que também é produto direto do colonialismo europeu (e do neofeudalismo que segue vivo), que permitiu aos países europeus acumular riqueza e construir bem-estar. É um olhar que não é curioso, nem interessado, nem investigativo. É um olhar cheio de preconceitos de uma sociedade aparentemente funcional sobre as carências do Brasil.

Arrogância

Merz, provavelmente, queria apenas agradar seu público empresarial ao dizer que a Alemanha é “um dos países mais bonitos do mundo”. Só que, além de discutível (a Alemanha não poderia ser simplesmente um país bonito?), a frase ficou ainda mais feia pelo desprezo arrogante dirigido a uma cidade amazônica relativamente pobre, que ele nem sequer viu de verdade. Ou ele não pensou em como o Brasil reagiria, ou simplesmente não se importou.

As duas opções são igualmente ruins. Mais uma vez, a arrogância de Merz prejudica os interesses da própria Alemanha e mostra como ele se revela inadequado para o cargo de chanceler. Revela também a mentalidade de quem ainda se acha no direito de olhar para o Sul Global de cima para baixo.

Por isso, queridos brasileiros, não levem muito a sério o que ele disse — mas, por favor, façam muitos memes. Porque o humor brasileiro é um dos melhores do planeta. Isso fica ainda mais evidente após alguns minutos ouvindo Friedrich Merz. Aí, sim, dá vontade de ir embora o mais rápido possível.

No fim das contas, os preconceitos de Merz dizem muito mais sobre quem fala do que sobre quem é alvo das suas palavras.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.