Docentes concordam que o smartphone seja proibido nas salas. Mas reclamam da responsabilidade que passaram a ter na fiscalização e que não tiveram voz na elaboração da nova regra.”A lei que proíbe o celular nas salas de aula tem sido implementada de forma simbólica, pois todos os alunos continuam levando o aparelho para a escola e o usando nas aulas. Infelizmente a fiscalização ficou a cargo do professor e, pelo menos no meu caso, não tenho interesse ou tempo para ser fiscal de celular”, diz Alexandre de Araújo, professor na rede pública de Roraima.

Há algumas semanas, escrevi uma coluna sobre a perspectiva dos alunos acerca da lei em questão. Agora, o objetivo é trazer a perspectiva dos professores. Para essa missão, tive a oportunidade de falar com 37 docentes da rede pública de 15 estados do Brasil.

Perspectiva geral

Entre os professores, 89% concordam com a lei. Para Emilene Cleide, professora na rede mato-grossense, “os alunos não conseguem dissociar o lazer do estudo e acabam utilizando o instrumento de forma errônea dentro das salas de aula”

Alguns citaram a incoerência entre a lei e o fato de que muitas secretarias contam com inúmeras plataformas digitais. “A política está desarticulada com o proposto pela Seed-PR [Secretaria Estadual de Educação do Paraná], que em seu currículo coloca muitas plataformas educacionais, o que força a liberação do celular para uso pedagógico e o retorno dos problemas que a lei tenta resolver”, sinaliza Merielle Camilo, professora na rede paranaense.

Expectativa versus implementação

Criar uma política pública é uma tarefa complexa. Na fase da elaboração, é necessário pensar em como será a implementação, e especialmente em quais serão os instrumentos utilizados para garantir que a realidade seja a mais próxima possível da expectativa.

A maioria dos professores concorda que a adesão era maior no início e que agora muitos alunos já não respeitam mais a regra.

Leonor, professora amazonense, lamenta: “Esbarramos na efetivação, já que muitos alunos passaram a desrespeitar o regulamento nos últimos meses”. Ela, assim como seus colegas, reclamam da falta de instrumentos que efetivamente garantam o cumprimento da lei, e alguns sentem falta do maior apoio da gestão pública.

Os poucos casos em que os alunos estão respeitando a regra têm relação direta com sanções mais graves, como o recolhimento do aparelho e a devolução do celular com a presença dos pais, ou com medidas mais restritivas, como a recolher o telefone na entrada e entregar na saída da sala de aula.

Cristiano, professor na rede paulista, relata inclusive algo um tanto quanto curioso: “A coordenação resolveu comprar detectores de metal para localizar aparelhos, durante dois dias foram feitas revistas com detectores de metal, o que acabou atrapalhando o andamento das aulas, com os estudantes arrumando formas de burlar a proibição”, diz.

Saldo efetivo

Poucos conseguiram elencar pontos positivos, como maior concentração e socialização entre os alunos. Já os negativos, muito mais frequentes, revelam questões mais profundas

Alguns percebem um aumento nos níveis de ansiedade dos alunos, e outros acreditam que perdeu-se a oportunidade de uma educação digital.

É relatado também o aumento do desinteresse pelas aulas. “O real problema não é o celular, mas sim a falta de interesse nos estudos, que atualmente é generalizada. Assim, um aluno que não tem interesse nos estudos estando com um celular em mãos, fatidicamente irá utilizá-lo para passar o tempo e ignorar completamente a aula”, diz Kleyton, professor pernambucano.

O relato mais recorrente é o impacto na relação entre aluno e professor. Os professores têm agora uma responsabilidade adicional, que é fiscalização da lei. O resultado foi uma sobrecarga e uma maior incidência de conflitos com os alunos.

Vozes subestimadas

Cerca de 90% dos professores não se sentem como participantes da elaboração de políticas públicas de educação e lamentam que tenham que entrar apenas na hora de implementar a regra. “Sinto que as regras já chegam prontas para serem executadas”, reforça Ivy Cristina, docente carioca.

Valdeany Leal, atua há 10 anos na rede piauiense e relata: “Nunca fui consultada e não conheço ninguém que tenha sido”.

Para Guilherme Lima, professor de história na rede paulista, o problema é que “grande parte das políticas públicas na área da educação são pensadas por burocratas que nunca trabalharam na educação básica, ou, se já o fizeram, isso foi há muito tempo”, afirma.

“Escrever uma lei estando em um gabinete é fácil. Agora, fazer ela acontecer na prática em uma sala de aula sem ar condicionado, com recursos pedagógicos precários e 40 adolescentes, é outra história”, diz Lima.

É fato: o professor no Brasil é desvalorizado, desprestigiado e subestimado. Essa depreciação assume diversas formas, e uma delas é quando eles são ignorados na construção de políticas educacionais. O resultado, como bem aponta Suzy da Silva, professora paulista, é “um descompasso entre as decisões tomadas nos gabinetes e as necessidades reais das escolas”

Nossos governantes precisam entender que a desvalorização do docente não afeta apenas a categoria, mas também toda a educação brasileira e, naturalmente, limita o próprio desenvolvimento do país. Assim, a real valorização do docente é uma estratégia desenvolvimentista.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.