A dor das mães que tentavam recuperar os corpos de seus filhos é uma das faces mais tristes da tragédia executada pelo Estado brasileiro no Rio de Janeiro.”Eu só queria que meu filho fosse preso”. Esse lamento, em meio a lágrimas, foi feito pela confeiteira Tauã Brito, mãe Wellington Santos, de 20 anos, um dos mortos na operação policial mais letal da história recente do Brasil, que deixou pelo menos 121 mortos na semana passada no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro.

No vídeo, ela conta que foi atrás do filho, em meio à “guerra”. “Eu fui tentar ajudar. Eu queria tirar meu filho de lá para ele poder pagar pelo que ele estava fazendo, mas preso, não morto. Eu sou mãe, eu não defendo o que o meu filho fez. Ele fez errado. Mas ele tinha o direito de ser preso!” Ela afirma ter encontrado o corpo do filho com os punhos amarrados na mata perto da favela onde moravam.

Deve ser muito difícil para uma mãe implorar para que o filho seja preso. Ter esse direito negado e encontrar o filho morto com sinais de tortura é algo tão terrível que não sou capaz de imaginar a dor.

A mulher que chorava a morte do filho só queria que as leis do Brasil fossem cumpridas. Simples assim. E ela está certa. Não existe pena de morte no Brasil, por mais que muitos tentem dizer o contrário aos brados em comentários em redes sociais e nas ruas do Brasil nos dias que sucedem a tragédia.

“Executaram meu filho. Meu filho foi assassinado sem direito à defesa”, chorava Raquel Tomás, mãe de Yago Ravel, que foi degolado. Ao seu lado, uma tia de Ravel lembrava: “ele só tinha 19 anos”.

A dor das mães que tentavam recuperar os corpos de seus filhos na porta do IML ou buscavam por eles abrindo sacos estendidos em uma rua da Penha é uma das faces mais tristes da tragédia executada pelo Estado brasileiro no Rio de Janeiro.

“Qual é a próxima mãe que vai chorar?”, perguntava o rapper Mano Brown na música Fórmula Mágica da Paz, de 1997. De lá para cá, a situação só piorou. Em um único dia, pelo menos 120 mães choraram.

Nas imagens terríveis de pessoas em volta de corpos enfileirados no meio da rua, ou na porta do IML, vemos principalmente mulheres. Isso acontece por um fator estatístico. A maioria das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres (cerca de 50,8%). No caso das comunidades, esse número é ainda maior. Uma pesquisa feita em 17 comunidades cariocas mostrou que 72% das casas eram chefiadas por mulheres.

São elas que trabalham e colocam comida na mesa. A rede de apoio dessas mães é formada por outras mulheres, como mães, tias, amigas. Juntas, elas cuidam das crianças e dos jovens. E, em alguns casos, cumprem a terrível tarefa de reconhecer corpos de jovens no IML.

Essa “rede de mulheres” explica também porque mais homens aprovam esse tipo de operação. De acordo com uma pesquisa feita pela Quaest com moradores do Rio de Janeiro, 51% das mulheres aprovam esse tipo de ação policial. No caso dos homens, esse número chega a 79%.

Revitimização

Viver o trauma de ter um filho (ou familiar) assassinado já é terrível. Mas, para piorar, já tem gente revitimizando essas mães e as tratando como culpadas pela morte dos filhos, o que prova que a crueldade não tem limites.

“As mães de criminosos organizados falharam enquanto mães”, disse o ex-deputado de extrema direita Arthur do Val. Segundo ele, elas “escolheram o parceiro errado”. Essa declaração é tão absurda que dispensa maiores análises. Mas uma coisa é óbvia: quando lemos uma coisa dessas, entendemos que falhamos sim, mas como sociedade. É óbvio, existem mil explicações para a entrada de jovens no tráfico (e a má escolha amorosa das mães certamente não é uma delas).

É comum, infelizmente, que mães sejam culpabilizadas. No caso das mães vítimas dessa chacina (é isso o que elas são) é tudo ainda mais cruel, pois elas viram “culpadas” ao mesmo tempo em que choram e enterram os seus filhos, mortos por agentes do Estado, que deveriam cumprir a lei e prender e não matar.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.