23/12/2025 - 13:26
Depois de muitos anos morando na Alemanha, nos acostumamos a ver muitos pelados ao ar livre, em contraste com o Brasil, onde a nudez ainda é tabu em contextos fora do Carnaval.Há alguns anos, eu estava em um lago no meio de Berlim quando vi uma cena que me marcou. Uma mulher saiu da água pelada e, calmamente, começou a vestir um uniforme de motorista de ônibus. Um senhor ao seu lado, também nu, comentou: “Você veio nadar antes de ir para o trabalho? Que ótimo! Isso é muito saudável”. Ela disse que sim e o senhor completou: “Tenha um bom turno”. Ela agradeceu, pegou a mochila e foi embora trabalhar. Simples assim.
O lago em questão era o Halensee, um dos mais tradicionais pontos de nudismo de Berlim. E para tornar tudo mais surpreendente para nós, brasileiros, que não crescemos vendo corpos pelados em parques e praias, o lago fica ao lado de uma avenida muito movimentada e a poucos metros da famosa Kurfürstendamm, a rua mais tradicional e sofisticada da antiga Berlim ocidental.
Outra curiosidade: a maioria dos frequentadores do ponto de nudismo são idosos. Em dias quentes, você vê centenas deles, bem tranquilos.
O Halensee é apenas um dos exemplos de como o nudismo, ou Freikörperkultur (“cultura do corpo livre” ouFKK, na sigla em alemão), um movimento que existe desde o final do século 19, é comum na Alemanha. Se um dia proibissem o nudismo no Halensee, isso seria praticamente um ataque contra as tradições do país.
Tabu no Brasil
Ficar nu em público, ou achar isso normal, é uma questão cultural, claro. Mas, depois de muitos anos morando na Alemanha, a gente não só se acostuma a ver muitos pelados ao ar livre, como fica chocado ao ver como a nudez ainda é tabu no Brasil. E junto com o avanço do conservadorismo, cada dia esse tabu aumenta.
Uma prova: na última sexta-feira (19/12), a prefeitura de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, publicou um decreto proibindo a prática do naturismo na Praia do Pinho, reconhecido como o primeiro local de naturismo do Brasil. Como justificativa, a prefeita da cidade, Juliana Pavan, do partido conservador PSD, afirmou que a praia deixou de ser usada para o naturismo e passou a ser cenário de “atos ilícitos e crimes sexuais”. A decisão está no novo Plano Diretor da cidade.
Realmente, não consigo entender a conexão entre nudismo e aumento de “práticas ilícitas”. O que uma coisa tem a ver com a outra?
O nudismo é permitido oficialmente, no momento, em apenas seis praias do Brasil, reconhecidas pelas prefeituras locais e pela Federação Brasileira de Naturismo.
E se você ousar entrar no mar pelado fora dessas áreas, pode até ser preso. Mulheres que fazem topless também correm risco. Já houve casos em que mulheres que aderiram à prática foram atacadas, literalmente, com pedradas. Algumas também já foram presas.
Que problema com o corpo nu é esse, Brasil? É sempre estranho pensar que em um país tão liberal, onde, para citar o exemplo mais óbvio, mulheres nuas desfilam normalmente em escolas de samba no Carnaval.
O corpo nu é permitido, mas apenas uma vez por ano e bastante sexualizado, mas se alguém quiser nadar pelado por gostar, pode até ser preso. Sim, a prática é considerada ato obsceno, um crime que pode levar a um ano de prisão. Nesse ponto, nossa cabeça muda bastante quando moramos na Alemanha, por exemplo.
Já na Alemanha, há várias modalidades de FKK, mas, basicamente, a cultura é aceita praticamente em qualquer lugar. Temos praias e lagos que são “área FKK” (o que, na maioria das vezes, não significa que você seja obrigado a ficar pelado) e também locais onde existem áreas das praias para a prática e outras “comuns”. Mas a realidade é que em qualquer lago ou praia da Alemanha você pode ver pessoas peladas. E isso é tratado com completa naturalidade.
No verão, costumo nadar de manhã cedo em um lago de Berlim chamado Schlachtensee. Esse é um lago popular, no subúrbio de classe média de Zehlendorf e que é frequentado por muitas famílias. Todas as vezes que vou lá pela manhã, encontro mulheres muito idosas (na fase dos seus 80 anos) nadando peladas, livres, leve e soltas.
O que há de indecente nisso? Nada.
Eu não sou exatamente adepta do FKK, mas ver pessoas de todas as idades sem vergonha dos seus corpos é uma experiência transformadora, que recomendo fortemente, principalmente para as mulheres, vítimas de tanta pressão estética que muitas vezes sentem vergonha até de usar biquíni.
Repito, esse é um traço cultural e não espero que o Brasil vire a Alemanha e que passe a ser comum ficar nu até em um parque, mas que o tabu poderia diminuir, poderia. Uma pessoa que gosta de nadar pelada não é necessariamente alguém louco, obsceno ou que faz coisas ilegais. Ela pode ser apenas alguém que quer fazer algo saudável antes de ir trabalhar, assim como a motorista de ônibus do Halensee…
_____________________________
Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
