Na Assembleia-Geral da ONU, Trump vai discursar depois de Lula, que deverá dizer muita coisa que o americano não vai gostar de ouvir. Isso pode ser o prelúdio de novas sanções ao Brasil.Pouco se ouviu de Washington depois da condenação com penas elevadas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sete de seus aliados. Antes do julgamento, o presidente dos EUA, Donald Trump, e representantes de seu governo haviam criticado duramente o processo contra Bolsonaro e imposto tarifas de importação recordes ao Brasil.

Além disso, juízes do STF e membros do governo federal tiveram seus vistos para os EUA revogados, e o ministro do STF Alexandre de Moraes foi duramente sancionado por supostas violações dos direitos humanos.

É pouco provável que Trump vá agora deixar o Brasil em paz. Afinal há poucos países que provocam a ira dele tanto quanto o Brasil.

Um diplomata brasileiro com quem falei recentemente resumiu a questão assim: o Brasil está acumulando o soft power que os Estados Unidos estão rapidamente perdendo.

De fato, o Brasil desfruta agora de uma imagem no mundo muito melhor do que a de pouco tempo atrás: o governo brasileiro se recusa a fazer concessões diante da elevação de tarifas, ao contrário do que ocorre na União Europeia, no Japão ou na Coreia do Sul.

Por isso, ao lado da Índia, o Brasil foi punido pelos EUA com as tarifas mais elevadas, ainda que haja exceções a muitos produtos.

Mesmo assim, a Justiça brasileira seguiu adiante, impassiva à pressão externa, com o processo contra o ex-presidente da república e os demais acusados, entre eles, militares. O resultado é que, pela primeira vez, um presidente e generais foram condenados por tentativa de golpe de Estado no Brasil.

A separação de poderes está funcionando no Brasil – um sinal para um mundo no qual o sistema de freios e contrapesos está sendo desmantelado em muitos países.

Isso levou a uma elevação da imagem da democracia brasileira e do governo do país perante democratas de todo o mundo. E também a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou no Brasil, ainda que moderadamente.

É de se esperar que Trump vá ficar incomodado por ser apenas o segundo orador na Assembleia-Geral das Nações Unidas na próxima semana. E justamente depois de Lula, já que o Brasil tradicionalmente abre os discursos em Nova York.

Lula deverá abordar temas sobre os quais Trump tem opiniões diferentes: Palestina, Israel, guerra na Ucrânia, multilateralismo e mudança climática. É bem possível que o que se siga seja uma nova rodada de sanções dos EUA ao Brasil. A maioria dos especialistas em política externa avalia que o Brasil continuará sendo alvo das agressões de Trump no mínimo até as eleições de 2026.

Na lista de possíveis sanções ao Brasil estão mais tarifas de importação sobre produtos brasileiros, punições a empresas brasileiras nos Estados Unidos e novas sanções a membros do governo e ministros do STF.

Mas os maiores danos ao Brasil podem se dar em duas outras áreas:

O USTR, a órgão que coordena a política comercial internacional dos EUA e que é subordinado diretamente ao presidente, iniciou em julho uma investigação sobre o Brasil para verificar se serviços como o Pix prejudicam empresas de finanças e tecnologia dos EUA. Se o USTR concluir que isso ocorre, empresas e bancos brasileiros nos EUA poderão ter grandes problemas.

A situação pode piorar ainda mais se os Estados Unidos classificarem organizações criminosas brasileiras como o PCC e o Comando Vermelho como grupos terroristas. Aí qualquer empresa ou banco que tiver mantido contato com esses grupos, mesmo sem estar ciente disso, poderá ser proibida de fazer negócios com empresas dos EUA.

Isso seria um grande prejuízo para a economia brasileira, pois, na prática, poderia equivaler a uma exclusão do país do sistema financeiro ocidental. O comércio e os investimentos entre os Estados Unidos e o Brasil estariam diante do fim.

As consequências para o Brasil seriam catastróficas, pois o país se tornaria ainda mais dependente da China. Até o momento, porém, não há motivo para pânico. As próximas semanas, porém, mostrarão onde o Brasil estará na política global.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.