25/11/2025 - 9:42
É seríssimo o que Bolsonaro fez e ele praticamente “pediu” uma prisão preventiva. Mas não tem como não rir da desfaçatez e do espírito trapalhão do “plano”.Nem o melhor dos roteiristas de comédia conseguiria escrever um final tão cômico para a história de um líder de extrema direita como Jair Bolsonaro : “depois de se vender como herói macho e ‘imbrochável’, um nacionalista mequetrefe é preso pela polícia em sua casa, onde estava em prisão domiciliar, por tentar derreter sua tornozeleira com uma solda elétrica”.
É claro que o ato do ex-presidente, que o levou a ter sua prisão preventiva decretada no sábado (22/11) é seríssimo e que a tese do Supremo Tribunal Federal (STF) de que ele tentaria uma fuga faz todo sentido. Mas não tem como não ver o tom Zorra Total, de mais essa atitude do Bolsonaro, famoso não só por seu viés autoritário, sua misoginia e seu negacionismo, mas também por atitudes patéticas.
A piada não está só no fato dele ter tentado “derreter” uma tornozeleira, uma atitude vista por parte da imprensa mundial como um ato “covarde” e “desesperado”, mas também pelos requintes do fato. O vídeo gravado e divulgado pela Polícia Federal (PF), onde Bolsonaro explica o que fez, é inacreditável. Nele, imagens da tornozeleira meio derretida são exibidas enquanto um sujeito amedrontado responde para uma policial que “tinha metido ferro” no objeto usando “uma solda”.
As desculpas também são “maravilhosas”. Primeiro, o homem amedrontado fala que tinha passado a tarde e parte da noite queimando uma tornozeleira eletrônica com uma solda elétrica por “curiosidade”, como se isso fosse um hobby simples e não uma maneira bizarra de agir contra a lei. Em seguida, ele e seus advogados passam a afirmar que o ex-presidente teve um “surto” . O crime teria sido motivado por uma “alucinação” causada por uso de remédios. Ele teria “ouvido vozes” vindas da tornozeleira e achado que estava sendo espionado.
Sim, é super normal (contém ironia) que uma pessoa tome dois antidepressivos amplamente utilizados, tenha alucinações e decida conscientemente pegar uma solda elétrica (e quem tem um objeto desses em casa?) para “calar” as vozes. Honestamente, parece ou não uma piada?
Repito, é seríssimo o que o ex-presidente fez e ele praticamente “pediu” por uma prisão preventiva, mas não tem como não rir da desfaçatez e do espírito trapalhão.
As notícias da bizarra “tentativa de fuga” de Bolsonaro (é assim que o STF entende a tal “traquinagem” de queimar a tornozeleira) corre o mundo com todo o seu ridículo. É curioso, mas algumas coisas ficam ainda mais inacreditáveis quando lidas em outros idiomas. “Bolsonaro explica ataque à tornozeleira com alucinações”, escreve o jornal alemão Tagesspiegel. O diário explica: “segundo o depoimento, o homem de 70 anos afirmou que desenvolveu ‘certa paranoia’ devido à medicação e começou a manipulação pouco depois da meia noite. Ele então recobrou a consciência e parou.” Essa é uma narrativa que faz “todo o sentido”, não é mesmo?
Golpe trapalhão
Essa não é a primeira vez em que Bolsonaro e seus apoiadores agem de maneira tragicômica (espero que seja a última, mas não tenho tantas esperanças): a própria tentativa de golpe de Estado , crime que fez Bolsonaro ser condenado a 27 anos e três meses de prisão, teve desses momentos.
O ex-presidente e sua turma são especialistas em, por exemplo, produzir provas contra si mesmos. Uma das reuniões na qual eles tramavam um golpe, por exemplo, foi filmada por eles mesmos. Nela, os presentes, entre eles o ex-ministro Augusto Heleno e Bolsonaro, fazem confissões, falam que vão “virar a mesa”, que “não aceitariam o resultado das eleições” e que era a hora de “implementar o plano B”. A polícia nem deve ter tido muito trabalho, já que eles mesmos fizeram os vídeos.
Enquanto planejavam o golpe, eles também “imprimiram o plano”. O documento, que ficou conhecido como “minuta do golpe”, foi encontrado na sala de Bolsonaro em seu partido, o PL, e dizia, entre outras coisas, que um “estado de sítio” seria implementado no país. Assustador. Mas como eles deixaram essa prova tão escancarada?
É claro, tudo perde a graça imediatamente quando lembramos que sim, o Brasil esteve perto de sofrer mais um golpe de Estado e que um homem com ideias autoritárias como essa foi eleito presidente do país. Que isso nunca se repita. E que o bolsonarismo acabe desse jeito patético, com um suposto “macho corajoso” tentando derreter uma tornozeleira eletrônica com uma solta no calar da noite. Mais ridículo, impossível.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
