É tanto holofote e banalização em cima da série “Tremembé” que muitos estão esquecendo que os personagens ali são pessoas reais, que cometeram crimes terríveis.Na primeira cena da série sensação do momento, Tremembé, o presídio dos famosos, Suzane von Richthofen, interpretada com maestria por Marina Ruy Barbosa, aparece atordoada e linda, sentada sozinha na sala de sua casa enquanto seus pais são assassinados a pauladas. Em seguida, a garota está assustada no meio de um presídio. A trilha sonora animada e a direção esperta já mostram o tom pop que a série da Amazon vai tomar, apesar dos acontecimentos horríveis que vai retratar, como pessoas mortas a pauladas, crianças jogadas de apartamentos e corpos esquartejados.

A direção moderna e a pegada jovem de Tremembé não seriam problema algum – muito pelo contrário –, se a série fosse somente uma peça totalmente de ficção. Mas a produção, baseada no livro do escritor e jornalista Ulisses Campbell, conta a história de presidiários famosos – um termo que já é esquisito em si, assim como o título da obra –, como Suzane von Richthofen e os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, responsáveis pelo assassinato dos pais de Richthofen; Elize Matsunaga, condenada por matar e esquartejar o então marido, Marcos Kitano; e Ana Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, condenados pela morte da menina Isabella Nardoni, que foi jogada de um prédio aos cinco anos.

Apesar de falar por alto de outros presos, a série conta principalmente a história de Suzane, que é a protagonista, Elize e Ana Carolina Jatobá. Os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos figuram como espécies de galãs sensuais do presídio Tremembé. As moças, branquinhas e com jeito de boazinhas, contribuem para essa “fetichização” do crime.

Olhando para esses rostinhos inocentes de classe média, pensamos: “Como essa moça que tinha tudo foi fazer isso?” “Como essa menina loirinha e inocente pode ser tão cruel?” Entendo que esses casos causem fascinação em todos nós. Confesso que eu mesma corri para ver a série. É natural que histórias como as de Suzane e Elize causem um fascínio esquisito, aquele que faz com que a gente pense: “Como ela foi capaz?” Ou mesmo um alívio de “não sermos tão malvados assim”. Isso é normal, demasiadamente humano e explica em parte a febre das histórias de “true crime” (os crimes reais).

Mas precisamos estar atentos e não podemos romantizar os personagens ou banalizar seus crimes. Na série, uma das trilhas sonoras de Suzane é “Perigosa”, uma música antiga das Frenéticas que diz: “Sei que eu sou/ bonita e gostosa […] cuidado, garoto/ eu sou perigosa.” É preciso lembrar que Suzane não é uma “fofinha perigosa”, mas uma assassina cruel, responsável – vamos repetir – pela morte dos pais a pauladas.

“Ah, mas é apenas entretenimento”, alguém pode dizer. Pois então, é aí que mora o problema. No caso da série e de outros produtos do gênero “true crime” estamos nos entretendo com crimes reais, com dramas que realmente mataram pessoas e destruíram famílias.

E, por isso mesmo, precisamos ouvir Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni. Ao comentar a série em sua conta no Instagram, ela disse: “O que me preocupa nessas questões é trazer criminosos para os holofotes e tratar como se eles fossem celebridades e não com a seriedade de cada caso. Nós que ficamos somos vítimas secundárias e isso faz parte da nossa vida; a gente tem que ser respeitado.” Ela pediu para que os espectadores tomassem cuidado “para que eles [criminosos] não se tornem pessoas públicas e até virem aí os seus extremos de terem, como a gente já viu, pessoas idolatrando”.

Ana Carolina identificou algo que, acredito, infelizmente já está acontecendo. As notícias sobre os “personagens” da série em páginas de fofoca, os vídeos de criminosos condenados comentando trechos da série sendo reproduzidos em todo canto e notícias do estilo “Suzane reativa página no Instagram e chega a 100 mil seguidores”, provam que a mãe de Isabella está coberta de razão.

Os personagens da série caminham, com ajuda da nossa curiosidade mórbida e de parte da mídia, para ocupar um dos postos mais cobiçados do momento: o de “influenciadores”. É tanto holofote que muitos estão esquecendo que os personagens de Tremembé são pessoas reais, que cometeram crimes terríveis. Se continuar nessa toada, logo veremos Suzane von Richthofen fazendo publi.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.