03/11/2025 - 17:06
Operações no Rio e em São Paulo expõem duas abordagens distintas para enfrentar facções, que evidenciam profundas divergências nas políticas de segurança pública do Brasil.Em dois meses, o Brasil vivenciou duas grandes operações do Estado contra o crime organizado. Elas se diferenciam fundamentalmente em suas estratégias e ainda deverão dominar o debate sobre segurança pública durante um bom tempo. Se no Rio de Janeiro fez-se sobretudo uso da violência, em São Paulo houve coordenação e troca de informações entre órgãos do Estado.
Na Operação Contenção, no dia 28 de outubro no Rio de Janeiro, várias unidades policiais caçaram membros do Comando Vermelho (CV) no Complexo do Alemão. O CV é o mais influente grupo do crime organizado brasileiro. Ele tem origem no Rio, e é lá que estão os seus chefes. Várias comunidades do Rio são controladas pelo CV, com suas centenas de membros fortemente armados.
O CV não está avançando só no Rio, mas também na região amazônica e no Nordeste, onde disputa o controle com grupos locais em ações violentas.
Na megaoperação no Rio de Janeiro, as forças de segurança mataram em algumas horas mais de uma centena de membros do Comando Vermelho.
Mesmo defensores de operações desse tipo, como o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, dizem que a operação no Rio não vai mudar nada no monopólio da violência do CV ou na vida das pessoas que vivem nos territórios controlados pelo grupo. Os membros presos ou assassinados serão substituídos, e novas armas serão compradas. As pessoas continuarão servindo de escudo para o tráfico de drogas e continuarão sendo extorquidas com taxas e proteção.
Comunidades como o Complexo do Alemão precisam ser ocupadas pelo Estado, para que haja uma melhora significativa na vida dos moradores delas, diz Pimentel. Assim como ocorreu há cerca de dez anos, no âmbito dos grandes eventos esportivos (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos), ao menos por algum tempo. Mas essa integração das comunidades não é planejada pelo governador Cláudio Castro.
Atuação coordenada em São Paulo
Já em São Paulo ocorreu no dia 28 de agosto de 2025 a Operação Carbono Oculto, com 1.400 policiais. Eles executaram 14 mandados de prisão. Sete pessoas foram presas, e nenhum tiro foi dado.
Pela primeira vez, os investigadores realizaram batidas também na Avenida Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo. Eles tinham indícios de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) usava fintechs para a lavagem de dinheiro. Com isso chegaram ao centro do setor financeiro brasileiro.
Ao longo de dois anos, a unidade especial Gaeco do Ministério Público do Estado de São Paulo descobriu, em investigações sobre o crime organizado, um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos do PCC que envolvia postos de combustíveis, refinarias, fazendas de cana, usinas e transportadoras.
Em vez de tentar localizar criminosos, o Gaeco se concentrou em tentar entender como funcionam os mercados ilegais no qual o PCC atua. Equipes da Polícia Federal, do Ministério Público e da Receita Federal estiveram envolvidas. Cada uma investigou por conta própria, e depois elas juntaram as peças do mosaico.
“Queríamos restringir gradualmente o alcance das atividades de organizações como o PCC”, disse-me um procurador ao falar sobre o objetivo da operação.
Tema na campanha eleitoral
A enorme influência danosa do PCC sobre a sociedade brasileira não é imediatamente aparente. Ao contrário do CV, o PCC prefere evitar atos de violência ou confronto com o Estado. O maior perigo decorre da crescente infiltração no Estado e na economia, facilitada pelos níveis tradicionalmente elevados de corrupção na política.
É aí que entra o crime organizado, como o PCC. Ele financia campanhas eleitorais e, em troca, recebe contratos governamentais. O crime organizado está ganhando cada vez mais espaço em licitações públicas municipais para transporte público, hospitais e coleta de lixo.
Especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública avaliam que o PCC já lucra mais em outras áreas de atuação do que com o comércio de cocaína. Isso inclui o contrabando ou a falsificação de produtos como gasolina, cigarros e automóveis, investimentos em imóveis ou empresas e contratos públicos.
É provável que o combate ao crime organizado desempenhe um papel decisivo na campanha eleitoral de 2026. A extrema direita, que disputa o espólio de Jair Bolsonaro, vai querer pontuar com o tema segurança e a abordagem mão firme contra o crime. Pesquisas mostram que a maioria da população apoio operações como a ocorrida na semana passada no Rio.
Já a esquerda, que tem como principal candidato o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ignorou a questão do crime organizado por muitos anos e continua reagindo de forma bem tímida. Mesmo a bem-sucedida Operação Carbono Oculto, com sua abordagem nova no combate ao crime, foi amplamente ignorada pelo governo em Brasília. Isso agora está se voltando contra ele.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.
