16/09/2025 - 16:22
Três cidades alemãs lançam projeto-modelo que integra serviços de segurança e saúde para conter disseminação de fentanil e outras drogas, impulsionadas pelas redes sociais.O sinal fica claro já no nome da rua: Hoffnungsstraße, a “Rua da Esperança”. É nela que está localizado o centro de atendimento a dependentes químicos da cidade alemã de Essen, no oeste do país. O município de 600 mil habitantes é um dos que implementam um projeto integrado para se preparar contra a esperada crise de drogas sintéticas na Alemanha.
A unidade em Essen oferece refeição gratuita e hospedagem para pessoas que lutam contra o vício. Ela funciona sob um modelo especializado, que permite o consumo supervisionado e higiênico de drogas intravenosas ou fumáveis. O objetivo de salas como esta é mitigar os riscos do uso de drogas em locais onde não há atenção à saúde.
“O cenário está mudando”, disse Caspar Stolz, da equipe de redução de danos em Essen. “Mesmo pessoas que consomem heroína injetável há 15 anos agora estão fumando crack”, afirmou. “Elas se deterioram mais rápido porque muitas vezes não conseguem escapar da espiral do ‘barato de 15 minutos, conseguir dinheiro, comprar crack’.”
Desde a abertura da sala de consumo, em 2001, não houve mortes no local, relatou Stolz. Mas drogas mais novas e ainda mais perigosasjá estão à porta.
Em grandes cidades alemãs, como Frankfurt ou Berlim, opioides sintéticos como fentanil ou nitazenos, misturados à heroína, já circulam há tempos. Mesmo uma quantidade mínima, do tamanho de um grão de sal, pode matar.
No entanto, uma nova tendência se espalha desde a pandemia da covid-19. Crescem nas redes sociais vídeos de jovens consumindo opióides e calmantes usados para reduzir a ansiedade de forma exacerbada e ao vivo. Para especialistas, os vídeos provocam efeito cascata e incentivam outros jovens a fazer o mesmo.
Ruben Planert, porta-voz dos serviços de atendimento a dependentes em Essen também identifica o problema. Ele ressalta que muitos jovens consomem o fentanil, um analgésico opióide potente, sem saber que a droga é frequentemente misturada com a heroína.
“Recentemente tivemos um jovem em nossa unidade que passou cinco dias em coma após fumar fentanil. Ele sofreu uma overdose com paralisia respiratória, algo que apenas com heroína seria possível, mas muito improvável”, disse Planert.
“As pessoas que o consomem [o fentanil] muitas vezes não têm ideia, porque a heroína está misturada apenas o suficiente para não causar uma overdose. Só especialistas e químicos conseguem dosar isso com precisão, não qualquer traficante de rua.”
Cidades alemãs querem se antecipar à crise dos opioides sintéticos
Essen, junto com Hannover e Berlim, é uma das três cidades que estão se preparando conscientemente para um aumento do consumo do fentanil. O projeto chama-se “Opioides Sintéticos – Preparar e Responder”, ou “so-par”, e deve servir como modelo para o país todo.
As cidades elaboram planos de emergência, treinam serviços de emergência e equipes de saúde e, sobretudo, ampliam os testes de drogas para detectar opioides com mais precisão.
“O objetivo deste projeto de 24 meses é que nosso município se antecipe à situação”, disse Rebecca Lehmann, do departamento de serviços de dependência de Essen. “Também para evitar que nosso sistema de saúde fique sobrecarregado. Faz sentido desenvolver um sistema de alerta precoce.”
A meta é evitar casos como o ocorrido há dois anos na cidade inglesa de Birmingham, onde 30 pessoas morreram de overdose por opioides sintéticos. Ou, em 2023, na capital irlandesa, Dublin, quando o serviço de emergência registrou dezenas de atendimentos pelo consumo de nitazenos, droga considerada 500 vezes mais forte do que a heroína.
O novo comissário do governo alemão para questões de dependência e drogas, Hendrik Streeck, defende o projeto.
“Não podemos repetir os erros do passado e reagir tarde demais. Por isso, defendo um sistema nacional de monitoramento e alerta precoce que avise polícia, serviços de emergência, profissionais de dependência e usuários em tempo real sempre que surgirem novas substâncias perigosas”, disse ele em comunicado à DW.
“Também se trata de conscientizar as pessoas sobre os perigos das drogas em geral, ampliar as opções de tratamento da dependência e garantir que o medicamento de emergência naloxona [antagonista do opióide, usado para reverter ou reduzir os efeitos da droga] esteja disponível em todos os lugares necessários.”
Número de mortes por drogas cai, mas problema é perene
O número de mortes relacionadas a drogas na Alemanha caiu ligeiramente em 2024 pela primeira vez em muito tempo.
Isso, no entanto, não é motivo para baixar a guarda, disse o idealizador do projeto e pesquisador em dependência, Daniel Deimel. “Temos cerca de 170 mil pessoas na Alemanha dependentes de opioides. Normalmente de heroína. Esse número tem se mantido estável por muitos anos”, afirmou à DW.
Há cerca de 10 anos, o crack também passou a ser mais consumido no país. “Chamamos isso de consumo polivalente, ou seja, várias substâncias sendo usadas”, explicou Deimel. “Não há glória na prevenção”, acrescentou, citando o virologista Christian Drosten, que ganhou projeção na Alemanha no início da pandemia de covid-19. Isso significa que o melhor cenário é o projeto evitar o pior cenário, mesmo que o público não perceba.
O pesquisador defende uma infraestrutura mais adequada e, sobretudo, uma estratégia nacional para combater o avanço do fentanil.
“Quando converso com políticos locais ou autoridades, todos já estão alarmados. Mas, infelizmente, não temos um sistema de testagem de drogas abrangente e nacional, o que nos daria uma base de dados melhor. É por isso que os municípios fazem muito bem em pensar com antecedência. Ainda estamos um pouco à frente da onda”, disse ele.