03/04/2023 - 14:43
Ao conversar, um falante nativo do árabe precisa escutar com muita atenção: seu interlocutor se refere a kitabun (كتاب) ou katib (كاتب): “livro” ou “escritor”? Ambos os vocábulos se baseiam no mesmo radical, k-t-b ( ب – ت – ك), muito frequente no idioma.
Um nativo de alemão, por sua vez, deve se concentrar em especial na estrutura da oração: Leihst du dir das Buch von deinem Lieblingsschriftsteller aus? (Pegas emprestado o livro do teu escritor preferido?) Na língua germânica, é comum as partes de verbos separáveis (trennbare Verbe) como “ausleihen” aparecerem espalhadas pela frase.
Os idiomas árabe e alemão são extremamente diversos entre si. Mas essas diferenças serão detectáveis também nos cérebros dos falantes nativos? Essa foi a questão que se colocou a equipe de pesquisadores do Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e Neurológicas, liderada pela doutoranda e principal autora Xuehu Wie.
Para responder a ela, selecionaram-se dois grupos de 47 indivíduos, nativos do alemão e do árabe, respectivamente. Todos haviam crescido em uma só língua, não possuindo, portanto, mais de um idioma materno, além do qual só sabiam um pouco de inglês.
Os participantes foram então submetidos a um tomógrafo de ressonância magnética (MRT) especial. Além de rastreamentos cerebrais de alta definição, esse exame também forneceu informações sobre as ligações entre as fibras nervosas, dados que permitiram à equipe calcular quão fortes eram as conexões entre as diversas áreas linguísticas.
Pronúncia e significado versus estrutura
“O resultado nos surpreendeu muito, pois sempre partimos do princípio que a linguagem é universal”, comenta Alfred Anwander, pesquisador do Departamento de Neuropsicologia do Instituto Max Planck de Leipzig e coautor do estudo. “Pensávamos que não dependesse do idioma, de onde é processada no cérebro ou da intensidade das ligações entre as diversas áreas.”
No entanto, constatou-se que, entre os nativos do árabe, os hemisférios cerebrais esquerdo e direito são mais fortemente conectados entre si. O mesmo se aplica aos lobos temporais, situados dos lados do córtex cerebral, e envolvendo também a parte mediana, o lobo parietal.
A constatação é totalmente plausível, pois essas regiões são responsáveis por processar a pronúncia e o significado da língua falada, e um arabofalante precisa se concentrar muito atentamente nos sons emitidos para extrair o sentido – como no caso de kitabun e katib.
Entre os germanófonos, os cientistas encontraram conexões mais fortes no hemisfério esquerdo e com o lobo frontal. Também esta é uma conclusão bem plausível, pois nessas duas áreas se processa a estrutura fraseológica. Por isso os nativos do alemão não têm problemas em compreender as complexas frases do idioma – por vezes, verdadeiras “bonecas russas” sintáticas.
O sonho do aprendizado de línguas sob medida
“Nosso estudo fornece novos dados sobre como o cérebro se adapta às exigências cognitivas: nossa rede estrutural da linguagem é, portanto, marcada pelo idioma materno”, resume o coautor Anwander. Contudo, ressalva, tal diversidade de ligações não representa nem vantagens nem desvantagens para os falantes, pois “a conectividade é simplesmente diferente, nem melhor, nem pior”.
Por outro lado, o saber em torno das ligações dos centros linguísticos poderá ser vantajoso para os diferentes falantes nativos. Por exemplo, na terapia dos pacientes de acidentes vasculares cerebrais (AVC) que sofram distúrbios da fala. Dependendo de sua língua materna, se aplicariam abordagens diversas, tornando mais eficaz o tratamento da afasia.
Numa segunda fase do estudo, se examinará o que ocorre nos cérebros dos arabófonos enquanto aprendem alemão. “Estamos curiosos para ver como a rede neurológica se modifica durante o aprendizado de uma nova língua”, diz Anwander.
Seria bem-vinda uma pesquisa com mais participantes, para confirmar as conclusões. “Além disso, será bem enriquecedor ampliar as análises a mais idiomas”, observa o neuropsicólogo. Em outro estudo cujos resultados ainda não foram apresentados, os pesquisadores liderados por Xuehu Wie examinaram nativos de alemão, inglês e chinês.
Uma aplicação importante dessas pesquisas será aprimorar os métodos de ensino de línguas estrangeiras, adaptando-os aos diferentes tipos neurológicos e seus idiomas maternos. Contudo, “ainda estamos muito longe da estratégia didática individual com base num MRT”, esclarece Anwander: é preciso ainda muita pesquisa e, até lá, as anotações de vocabulário continuam sendo o melhor amigo dos alunos.