17/12/2020 - 14:55
O regime nazista usou sistematicamente a música de Beethoven para propósitos políticos. Após a Guerra, ditadores e ativistas em todo o mundo usaram as obras do gênio musical que completa 250 anos para seus próprios fins.Em 1945, a ópera Fidelio , de Ludwig van Beethoven, foi ouvida em Viena como um símbolo de libertação. Os Aliados haviam vencido a guerra contra a Alemanha nazista. Sete anos antes, o regime de Hitler havia celebrado a obra como a “Ópera da Vitória” na Áustria ocupada.
Quase nenhum outro compositor foi tão instrumentalizado para fins políticos quanto Ludwig van Beethoven. Nascido há 250 anos, sua música serviu a ditadores e lutadores pela liberdade em todo o mundo para confirmar suas respectivas visões políticas.
“O segredo desta música ainda é discutido hoje”, diz o musicólogo Michael Custodis, da Universidade de Münster, em entrevista à DW. “A apropriação internacional é uma história cultural muito complexa, da qual ainda não sabemos muito e para a qual ainda temos que desenvolver modelos explicativos.”
Propaganda sistemática com a música de Beethoven
O regime nazista usou Beethoven para seus propósitos de propaganda. Hitler não estava interessado apenas na música em si, mas também nos atributos conferidos ao compositor e à pessoa Ludwig van Beethoven, considerado um titã, um herói que havia superado sua surdez e, por último, mas não menos importante, um gênio musical alemão.
O fato de Beethoven também representar valores da Revolução Francesa, como liberdade, igualdade e fraternidade, não incomodou o regime de Hitler. “As ditaduras nunca tiveram problemas em assumir o controle da narrativa histórica e simplesmente reescrevê-la em caso de dúvida”, diz Custodis. “Além disso, o nazismo sempre se apresentou como um movimento revolucionário.”
Um movimento revolucionário que − ao menos no aspecto musical − quis se vincular a antigas tradições: com carros-chefe como Beethoven e Wagner. Para organizar os eventos musicais, o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, fundou a Câmara de Cultura do Reich com o departamento Câmara de Música do Reich. Seu primeiro presidente foi o conhecido compositor Richard Strauss. Ele serviu como figura de proa cultural da ditadura. Obras de compositores judeus ou oponentes políticos foram banidas como “música degenerada”.
Preservar o legado cultural
Com a criação do Império Alemão, ou Reich, em 1871, o imperador Guilherme 1º pavimentou o caminho para o uso da cultura e da música para fins do governo. Ele acabou com a noção romântica de que música e política são dois mundos estritamente diferentes. O reconhecimento internacional de compositores como Beethoven, Wagner, Brahms e Bruckner jogou a seu favor.
“O Império Alemão entra em cena para a administração do patrimônio cultural e gastou muito dinheiro para expandir o status conquistado pelo repertório musical alemão nas salas de concerto e nos palcos de ópera do mundo”, explica Custodis.
Além disso, a música alemã era tocada também nas colônias na África e na China − principalmente para convencer de forma missionária as “culturas estrangeiras” sobre o valor da cultura alemã.
Propaganda nazista também no exterior
O regime nazista continuou essa tradição. Canções alemãs foram tocadas no Brasil e no Chile, e a Filarmônica de Berlim fez turnês no exterior como “Orquestra do Reich”. Maestros como Wilhelm Furtwängler e Herbert von Karajan encheram as grandes salas de concerto do mundo com as obras orquestrais de Beethoven.
Mais tarde, na Segunda Guerra, pianistas como Elly Ney, Wilhelm Kempff ou Walter Gieseking deram concertos de propaganda e fortaleceram a resistência das tropas na frente de batalha com as sonatas para piano de Beethoven.
A quem pertence Beethoven?
Que Hitler pretendia “dominar o mundo” ficou claro no mais tardar na Segunda Guerra Mundial. As nações ocupadas estavam culturalmente divididas. Por um lado, rejeitavam estritamente as sinfonias alemãs durante o conflito; por outro, tocavam exatamente essa música em protesto. “Os alemães tiveram negado o direito de assumir para si compositores como Beethoven”, explica Custodis.
Três batidas curtas e uma longa marcam a abertura da Quinta Sinfonia. Elas foram o sinal de identificação das transmissões internacionais da BBC durante a Guerra e, portanto, o indicativo da resistência contra os alemães. Em código Morse, os tons representam a letra “V”, da palavra “vitória”.
A estudante judia de música Fania Fénelon, de Paris, conhecia esse simbolismo político quando foi presa no campo de concentração de Auschwitz e fez o arranjo da Quinta Sinfonia para a “orquestra de meninas”. Em seu livro de mesmo nome, a sobrevivente do Holocausto escreve que ficou contente porque os administradores dos campos de concentração não perceberam essa importância.
Dois Estados alemães disputam Beethoven
Nos primeiros anos após o fim da Segunda Guerra, eclodiu uma disputa ideológica entre a Alemanha Oriental e a Ocidental sobre o direito de reivindicar a música de Beethoven. Na Alemanha de regime comunista, Beethoven era visto como um pioneiro do socialismo. “Diziam lá que Hitler foi derrotado com a ajuda do Exército Vermelho e que, portanto, deve-se abordar o aspecto pacífico e europeu da música de Beethoven”, explica o musicólogo.
Já a Alemanha Ocidental ocupava-se com os processos de desnazificação, em que também o maestro Wilhelm Furtwängler teve que assumir sua responsabilidade. Em 1942, ele havia tocado a Nona Sinfonia de Beethoven com a Filarmônica de Berlim por ocasião do aniversário de Hitler.
“A partir de 1948, a Filarmônica de Berlim voltou a fazer turnês com Furtwängler, diretamente para a Inglaterra, sob a premissa de projeto de paz”, conta. Apesar dos debates acalorados sobre o papel de Furtwängler no chamado “Terceiro Reich”, os concertos tinham ingressos esgotados, e as críticas musicais eram arrebatadoras. As pessoas queriam voltar a ver música e política separadas.
A Nona Sinfonia a serviço da política
Depois da Guerra, a Nona Sinfonia de Beethoven foi apropriada politicamente em todo o mundo. Os governantes do antigo regime de apartheid da Rodésia, atual Zimbábue, usaram o quarto movimento como hino nacional na década de 1970. Durante a ditadura militar no Chile, mulheres manifestaram-se com a “Ode à Alegria” pela libertação de presos políticos. Em junho de 1989, estudantes na China cantaram a “Ode” durante seus protestos na praça da Paz Celestial.
Leonard Bernstein conduziu a Nona em 1989, quando caiu o Muro de Berlim. Na esteira da Reunificação, os políticos cantaram a “Ode à Alegria”. A Nona Sinfonia de Beethoven é também o hino da União Europeia, com os seus valores de liberdade, paz e solidariedade.