01/07/2022 - 7:16
Contrariando diversos prognósticos, mesmo após cinco meses de guerra contra a Ucrânia, Moscou não decretou uma mobilização militar geral. Do combate participam soldados de carreira e temporários, assim como funcionários de empresas privadas de segurança e militares.
Além disso, empregam-se homens recrutados nas assim chamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, na região de Donbass. Em vez de uma mobilização generalizada, os departamentos de alistamento procuram mais ativamente do que nunca por soldados temporários, além de visar os jovens sujeitos ao serviço militar obrigatório.
“Provavelmente uma mobilização dissimulada”
Alexander (nome alterado por motivos de segurança) é veterano e há anos não vive mais na Rússia. Em seu passaporte, contudo, consta o endereço de registro russo, onde seus pais ainda vivem. Recentemente, estes encontraram em sua caixa de correio um convocação da junta de alistamento local.
“Há mais de 20 anos estou listado no departamento, desde que fui soldado. Sou veterano e não sei a que isso se deve. Provavelmente é uma mobilização dissimulada.” Porém, ele condena o ataque de seu país à Ucrânia, e se ainda estivesse na Rússia, depois de uma intimação dessas procuraria ir embora o mais depressa possível.
Aparentemente, cada vez mais russos que serviram às Forças Armadas e têm experiência de combate estão recebendo essas convocações. A rede social russa VK se ocupa do tema: atingidos trocam conselhos sobre a melhor forma de reagir. “Meu filho foi ao departamento em 14 junho. Eles olharam os documentos dele e perguntaram se queria assinar um contrato. Depois o deixaram ir embora”, escreve Anna, filiada a um grupo de mulheres de Arkhangelsk.
Desde o começo da guerra contra a Ucrânia, e especialmente no último mês, o ativista dos direitos humanos Alexander Gorbachov, que aconselha obrigados ao serviço militar, observa uma busca intensificada por soldados temporários: “Antes, só se oferecia um contrato aos recrutas compulsórios e aos homens que procurassem a junta voluntariamente. Não havia telefonemas e intimações em massa.”
Apertando o cerco aos recrutáveis
Por lei, todos os homens entre 18 e 27 anos são obrigados a prestar serviço militar na Rússia. Há exceções por motivos de saúde, e universitários obtêm um adiamento pela duração de seus estudos. Mesmo antes da guerra, os direitos dos recrutas compulsórios eram violados com frequência, porém este ano houve casos sem precedentes, relata Oksana Paramonova, diretora da organização de direitos humanos Mães de Soldados de São Petersburgo.
Por exemplo, foram recrutados estudantes no último ano do curso sem se considerar o adiamento a que ainda tinham direito. Indivíduos com saúde deficiente, que normalmente não poderiam servir ao Exército, também foram chamados. A linha direta das Mães de São Petersburgo tem recebido diversas queixas nesse sentido.
Além disso, as autoridades vêm contatando as empresas diretamente, com listas de funcionários que devem se apresentar para o serviço militar. Por lei, uma intimação recebida no local de trabalho não pode ser ignorada. No entanto, até onde se sabe, as próprias juntas de alistamento não obrigaram ninguém a assinar um contrato temporário.
Como noticiou recentemente o jornal online russo The Insider, uma exceção é a república russa da Tchetchênia, onde homens foram obrigados a ir para o front através de sequestro, tortura e processos penais. Paramonova confirma que tais métodos não são usuais em outras regiões do país: “Há casos em que não se exerce pressão psicológica direta, mas se atrai os potenciais contratados com salários, benefícios e condições de trabalho.”
Por outro lado, muitos se queixam em sua linha direta de que as condições contratuais não são cumpridas, e com frequência constata-se que os soldados temporários não leram os contratos detalhadamente, antes de assiná-los.
Tentação financeira
Em muitos casos, sequer é necessário forçar os cidadãos a irem para a guerra. Diante dos postos móveis de alistamento é comum verem-se filas. No fim de maio, o presidente Vladimir Putin eliminou o limite de idade para o serviço militar: agora maiores de 40 anos também podem servir – e muitos o fazem.
Um atrativo central é o pagamento, como frisam os numerosos anúncios dos departamentos militares. Quem assina atualmente um contrato recebe um salário mensal de 200 mil rublos (R$ 19 mil), cinco vezes mais do que o salário médio na Rússia. Em tempos de paz, o soldo regular é de 25 mil rublos (R$ 2.400), explica Alexander Gorbachov.
No entanto os anúncios não especificam se se trata de um recrutamento para ações de combate; só há indicações indiretas nesse sentido. Assim, consta do fim de uma descrição: “Durante a execução da operação militar especial, só pode ser fechado um contrato de quatro meses ou mais.” Putin denomina a guerra de agressão contra a Ucrânia “operação militar especial”.
“Uma mobilização oculta, no sentido de um recrutamento compulsório para participar das ações de combate na Ucrânia, não há”, afirma Oleg Ignatov, analista-chefe do International Crisis Group. A mídia e as forças armadas ocidentais contavam que Putin anunciaria uma mobilização geral em 9 de maio. Isso não ocorreu, mas não é de se descartar no futuro, ressalva Ignatov.
Até agora tal decisão foi possivelmente evitada por motivos políticos, pois poderia fazer simpatizantes passivos da guerra se tornarem rapidamente opositores ativos. E a liderança russa teme o descontentamento da população, explica o especialista.
Até agora, as lacunas da infantaria russa no avanço sobre o Donbass foram compensadas pela superioridade de sua artilharia. Mas as forças militares de Moscou não bastariam para a tomada de metrópoles como Dnipro, Odessa ou Kiev.
“Não sabemos quão longe a Rússia quer ir na Ucrânia. No entanto ela não recua de suas metas e de sua política. Caso se sinta encurralada num canto, poderá ser proclamada uma mobilização geral”, avalia Ignatov.