23/10/2025 - 15:53
Pescadores da Itália e da Espanha enfrentam prejuízos milionários causados por espécie que destrói habitats marinhos. Suspeita é que ela tenha chegado através de navios cargueiros.Na barraca de peixe da vila de Aspra, perto da capital siciliana Palermo, a pesca do dia está coberta de uma espécie de guarnição verde. Longe de ser um ingrediente a ser preparado como acompanhamento, porém, trata-se do pior inimigo dos pescadores locais. Conhecida como Rugulopteryx okamurae, essa alga invasora tem sido responsável nos últimos dois anos por drenar a renda dos profissionais, que precisam de dias para retirá-las de suas redes.
O problema já era conhecido entre os pescadores espanhóis. “Temos algas aqui há 10 anos”, diz Gregorio Linde, capitão de um pequeno barco de pesca em Tarifa, no Estreito de Gibraltar. “O fundo do mar é um tapete delas, e as redes não capturam nada.”
Sua família vive dos frutos marinhos há gerações, mas agora, passam dias içando algas. Os prejuízos desta pesca artesanal na Espanha ultrapassam 3 milhões de euros (cerca de R$ 18,7 milhões) por ano.
A espécie invasora também está prejudicando o turismo costeiro na Espanha e na Itália, onde tapetes de algas agora ocupam praias que antes esbanjavam areia branca. Apesar dos esforços para transportá-las para aterros sanitários, novas marés voltam a encher as praias.
O maior estrago, contudo, está fora de vista. Debaixo da água, as algas estão sufocando pradarias marinhas vitais, prejudicando ouriços-do-mar e ocupando abrigos de peixes.
“Os impactos socioeconômicos podem ser compensados com dinheiro, mas este impacto ecológico sem precedentes não”, alerta Maria Altamirano, pesquisadora da Universidade de Málaga, que identificou as algas pela primeira vez na Espanha. A “invasão”, diz ela, “é como um incêndio florestal em um parque nacional: tudo é dizimado e apenas uma espécie permanece.”
Mediterrâneo: ponto de convergência de espécies não nativas
Embora cubra menos de 1% da área oceânica do mundo, o Mediterrâneo abriga quase um quarto do tráfego marítimo global. De acordo com a Agência Europeia do Meio Ambiente, isso faz com que embarcações sejam responsáveis pela introdução de metade das espécies não nativas à região desde 1970.
O Mediterrâneo também concentra grande parte das espécies invasoras encontradas nas águas europeias, lembra Luca Castriota, especialista em espécies invasoras do Instituto Nacional de Proteção Ambiental e Pesquisa de Palermo. Elas deslocam a vida marinha nativa e remodelam os ecossistemas.
A Rugulopteryx okamurae está entre as mais nocivas. Nativa do Pacífico, onde vive em equilíbrio com ecossistemas do Japão, China, Taiwan, Coreia e Filipinas, a espécie foi identificada pela primeira vez como invasora em 2015, em Ceuta, um enclave espanhol na costa norte da África, ao longo do Estreito de Gibraltar.
Impulsionado pelo avanço da pesca e da poluição, bem como pelo aquecimento das águas e pela ausência de predadores naturais, o avanço agressivo da Rugulopteryx okamurae não parou por aí. Desde então, a alga já se espalha para o Oceano Atlântico, chegando até arquipélagos como as Ilhas Canárias, os Açores e a Madeira. Em 2022, ela se tornou a primeira alga a entrar na lista de espécies exóticas invasoras sob vigilância da União Europeia.
Como a água de lastro equilibra os navios e desequilibra os mares
A hipótese dos cientistas é que as algas chegaram ao Mediterrâneo por meio da água de lastro descarregada por navios cargueiros que viajam entre a Ásia e a Europa. Os navios bombeiam água para seus tanques internos para estabilizar a carga antes de deixar o porto de origem. Posteriormente, essa mesma água é então expelida no destino, levando também esporos, larvas ou ovos escondidos.
“Hoje, o mundo está interconectado. Compramos produtos da China, por exemplo, que são distribuídos por todo o planeta. Mas, além dos bens que queremos, transportamos espécies de um lugar para outro”, explica Maria Garcia, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (CSIC). Há 30 anos monitorando espécies invasoras nas águas costeiras do Mediterrâneo, ela afirma que o comércio está “alterando completamente” tanto fauna quanto flora do ecossistema local.
Em 2004, a Organização Marítima Internacional (OMI) adotou uma convenção que exige que os navios tratem a água de lastro. No entanto, a regra só entrou em vigor em 2017. Desde setembro do ano passado, os navios que navegam com a bandeira de um país signatário ou que descarregam lastro em seus portos devem instalar sistemas de tratamento a bordo, impedindo que partículas maiores que 0,01 milímetro sejam descarregadas.
Especialistas veem nisso um avanço, mas a fiscalização continua insuficiente. “Esforços têm sido feitos há anos, mas a implementação é difícil devido aos custos envolvidos. Muitas vezes, depende da boa vontade dos donos dos navios e das tripulações”, admite Garcia.
As inspeções raramente se sobrepõem a outras prioridades portuárias, como a segurança das embarcações. Em países como a Espanha, as autoridades carecem de recursos. Outros, como a Itália, não ratificaram a convenção da OMI.
“Não podemos intervir diretamente com indivíduos, porque isso entraria em conflito com as atividades econômicas”, aponta Castriota. “Até que a convenção da OMI seja ratificada, estamos de mãos atadas.”
Ciência cidadã: uma aliada contra a maré
Uma vez que uma determinada espécie se instala em um local, retardar sua propagação se torna crucial. “Sabemos que as algas podem prosperar em uma área muito maior do que a que ocupam atualmente. Precisamos impedir que cheguem até lá”, enfatiza Altamirano.
Controles mais rigorosos da água de lastro e a cooperação com pescadores e proprietários de barcos recreativos são fundamentais, já que redes e cascos costumam transportar as algas para mais longe. Mas a participação da sociedade civil também é importante.
Foi uma plataforma de ciência cidadã que primeiro sinalizou a chegada das algas asiáticas a Múrcia, no sudeste da Espanha. Na Catalunha, que também é afetada, a equipe de Garcia colabora com mais de 5 mil voluntários. Eles enviam fotos de espécies invasoras suspeitas para a plataforma Observadores del Mar. “Nós, cientistas, trabalhamos em nossos laboratórios, mas há áreas enormes do mar que não conseguimos cobrir”, diz Garcia.
Mas prevenir futuras invasões exigirá mais do que jornadas a vela durante a madrugada e experimentos de laboratório durante o dia.
Segundo Altamirano, isso requer coordenação internacional, diálogo entre a ciência, formuladores de políticas e setores afetados, além da participação ativa dos cidadãos.
“Rugulopteryx okamurae é apenas uma entre muitas espécies invasoras”, acrescenta. “Precisamos ter o maquinário funcionando bem para lidar com as próximas que certamente virão.”
A reportagem desta história foi apoiada pelo Journalismfund Europe.