13/10/2025 - 11:32
Profissionais que atuam na previsão do tempo na TV estão entre os mais visados por negacionistas climáticos.O meteorologista americano Chris Gloninger abriu seus emails numa manhã e encontrou uma mensagem de um telespectador pedindo seu endereço residencial, dizendo que queria lhe dar um presente que ele não esqueceria.
“Meu coração disparou e me senti paralisado”, lembra Gloninger, que na época apresentava a previsão do tempo numa emissora de TV em Des Moines, no estado americano de Iowa.
O email fazia referência ao caso de um homem que havia sido preso por tentativa de assassinato de um juiz da Suprema Corte, indicando que se tratava de uma ameaça de morte.
Para Gloninger foi a gota d’água numa série de assédios que ele vinha recebendo desde que assumira o cargo de meteorologista-chefe da emissora. Ele chamou a polícia e se mudou para um hotel com sua esposa.
Associados à comunicação sobre a mudança climática, apresentadores de TV passaram a sofrer com o aumento da desinformação e das teorias da conspiração que alimentam o ódio online. Gloninger, por exemplo, incluía com frequência a discussão sobre mudanças climáticas em seu trabalho na televisão.
Depois de assumir o cargo em Des Moines, ele adaptou a cobertura televisiva para a opinião dominante no estado, que é mais cética em relação à mudança climática. Iowa tem se consolidado como reduto conservador.
Gloninger tentou relacionar o tema a experiências cotidianas, como o impacto da seca na agricultura da região. Foi então que os e-mails começaram a chegar – primeiro, com críticas comuns, depois, com ameaças mais agressivas.
Ele percebeu que os telespectadores estavam politizando a ciência. “Eles diziam: estamos cansados dessa agenda de esquerda”, disse Gloninger. “Isso nunca deveria ser uma questão política, pois é uma ciência corroborada por 99% da comunidade acadêmica.”
Uma longa história de desinformação
Hoje, a desinformação sobre o clima está disseminada pelo ambiente online. Isso apesar do consenso científico de que as mudanças climáticas causam eventos extremos, que se intensificam à medida que as temperaturas globais sobem.
As raízes do problema remontam ao meio do século passado. Apesar de grandes empresas de combustíveis fósseis terem entendido a ligação entre a queima de carvão, petróleo e gás e o aquecimento global já na década de 1960, muitas adotaram uma estratégia ativa de negação e minimização da ciência.
Mas à medida que geleiras derretem, o nível do mar sobe e o clima extremo se intensifica, passa a ser mais difícil manter o negacionismo. Assim, segundo especialistas, a desinformação assumiu a forma de um retardamento – seja lançando dúvidas sobre soluções climáticas, seja promovendo o greenwashing para dar a falsa impressão de preocupação ambiental.
Pesquisas de 2024 mostraram como empresas de combustíveis fósseis e petroquímicas gastaram milhões em publicidade com alegações enganosas sobre seu compromisso com a energia renovável. O setor, na verdade, responde por apenas 1% do total global investido em energia limpa e continua explorando novos campos de petróleo e gás em todo o mundo.
Redes mais complexas
As redes por trás da desinformação climática tornaram-se muito intrincadas, diz a pesquisadora Ece Elbeyi, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
Elas envolvem não apenas aqueles com interesses em retardar ações climáticas por meio do trabalho de lobistas e think tanks, mas também blogs, fazendas de bots russas e influenciadores que amplificam o negacionismo nas redes sociais, onde os algoritmos favorecem mensagens emotivas.
Políticos, especialmente aqueles com plataformas nacionalistas ou conservadoras, exploram a desinformação para mobilizar sua base, diz Elbeyi. “Eles podem não negar explicitamente a mudança climática, mas enquadram as soluções climáticas, como acordos internacionais ou regulamentações de carbono, como ameaças à soberania nacional ou à liberdade econômica.”
Mobilizar-se contra a ação climática tornou-se uma questão de identidade e, portanto, mais difícil de ser contestada, explica Elbeyi. A identidade política, acrescentou, é uma das razões pelas quais alguém pode compartilhar desinformação ou enviar mensagens raivosas para pessoas como Gloninger.
Terreno fértil para teorias da conspiração
Às vezes, a desinformação pode enveredar por teorias da conspiração, que podem ser particularmente atraentes para pessoas com altos níveis de paranoia, insegurança ou egocentrismo, explica o professor de psicologia Daniel Jolley, da Universidade de Nottingham.
Jolley diz que as conspirações muitas vezes fazem as pessoas se sentirem mais valorizadas ou reconfortadas ao pintarem um outro grupo como “maligno” e que elas são mais comuns após desastres.
Após enchentes repentinas atingirem o estado americano do Texas, por exemplo, teorias conspiratórias explodiram nas redes sociais, acusando cientistas e agências governamentais de causarem o desastre manipulando o clima por meio de técnicas para provocar chuva artificial.
“As pessoas estão tentando explicar questões amplas, que fazem elas se sentirem inseguras, ansiosas e em perigo”, diz Jolley. Ele avalia que a desinformação deve crescer à medida que as alterações do clima se tornarem mais evidentes.
Meteorologistas estão entre os profissionais mais expostos quando se trata da ciência climática e, portanto, muitas vezes acabam sendo os principais alvos dos ataques, diz Jolley.
O que pode ser feito?
Tanto Jolley quanto Elbeyi veem a educação como fundamental para as pessoas aprenderem a identificar desinformação.
Elbeyi diz que grupos vulneráveis devem ser envolvidos nos debates, pois notícias falsas tendem a prosperar quando essas pessoas se sentem excluídas das decisões. “Essa exclusão pode corroer diretamente a confiança pública em cientistas e na ciência em geral”, argumenta.
Quando se trata de teorias da conspiração, construir confiança e ser empático com os motivos pelos quais as pessoas acreditam nelas é uma tática melhor do que simplesmente desmenti-las, explica Jolley. Ele afirma que também é necessário oferecer apoio àqueles que, como Gloninger, estão na linha de frente.
No caso do meteorologista, a polícia prendeu o autor da ameaça e o multou em 150 dólares (R$ 828). Após as ameaças de morte, Gloninger procurou terapia e foi diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático. Ele não conseguia dormir e teve problemas de saúde.
Em sua emissora, Gloninger foi instruído a não mais mencionar as mudanças climáticas após a direção receber uma enxurrada de emails criticando sua abordagem.
Ele optou por deixar o emprego, mas sentiu que teve algum impacto ao levar a conscientização sobre o clima a um público novo e conservador.
Gloninger diz que seria um erro se comunicadores climáticos e apresentadores do tempo recuassem por causa do ódio online. “Acho que há menos cobertura sobre mudança climática por medo de retaliação”, diz Gloninger, que mantém uma página no Instagram sobre o tema. “Eu encorajo os meteorologistas a redobrarem seus esforços.”