Enquanto o cessar-fogo entre Israel e o Hamas ainda dá sinais de fragilidade, conteúdos marcados por desinformação, fake news e racismo contra os palestinos são difundidos na internet e redes sociais.Enquanto o cessar-fogo entre Israel e o Hamas ainda dá sinais de fragilidade, conteúdos marcados por desinformação, fake news e racismo contra os palestinos inundam a internet e as redes sociais. Essas perigosas narrativas estão viralizando – e a DW mostra, o porquê disso e qual o perigo delas.

As fake news contra os palestinos estão sendo usadas para “justificar os crimes que vêm sendo cometidos”, diz à DW Jalal Abukhater, diretor do 7amleh, uma ONG árabe que aborda a cobertura da causa palestina nas redes sociais.

Desde o ataque terrorista do grupo Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023, o exército israelense matou, segundo autoridades de saúde de Gaza, ao menos 68 mil palestinos. A Associação Internacional de Pesquisadores sobre Genocídio e especialistas da ONU vêm classificando a ação de Israel como genocídio, o que é refutado por autoridades israelenses.

Causas históricas

Assim como com outras formas de discriminação, há distintas definições do racismo contra palestinos. De acordo com o Instituto para a Compressão do Racismo contra Palestinos (IAUPR, na sigla em inglês), o conceito é descrito como “uma forma de racismo contra árabes, que silencia, exclui, apaga, estereotipa, difama ou desumaniza os palestinos ou suas narrativas”.

O racismo contra palestinos aumentou consideravelmente desde 7 de outubro de 2023 – o que não significa que seja novo, segundo especialistas. “Esse preconceito tem suas raízes em discursos coloniais e orientalistas”, esclarece à DW Asmaa El Idrissi, advogada e docente da Universidade de Bochum, na Alemanha.

“Quando analisamos a literatura de cem anos atrás, encontramos exatamente os mesmos estereótipos sobre os palestinos que voltam agora à tona, com árabes ou muçulmanos descritos como irracionais ou atrasados”, diz ela.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, árabes e muçulmanos passaram a ser cada vez mais apresentados como “perigosos” ou “terroristas”, acrescenta El Idrissi. Esses estereótipos continuam influenciando a percepção pública e a política.

Mas, para compreender o racismo contra palestinos, é preciso, de acordo com os especialistas, entender o conceito da Nakba.

Um dos principais contextos históricos para a compreensão do sentimento antipalestino é, para a jurista Asmaa El Idrissi, a negação do Nakba. Em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel foi proclamado no território do então território da Palestina, então sob o mandato do Império Britânico. Nakba significa, em árabe, “catástrofe” e se refere à expulsão em massa e para a expropriação dos palestinos durante a guerra árabe-israelense de 1948.

Segundo dados da Agência Central de Estatística da Palestina, durante o Nakba, mais de 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas e ao menos 15 mil, mortos. No entanto, a Nakba é constantemente silenciada ou apagada. Um exemplo: no fim de 2020, Tzipi Hotovely, embaixadora israelense no Reino Unido, declarou, em um discurso, que o Nakba é uma “grande e popular mentira árabe”.

De acordo com El Idrissi, a negação da Nakba é a “narrativa principal para a deslegitimação de qualquer demanda por uma vida livre e igualitária”.

A jurista ressalta que o combate a desinformação, fake news e racismo contra palestinos requer educação e consciência histórica. “Como é a história da Palestina? Como é história da Alemanha? E quais obrigações jurídicas e morais a história alemã impõe a esse conflito?”

Palestinos não são o Hamas

Uma das representações mais incorretas da atualidade é a de que palestinos e o Hamas são a mesma coisa. Segundo um estudo do Accord Center, de agosto de 2025, 62% dos israelenses concordam com a afirmação de que “em Gaza não há inocentes”.

Essa equiparação de palestinos com o Hamas é usada indevidamente para justificar punições coletivas que violam o direito internacional, afirma El Idriss.

O Hamas é um partido político com um braço militar e é classificado como uma organização terrorista pela União Europeia (EU), Alemanha e outros países. Nas últimas eleições regionais de 2006, o Hamas foi eleito em Gaza, mas sem conquistar a maioria dos votos. Desde então, não foram realizadas novas eleições devido às divisões políticas não resolvidas entre o Hamas e o seu rival Fatah, o partido político que controla a Autoridade Palestina na Cisjordânia. Ocupação e bloqueios contínuos de Israel também dificultam um novo pleito.

“Estamos diante de uma punição coletiva que é praticamente insustentável do ponto de vista do direito internacional”, ressalta El Idrissi.

Segundo especialistas, isso faz com que, muitas vezes, se dê pouca atenção às vítimas civis em Gaza. Abukhater dá um exemplo: quando um carro ou uma tenda são bombardeados ou atacados em Gaza, “alguém diz que talvez houvesse um membro do Hamas no veículo em que cinco crianças foram mortas. E isso seria suficiente para dizer: ‘Vamos para a próxima notícia'”.

Aliança perigosa

A postura discriminatória em relação aos palestinos também é alimentada pela cobertura racista da imprensa. O pesquisador palestino Hanan Sahmoud destaca que os veículos europeus retratam constantemente os palestinos como “selvagens”. Por consequência, o grande público tende a adotar visões racistas e desumanizantes. Muitas vezes, perfis em redes sociais, por exemplo, costumam se referir aos palestinos como “ratos” – e há exemplos de que as autoridades israelenses façam o mesmo.

Em 9 de outubro de 2023, dois dias após o ataque terrorista do Hamas a Israel, Yoav Gallant, então ministro da Defesa israelense, ordenou cerco total à Faixa de Gaza. “Não haverá eletricidade, alimentos, combustível, tudo estará fechado. Estamos lutando contra animais humanos e agindo de acordo”, disse ele.

Especialistas concordam que esse tipo de desumanização diminui a empatia pelos palestinos. “Tudo isso leva ao chamado ‘empathy gap‘ (em português, lacuna de simpatia) e, por sua vez, justifica a desigualdade no tratamento desses cidadãos.”

Essa desigualdade foi ainda mais acentuada pela desinformação deliberada sobre a fome em Gaza em 2025. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que não havia fome no território. Além disso, ele alegou que as crianças nas fotos pareciam desnutridas apenas devido a doenças pré-existentes e não porque Israel bloqueava a ajuda humanitária e os alimentos destinados a Gaza.

“Informações” inventadas e justificativas “morais” que apresentam uma guerra como justa e necessária não são novidade. Há cada vez mais evidências de que falta de informação e fake news são fatores importantes para promover violência e conflitos em todo o planeta. No caso da guerra em Gaza, a propaganda e a desumanização dos palestinos caminham de mãos dadas. De acordo com a Associação de Advogados Árabes do Canadá, essa desumanização é um fenômeno típico do racismo contra palestinos.

A primeira definição desse do racismo contra palestinos foi publicada por essa entidade em 2022. Já o racismo, por si, é a crença de que “algumas ‘raças’ são naturalmente superiores a outras”, como definido por cientistas, enciclopédias (como a Enciclopédia do Holocausto) e organizações como o Centro Anne Frank.

Essa dinâmica também pode ser observada na Alemanha. Muitos meios de comunicação retratam os palestinos e as pessoas que demonstram solidariedade com eles como perigosos, diz El Idrissi. “Os palestinos são equivocadamente retratados como violentos, antissemitas e antidemocráticos”. E acrescenta: “É uma suposição muito racista dizer que todos aqueles que defendem os direitos dos palestinos são ‘pró-terroristas'”. Segundo ela, essas suposições também se refletem na violência policial contra manifestantes pró-palestinos e na cobertura jornalística desses incidentes. “Estamos alarmados com o padrão contínuo de violência policial e a opressão explícita das ações de solidariedade à Palestina pela Alemanha”, declararam especialistas da ONU em um comunicado à imprensa em 16 de outubro.

Nos últimos anos, manifestantes que demonstraram solidariedade com os palestinos foram vítimas de violência policial na Alemanha. Houve até mesmo feridos. Em 15 de maio, durante as comemorações do Dia da Nakba, a imprensa alemã divulgou que um policial havia sido gravemente ferido por manifestantes. No entanto, investigações posteriores revelaram o contrário: os manifestantes que foram vítimas de violência policial.

Veículos tendenciosos

De modo geral, a cobertura da imprensa sobre Israel e os palestinos é problemática: muitas vezes, a mídia reproduz principalmente declarações do exército e do governo israelenses e as trata como fatos, sem verificá-las, citá-las ou analisá-las criticamente de forma adequada.

Uma análise de quase 4.853 manchetes da imprensa alemã entre 7 de outubro de 2023 e 19 de janeiro de 2025 mostra que muitos dos principais meios de comunicação do país se baseiam principalmente ou exclusivamente em fontes oficiais israelenses em sua cobertura do Oriente Médio.

Um exemplo: em agosto, Israel matou o jornalista Anas Al-Sharif, de 28 anos, e com ele quatro colegas que também trabalhavam para a Al Jazeera em Gaza. O exército israelense alegou que Al-Sharif liderava uma célula do Hamas. Vários meios de comunicação alemães, incluindo o jornal sensacionalista Bild, repetiram essa alegação.

Em resposta ao seu assassinato, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) divulgou uma declaração da sua diretora regional, Sara Qudah: “o padrão de Israel de retratar jornalistas como militantes, sem apresentar provas confiáveis, levanta sérias questões sobre suas intenções e seu respeito pela liberdade de imprensa. Jornalistas são civis e nunca devem ser alvo de ataques direcionados”.

Redes sociais

As redes sociais também desempenham um papel importante na disseminação de conteúdos contrários aos palestinos. As fake news apelam às emoções, e os algoritmos muitas vezes promovem conteúdos de direita e extremistas. “Sabemos que conteúdos de extrema direita ou extremistas são impulsionados pelo algoritmo”, afirma El Idrissi.

Além disso, as plataformas de redes sociais disseminam também propaganda paga. Uma pesquisa realizada pela equipe de verificação de fatos da DW e membros da European News Spotlight em setembro revelou que o Estado de Israel gastou pelo menos 42 milhões de euros (cerca de US$ 49 milhões) em propaganda antipalestina.

Em 22 de agosto, no mesmo dia em que a iniciativa internacionalmente reconhecida Integrated Food Security Classification (IPC) declarou a fome em partes de Gaza, Israel lançou uma nova campanha publicitária. O objetivo era negar a fome em Gaza.

Além disso, a Meta, bigtech que contra Facebook e Instagram, reduziu os programas de checagem de fatos de terceiros em muitos países. Pesquisas da 7amleh mostram que o sistema de publicidade da Meta aprovou e lucrou financeiramente com conteúdos violentos e inflamados nos anos de 2023 e 2025. Reportagens também divulgaram que Israel investiu pelo menos US$ 6 milhões para treinar o ChatGPT a seu favor.

Logo, o que sociedade pode fazer para combater a propaganda antipalestina e o racismo? Para o pesquisador Abukhater, é fundamental que as pessoas deem espaço aos palestinos para que eles contem suas próprias histórias. “Em muitos meios de comunicação, fala-se frequentemente sobre os palestinos, mas os próprios palestinos não têm voz”, diz.

Além de uma melhor representação, os meios de comunicação também devem questionar preconceitos pessoais e estruturais. “Deve-se discutir mais sobre o racismo contra os palestinos, reconhecendo-o como um conceito, abordando sua semântica e examinando como ele é geralmente usado para desumanizar e culpar todos os palestinos”, conclui Abukhater.