07/10/2025 - 6:50
Estabelecimentos relatam prejuízos e mudança no consumo de bebidas. Clientes evitam destilados e optam por cerveja enquanto o setor tenta recuperar a confiança.Depois do aumento de casos por intoxicação e até morte por metanol, a rotina dos bares em São Paulo e outras cidades do Brasil mudou por completo neste último fim de semana. Pessoas deixaram de ir aos locais para fazer happy hour ou trocaram os destilados por cerveja e outras bebidas enlatadas.
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (06/09), o Brasil contabiliza 217 notificações de intoxicação por metanol após consumo de bebida alcoólica. O total inclui casos suspeitos, confirmados e óbitos. Até agora, 17 foram confirmados e 200 continuam em investigação.
O estado de São Paulo reúne a maior parte dos registros, representando cerca de 82,49% das notificações no país. Desses,15 foram confirmados e 164 seguem sob análise. Além de São Paulo, o Paraná registra dois casos confirmados e quatro em investigação.
Diante da insegurança dos consumidores, mesas ficaram vazias e donos de bares e restaurantes, principalmente de sexta a domingo, tiveram prejuízo. Na capital paulista, segundo Paulo Solmucci, presidente executivo da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel), os estabelecimentos tiveram uma queda de aproximadamente 25% do público nesta última semana.
Solmucci destaca ainda que, desde o surgimento dos primeiros casos, o prejuízo foi observado em bares e restaurantes de classe média alta. Contudo, mesmo diante do ocorrido, ele afirma que as pessoas continuam frequentando os estabelecimentos e tomando precauções, como a substituição de um tipo de bebida por outra.
Bar vazio e 10% de faturamento
Devido ao receio por parte de alguns clientes, proprietários de estabelecimentos sentiram na pele a queda do faturamento e a pouca procura por bebidas destiladas. Foi o caso do bar Cama de Gato, localizado na Vila Buarque, no centro de São Paulo.
Focado em cocktails, o espaço teve uma diminuição drástica do público neste fim de semana e ficou vazio na última sexta-feira, dia em que a casa costuma receber de 100 a 150 clientes. “As pessoas realmente estão muito sensibilizadas com o que está acontecendo e isso reflete imediatamente no faturamento. Temos um faturamento de zero reais, assim, assustador”, lamenta André Bandim, dono do bar.
Já no sábado, ele teve 10% do faturamento, comparado a outros finais de semana. “Falei com vários amigos do setor, e bares que têm movimento super alto faturaram 300 reais, por exemplo, que é um valor irrisório diante do que faturavam antes”, diz.
Para tranquilizar os clientes, ele começou a disponibilizar todos os certificados de fiscalização das distribuidoras do bar, que, segundo ele, são inspecionados pela Vigilância Sanitária. Ele fez ainda comunicados e posts informativos nas redes sociais. “Compramos desde a abertura, há sete anos, dos mesmos fornecedores homologados. Nunca houve um problema sequer. Esses fornecedores explicam em cartas e certificados que já passaram por fiscalização e nada de irregular foi encontrado”, reforça.
Como alternativa para os consumidores que ainda se sentem inseguros, Bandim conta que começou a fazer mais drinques sem álcool. “Já tínhamos opções sem álcool e estamos ampliando, mas dificilmente vai surtir algum efeito a curto prazo”, destaca. Ele teme ter mais prejuízos e diz que a situação se assemelhe à época da pandemia.
Assim como Bandim, o dono do bar Armazém Garnizé, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, afirma que houve uma diminuição do público neste fim de semana. “Com certeza teve uma queda visível. Provavelmente porque são consumidores que têm um relacionamento mais efêmero com o bar. Os clientes de meio de semana são consumidores mais fiéis, que têm confiança, que conversam com a gente sobre isso, pedem informação e acabam mantendo essa frequência mesmo com esse problema do metanol”, conta Caetano Barreira.
Ele observou também uma queda nos pedidos dos drinques que são feitos com destilados. “A venda de destilados caiu 84%. Uma das distribuidoras de bebidas que nos atende interrompeu a venda de destilados temporariamente”, complementa.
Para dar confiança aos frequentadores, o proprietário afirma que também está disponibilizando notas fiscais das “bebidas quentes”, além de deixar esclarecimentos na página do bar pelo Instagram. Mesmo com a baixa procura por parte dos clientes, ele ainda não consegue mensurar o prejuízo e impacto financeiro, pois é preciso analisar o comportamento de consumo ao longo do mês.
O bar Das, localizado na Vila Buarque, também sentiu os efeitos da preocupação dos consumidores com o metanol. A proprietária, Nina Veloso, conta que, embora o fluxo de clientes tenha oscilado, a principal mudança foi no consumo. “Percebemos uma grande queda nos coquetéis com álcool e um aumento expressivo nos pedidos de cervejas, vinhos e drinques sem álcool”, afirma.
Para tentar manter a confiança de quem frequenta a casa, Veloso, que administra o espaço há sete anos, reforça a transparência dos serviços nas redes sociais e a segurança dos produtos vendidos. Apesar disso, o impacto financeiro já é sentido. “O faturamento caiu em torno de dois terços em relação à semana anterior. Se continuar assim, vai ser difícil manter a saúde financeira do bar”, avalia.
A medida de disponibilizar notas fiscais não se limitou a estes bares. Muitos estabelecimentos localizados em bairros como Pinheiros ou Vila Madalena, conhecidos por serem boêmios, também disponibilizam a documentação das bebidas aos clientes, quando solicitado. Em alguns lugares, o papel ficava aparente nas mesas.
Clientes mudaram os hábitos
Não foram só os donos dos bares e restaurantes que perceberam mudanças no consumo de bebidas alcoólicas neste último fim de semana. O coordenador comercial Guilherme Morandi comemorou o aniversário dos sogros em um bar na zona oeste de São Paulo no último sábado e optou pela cerveja. Já o marido, que sempre consome drinques à base de gim, mudou o hábito e disse que preferiu não arriscar.
“O bar estava cheio, mas só vi uma caipirinha passando no bar inteiro. As pessoas consumiam mais chope e cerveja. Inclusive, os garçons estavam fomentando o consumo dessas bebidas”, conta.
O casal seguiu para uma festa na mesma noite, e no local a impressão foi diferente. “Era uma balada grande, com ativações de marcas conhecidas. Lá, percebi que as pessoas estavam menos preocupadas. Meu marido, por exemplo, bebeu só Aperol porque havia uma Kombi do Aperol oferecendo a bebida. Também vi ativações de outras marcas, como Jack Daniel’s”, relata.
Para Morandi, o fato de as bebidas estarem sendo servidas diretamente pelas marcas, e não por distribuidores, deu uma sensação maior de segurança para os clientes.
O paulista Alex Pierangelli visitou um bar na vila Leopoldina neste sábado e também preferiu beber somente cerveja. “Quando escolho destilados, prefiro caipirinha com cachaça simples, porque sempre tive receio de falsificação. Trabalhei por muitos anos com reciclagem de garrafas de vidro e sei dos riscos envolvidos”, afirma.
A desconfiança não se instalou somente em bares e restaurantes da capital paulista. A gerente de produto Débora Sousa viajou à Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, e percebeu que os clientes evitavam caipirinhas à base de vodka. “Pediam somente com velho barreiro ou ficavam na cerveja”, diz.
Como bares e consumidores podem se precaver
Especialistas orientam bares, restaurantes e consumidores a adotar cuidados para reduzir riscos de falsificação de bebidas. Segundo o presidente executivo da Abrasel, há cursos disponíveis para donos de estabelecimentos, que ensinam a identificar sinais de adulteração. Entre as recomendações estão buscar fornecedores confiáveis, comprar sempre com nota fiscal e desconfiar de preços muito abaixo do mercado, que podem indicar produtos irregulares.
A inspeção visual também é apontada como ferramenta importante. Rótulos de fabricantes maiores geralmente têm detalhes sofisticados, selos da Receita Federal e alta padronização da bebida. “A bebida destilada de fábrica é homogênea, com a mesma coloração em toda a garrafa. Diferenças no tom ou no odor podem ser indicativos de falsificação”, explica Solmucci.
No dia a dia, bares podem adotar medidas práticas de controle. O dono do Armazém Garnizé detalha que observar selos de fabricação e importação ajuda a identificar irregularidades. Ele aponta que a verificação de horários de envase e fechamento da caixa deve bater com o selo da garrafa. Divergências podem indicar adulteração, já que falsificadores costumam usar selos únicos ou caixas reutilizadas.
Barreira ressalta que a responsabilidade é compartilhada. “Os bares que tiveram contaminações também são vítimas, mas podem adotar verificações mais rigorosas. É preciso conhecer a procedência da bebida, checar os fornecedores e seguir orientações das associações do setor”, afirma.
Para os consumidores, a recomendação é similar. Optar por estabelecimentos que mantenham controle de qualidade, desconfiar de bebidas com preço muito baixo e estar atento a rótulos e selos.