03/07/2025 - 16:01
Desarticulação de braço da gangue Tren de Aragua dedicado à lavagem de dinheiro revela o refinamento desse tipo de organização criminosa – e o trabalho hercúleo que as autoridades têm pela frente.Ao longo de vários meses, autoridades chilenas se dedicaram a uma grande operação de investigação para desmantelar um braço da gangue de origem venezuelana Tren de Aragua que não se dedicava a crimes violentos.
Pelo contrário, o trabalho desse setor da quadrilha era quase de escritório: eles administravam o dinheiro obtido de forma ilícita e tinham que convertê-lo em criptoativos para lavá-lo e retirá-lo do Chile.
Os números da operação são significativos para o contexto chileno: 52 detidos (47 estrangeiros, 16 deles em situação irregular), 13,5 milhões de dólares em ganhos ilícitos enviados para sete países (entre eles Espanha, Estados Unidos e México) e 250 contas correntes ou criptoativos congelados – no que as autoridades do país consideram um dos maiores golpes já desferidos contra o Tren de Aragua.
A promotora regional de Tarapacá, Trinidad Steinert, disse em declarações à mídia chilena que o dinheiro era obtido por meio de atividades como “tráfico de pessoas, homicídios, sequestros, extorsões, tráfico de imigrantes, tráfico de drogas e multas” cobradas daqueles que entravam no “território” dominado pelos criminosos.
Especialistas consultados pela DW afirmam que, embora tenha sido uma boa operação de investigação, em comparação ao tamanho dessas quadrilhas o número de presos e de recursos apreendidos é apenas uma gota no oceano, e demonstra a elaborada engenharia usada pelas gangues.
O Chile é um dos países menos violentes da América Latina, mas vem registrando um aumento da criminalidade associado à atuação de quadrilhas organizadas como Tren de Aragua, da Venezuela, Los Pulpos, do Peru, e los Espartanos, da Colômbia.
O Tren de Aragua também entrou no alvo do presidente dos EUA, Donald Trump, que invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros para prender supostos membros da gangue e deportá-los para uma prisão de segurança máxima em El Salvador – base legal depois derrubada pela Suprema Corte americana.
Ampla variedade de crimes
“O que estamos vendo é que o Tren de Aragua está clonando a estratégia de lavagem de dinheiro desenvolvida por grupos como o Cartel de Sinaloa ou o Cartel Jalisco-Nueva Generación”, diz à DW o especialista em segurança mexicano David Saucedo.
“Como é fácil supor, na Venezuela não há transações importantes com criptomoedas, mas, ao entrarem em contato com máfias criminosas mexicanas, eles começaram a usar táticas de lavagem de dinheiro como o uso de criptomoedas”, acrescenta.
Elas têm inúmeras vantagens quando se trata de ocultar origens ilícitas: “São difíceis de rastrear, podem ser feitas transações sem deixar rastros, são feitas eletronicamente, não requerem uma transação física nem documentos ou papel-moeda. Também não implicam a posse de lingotes ou outras modalidades que os grupos criminosos utilizaram no passado”, salienta o especialista.
Além das fontes de renda mencionadas pela Promotoria chilena, Ronna Rísquez, jornalista venezuelana autora do livro El Tren de Aragua, menciona que a organização ampliou seu portfólio de crimes para cerca de 20 atividades diferentes.
“Há microtráfico de drogas, sequestros, mineração ilegal”, aponta. E a lavagem é feita por meio de criptomoedas, mas também “utilizam para isso negócios de fachada, como restaurantes”. Além disso, diz, “eles estão envolvidos em apostas online”.
Saucedo lista ainda outras atividades criminosas: “Roubo de veículos de luxo, roubo de combustível de dutos, eles fazem tudo o que for necessário para pagar a folha de pagamento de seus funcionários e também para pagar os subornos às autoridades locais”. Como se pode ver, o funcionamento interno desses grupos evoluiu até operar quase como empresas.
Quadrilhas aprendem e refinam seus negócios
O especialista mexicano destaca que “o Tren de Aragua evoluiu a passos largos – começou como uma máfia enraizada no sistema penitenciário venezuelano a se tornou um cartel internacional que já opera na área de lavagem de dinheiro”. E embora a maioria dos grupos criminosos da região obtenha a maior parte de suas fortunas no tráfico de drogas, eles se abriram para áreas das quais também ganham “lucros suculentos”.
As autoridades políticas e de segurança apostam em cortar as redes de financiamento dos grupos criminosos organizados. Será isso suficiente? Rísquez duvida. “Atacar ou golpear as finanças sempre terá um impacto e afetará a organização, mas isso não significa o fim do grupo. No caso do Tren de Aragua, que tem diversas fontes de renda, esse tipo de ação obviamente os afeta, mas o mais provável é que eles busquem outras formas de continuar movimentando seu dinheiro”.
De qualquer forma, destaca a jornalista, “a soma de 13,5 milhões de dólares não parece muito grande se comparada aos mais de 25 bilhões que os cartéis mexicanos podem movimentar a cada ano”.
“É difícil para mim dizer isso, mas o impacto é marginal”, afirma Saucedo. “Infelizmente, o que é apreendido, os detidos, os carregamentos de drogas interceptados ou o congelamento de contas não têm, na realidade, um impacto significativo sobre os grupos criminosos. Isso serve para o prestígio das autoridades locais, evidentemente, para revelar o modus operandi, alertar outros governos e abrir linhas de investigação, mas a verdade é que, quando as autoridades percebem a lavagem de dinheiro, é porque os criminosos já fazem isso há muito tempo”, afirma.
Além disso, como uma grande empresa, o Tren de Aragua já considera em seus cálculos uma perda assumida por ações da Justiça. “Eles dão como certo que haverá uma porcentagem de apreensão”, observa Saucedo.