06/05/2025 - 10:29
Em 2013, Maricá lançou um experimento de renda básica. Hoje quase metade de sua população recebe o benefício que aumentou a renda familiar e promoveu o comércio local.Em 2013, a cidade de Maricá, a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, aplicou uma medida inovadora: passou a pagar uma renda básica a parte seus moradores. Atualmente, quase metade dos seus cerca de 197 mil habitantes recebe o benefício. E, os resultados desse experimento, que inspirou iniciativas em outras cidades, indicam o aumento na renda dos beneficiários e do consumo.
Em 2010, com 127.461 habitantes, Maricá começava a se organizar para aplicar as milionárias verbas recebidas pela exploração dos royalties de petróleo, que tornariam a cidade a oitava com maior Produtor Interno Bruto (PIB) do Brasil. “Em 2013, com a nova partilha dos royalties, foi possível criar a secretaria de projetos sociais”, conta Adalton Mendonça, que participou do começo da iniciativa, e é o atual subsecretário de economia solidária da cidade.
Segundo Mendonça, a renda básica fazia parte de um conjunto de projetos que eram vistos como “utópicos em razão da falta de orçamento”, mas que se tornaram exequíveis com a chegada das contribuições. Além dela, outro projeto antes utópico era a tarifa zero no transporte público, aplicada desde 2014 na cidade, destaca o subsecretário.
Para o projeto, foi criada a moeda social mumbuca, com cada unidade equivalente a R$ 1. Os benefícios sociais, incluindo a chamada Renda Básica de Cidadania (RBC), são pagos em mumbuca, que pode ser utilizada somente no comércio local.
Em 2013, o programa beneficiava 40 famílias com renda de até um salário mínimo, que receberiam cada uma 70 mumbucas. Os benefícios foram sendo ampliados, e, em 2019, o município passou a pagar 130 mumbucas mensais a cada indivíduo, em uma iniciativa que alcançou 42 mil pessoas.
Cidade cresceu
Desde então, a cidade passou por uma grande expansão da população. Em 2022, o Censo registrou 197.300 habitantes em Maricá – um avanço de 55% com relação a 2010. O fluxo de habitantes de cidades próximas, como São Gonçalo, visando os benefícios foi importante para explicar o aumento populacional.
Carlos Eduardo da Silva se mudou para Maricá em 2004, devido à violência que assolava o Rio de Janeiro. Atualmente, ele preside a Associação de Moradores e Amigos do Bosque Fundo, e conta que os benefícios foram um grande incentivo para que muitos se mudassem para Maricá.
O morador conta que os benefícios o auxiliaram bastante, principalmente num momento em que esteve desempregado. “Conseguia usar em todo o comércio, ajudou bastante com a alimentação”, conta. Por sua vez, ele diz que, atualmente, os dias de pagamento dos benefícios vêm sobrecarregando o comércio, e que a grande demanda gera um aumento de preços nessa época.
Iniciativa única
O programa chamou a atenção do mundo, já que a iniciativa de larga escala tinha características únicas. Até então, os experimentos não eram incondicionais e permanentes, além de envolverem populações reduzidas. Ao longo dos anos, programas assim foram reproduzidos em países como Finlândia, Reino Unido e Alemanha.
Neste cenário, em conjunto com pesquisadores brasileiros e internacionais, o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fábio Waltenberg realizou um amplo estudo para observar os resultados práticos da iniciativa. Mais de 5 mil beneficiários participaram da pesquisa.
O estudo revelou que a renda familiar dos beneficiários aumentou 9% e o consumo teve um crescimento de 5%. O maior aumento de renda ocorreu em domicílios com menores de idade e naqueles chefiados por mulheres, em comparação com os demais. A pesquisa também observou um impacto positivo nos indicadores de educação e saúde das crianças.
“A iniciativa ajudou muito na inclusão financeira, especialmente para a população sem acesso a crédito, e tradicionalmente fragilizada”, aponta Waltenberg.
Além disso, o professor destaca que, durante a pandemia de covid-19, o cadastro que o munícipio possuía ajudou no pagamento dos benefícios emergenciais. À época, a cidade ampliou de 130 para 300 mumbucas o valor mensal pago. “Foi muito mais simples fazer um programa de transferência. Um cadastro geral como o de Maricá poderia ter ajudado em desastres, como no caso do Rio Grande do Sul”, afirma, se referindo às enchentes que o estado sofreu em 2024.
Atualmente, a iniciativa chega a 92 mil beneficiários, que recebem 230 mumbucas mensais. A faixa de renda familiar para ter acesso ao programa passou de um salário mínimo para três. O programa é custeado pelos royalties do petróleo, com um valor mensal de R$ 18 milhões. Visando o longo prazo e a volatilidade da commodity, o município criou um fundo soberano que soma R$ 2 bilhões para cobrir as iniciativas sociais.
Em 2021, o munícipio vizinho de Niterói passou a adotar a arariboia, uma moeda social no mesmo estilo da mumbuca, destinada ao pagamento de benefícios aos cidadãos locais. “Há uma competição interessante. Niterói fez uma busca ativa por beneficiários, indo atrás e entregando cartões para benefícios, o que foi replicado por Maricá”, conta Waltenberg. Além das duas cidades, ao menos outros oito munícipios fluminenses contam com iniciativas semelhantes.
É replicável?
Mendonça conta que a cidade recebe frequentemente gestores internacionais buscando conhecer melhor a iniciativa. Ao lado de Niterói, Maricá foi escolhida para sediar o congresso mundial de renda básica, que ocorre em agosto deste ano.
Jurgen De Wispelaere, membro do comitê executivo da Basic Income Earth Network (BIEN), avalia que os resultados da cidade são importantes, mas que é necessário entender os contextos locais. Ele observa ainda a experiência como singular e com muito valor para os que defendem uma renda básica.
“As pessoas estavam falando sobre a ideia, mas agora temos algo concreto. É uma política sólida, já que tem dez anos”, argumenta. Em sua visão, o fato de se tratar de uma política municipal pode tornar mais fácil que outros governos se vejam influenciados, já que replicar uma experiência como esta em âmbito federal traz mais desafios.
Waltenberg reconhece que outros municípios podem não ter a capacidade orçamentária para realizar um movimento nos mesmos moldes, mas acredita que o exemplo possa servir a outros governantes. “Há algumas alternativas. Talvez não replicando o modelo como um todo, mas dinamizando certos comércios locais”, avalia.
As iniciativas de renda básica ganharam um forte apoio global durante a pandemia, mas Wispelaere observa que o tema perdeu grande parte do apelo com o fim da emergência. “Quando a pandemia acabou, houve uma visão de que tudo deveria voltar ao normal. É melhor dar atenção a algo como Maricá do que a iniciativas adotadas em momentos de crise”, aponta.