Penitenciária La Santé é considerada uma das mais seguras da França e foi renovada recentemente, mas está lotada. Apesar disso, ex-presidente cumprirá pena em solitária.Condenado por associação criminosa, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, 70 anos, começou nesta terça-feira (21/10) a cumprir a pena de cinco anos de prisão na penitenciária La Santé, em Paris, onde um tribunal o condenou no dia 25 de setembro. Ele é o primeiro ex-mandatário francês e ex-chefe de Estado da União Europeia (UE) a ser preso.

O político conservador foi acusado de aceitar contribuições para a campanha eleitoral da qual saiu vitorioso, em 2007, do antigo ditador líbio Muammar Kadafi, por intermédio do empresário franco-libanês Ziad Takieddine.

O próprio Sarkozy alega inocência e diz que o escândalo tem motivação política.

La Santé é uma prisão histórica no centro da capital francesa que já abrigou o militante de esquerda Carlos, o Chacal, que ficou famoso internacionalmente nos anos 1970 e 1980 por uma série de ataques terroristas, e o líder panamenho Manuel Noriega.

Sarkozy ficará detido na ala de isolamento da prisão – considerada uma das mais seguras da França –, ou seja, cumprirá pena sozinho em uma cela, um pátio e uma sala de atividades, segundo informações divulgadas pelo diretor da administração prisional, Sebastien Cauwel, à rádio RTL.

O ex-assessor de Sarkozy, Claude Gueant, que também foi condenado, cumprirá pena em uma ala especial para “pessoas vulneráveis” – as chamadas “alas VIP”, onde figuras proeminentes da política foram encarceradas no passado.

O Ministério da Justiça francês e a administração de La Santé não informaram onde exatamente Sarkozy ficará detido. O certo, porém, é que a localização da penitenciária facilitará a visita de amigos e familiares.

O ministro da Justiça, Gerald Darmanin, por exemplo, um protegido de Sarkozy que agora controla o sistema prisional, disse na segunda-feira que iria visitar o ex-presidente atrás das grades.

As condições na cadeia

Os detentos da chamada “ala VIP” ficam em celas individuais, e não nas unidades habituais para três pessoas, e são mantidos sozinhos durante as atividades ao ar livre por motivos de segurança, disse o representante do sindicato dos guardas prisionais, Wilfried Fonck, à Reuters.

Além disso, Fonck afirmou que as condições não são melhores do que em outras partes da prisão, onde as celas normalmente têm entre 9 e 12 metros quadrados.

As celas de isolamento, em uma ala separada, têm 9 metros quadrados com coberturas nas janelas projetadas para limitar a comunicação entre os detentos, de acordo com um relatório do Supervisor-Geral de Locais de Privação de Liberdade, publicado em 2020.

A prisão de La Santé foi renovada há pouco tempo e, portanto, tem condições melhores do que muitas outras penitenciárias, de acordo com Julien Fischmeister, da seção francesa do Observatório Internacional de Prisões.

Todas as celas agora têm seus próprios chuveiros e telefones fixos. Sarkozy também pode ter acesso a uma televisão, mas, para isso, deve pagar 14 euros por mês.

Fischmeister disse que Sarkozy teria refeições entregues a ele, e a prisão também permite que os detentos comprem produtos para preparar suas próprias refeições em suas celas.

França busca endurecer regras

Darmanin, o ministro da Justiça, tem liderado uma iniciativa do governo para endurecer as condições para detentos perigosos nas prisões de toda a França.

A polícia afirma que alguns prisioneiros controlam o tráfico de drogas por meio de celulares contrabandeados e até mesmo os utilizam para ordenar assassinatos de rivais. Alguns foram flagrados em vídeos pedindo kebabs e sushis, entregues em suas celas por meio de drones.

No início deste ano, houve uma série de ataques contra prisões em toda a França. As autoridades afirmam que eles foram orquestrados por membros de um grupo do Telegram que se autodenominava Direitos dos Presos Franceses e buscava chamar a atenção da população e das autoridades para as condições enfrentadas pelos detentos.

Sarkozy diz não temer a prisão

No domingo, o ex-presidente francês disse que não tinha medo de ir para a prisão e que planejava usar o tempo para escrever um livro.

Ainda assim, a prisão pode ser uma experiência perturbadora para um líder linha-dura contra o crime que já se referiu aos jovens rebeldes dos subúrbios como “escória” e ameaçou “limpá-los” com mangueiras de alta pressão.

“Não tenho medo da prisão. Manterei minha cabeça erguida, inclusive diante das portas de La Santé. Lutarei até o fim”, declarou Sarkozy ao jornal La Tribune Dimanche.

O jornal afirmou que Sarkozy já havia preparado sua mala com roupas e as dez fotos de família permitidas para levar.

Sarkozy também disse ao jornal Le Figaro que levaria três livros – o máximo permitido –, incluindo O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, em que o herói foge de uma prisão em uma ilha antes de buscar vingança.

Como muitas prisões na França, La Santé está superlotada. Um levantamento do Ministério da Justiça divulgado em agosto apontou que a prisão, projetada para abrigar 657 presos, tinha 1.243 detentos.

A França figura em terceiro lugar no ranking de países com as prisões mais superlotadas da Europa, atrás somente de Eslovênia e Chipre, de acordo com dados divulgados em 2024 pelo Conselho Europeu.

O julgamento

Ao proferir a sentença, no dia 25 de setembro, a juíza do caso, Nathalie Gavarino, afirmou que Sarkozy, como ministro em exercício e líder partidário na época, “permitiu que seus colaboradores próximos e apoiadores políticos, sobre os quais ele tinha autoridade e que agiam em seu nome”, abordassem as autoridades líbias, por intermédio do empresário Ziad Takieddine, “a fim de obter ou tentar obter apoio financeiro”.

Takieddine, que morreu em Beirute em 23 de setembro, dois dias antes do julgamento, alegou ter repassado ao chefe de gabinete de Sarkozy um total de 5 milhões de euros (cerca de R$ 31 milhões) em dinheiro vivo entre 2006 e 2007.

Ele argumentou que, em troca, Sarkozy deveria ajudar a reabilitar a imagem de Kadafi no exterior, numa época em que poucos queriam negociar com o ditador líbio, amplamente visto como o orquestrador do atentado a bomba contra o voo 103 da Pan Am.

O avião havia decolado de Londres com destino a Nova York e explodiu no ar, caindo na cidade escocesa de Lockerbie em 21 de dezembro de 1988, matando 270 pessoas de 21 nacionalidades diferentes.

Kadafi foi morto por opositores em 2011, em meio à agitação da Primavera Árabe e à intervenção da Otan na Líbia.

A esposa de Sarkozy, Carla Bruni-Sarkozy, é acusada de pressionar testemunhas a permanecerem em silêncio.

Reviravoltas do processo

O caso passou por uma série de reviravoltas quando Takieddine primeiramente retirou a acusação, mas, em seguida, voltou atrás.

Junto com o casal Sarkozy, outros 11 réus também foram acusados. Entre eles estão o ex-chefe de gabinete de Sarkozy, Claude Gueant, o chefe de financiamento de campanha, Eric Woerth, e o ex-ministro Brice Hortefeux. Todos negam as acusações.

A acusação baseia-se no testemunho de vários ex-dignitários líbios, bem como em viagens à Líbia realizadas por Gueant e Hortefeux e em notas pertencentes ao ex-ministro do Petróleo líbio Shukri Ghanem, encontrado morto em Viena em 2012.

Esse é o mais recente de uma série de processos por corrupção contra o ex-presidente francês, que já foi condenado em outras duas oportunidades e destituído da mais alta condecoração do país, a Legião de Honra.

gb/ra (Reuters, AP, ots)