24/09/2024 - 14:00
A maior floresta tropical do mundo vem sendo castigada pelo desmartamento, seca e incêndios em nível recorde. De onde deve vir o dinheiro para financiar a preservação do bioma?Apesar de uma queda de 50% no desmatamento em 2023, a Amazônia continua enfrentando ameaças graves.
Nos últimos meses, a floresta sofreu uma seca devastadora e incêndios em nível recorde que liberaram enormes quantidades de gases causadores do efeito estufa na atmosfera. Os alertas de incêndio estão 79% mais frequentes do que a média desta época do ano.
A Amazônia perdeu uma área equivalente ao tamanho da França ou da Alemanha nas últimas quatro décadas, segundo um relatório divulgado nesta semana. Os pesquisadores notaram um aumento alarmante na perda de florestas para mineração, agricultura ou pecuária.
Os cientistas temem que até a metade do bioma possa chegar ao ponto de inflexão já em 2050 devido aos danos sem precedentes gerados pelas temperaturas extremas, seca extrema, desmatamento e incêndios. Eles alertam que a superação desse patamar poderia intensificar as mudanças no clima global e levar a uma degradação permanente da Amazônia e arrisca transformar a floresta em uma savana.
Quem deve pagar pela proteção da Amazônia?
A floresta não é apenas a fonte de uma biodiversidade imensa. Suas árvores e seu solo armazenam o equivalente a 15 ou 20 anos de emissões de CO2 e ajudam a estabilizar a temperatura da Terra.
Por tudo isso, Jack Hurd, diretor-executivo da Tropical Forest Alliance – ONG que apoia as empresas a removerem de suas cadeias de abastecimento os fornecedores ligados ao desmatamento – entende que a preservação da Amazônia é uma responsabilidade global para que a floresta possa continuar a render “bens e serviços agora e no futuro”.
Apesar de quase dois terços da Amazônia estarem no território brasileiro, a vasta floresta se espalha por oito países incluindo Colômbia, Peru e Bolívia.
O bioma é muito mais valioso vivo e saudável do que desmatado ou destruído, segundo dados do Banco Mundial. A Amazônia brasileira gera por si só valores anuais de 317 bilhões de dólares (R$ 1,730 trilhão), segundo um cálculo com base no valor da floresta para o mundo apenas como armazenadora de carbono.
Isso é bem mais do que o valor estimado de entre 43 e 98 bilhões de dólares da extração dos recursos naturais da floresta, seja madeira, minérios, ou através da agricultura.
Jessica Villanueva, diretora de finanças sustentáveis para as Américas da ONG ambientalista WWF enfatiza a necessidade de haver múltiplos atores envolvidos no financiamento da preservação. “Os esforços devem unir as oito nações amazônicas, incluindo os governos e as instituições financeiras.”
Existe um fundo global de proteção?
O maior fundo global para a proteção do bioma é o Fundo Amazônia, elaborado em 2008 para angariar doações internacionais para a redução do desmatamento e da degradação da floresta.
Até hoje, o Brasil já recebeu mais de 1,4 bilhão de dólares, com a Noruega e a Alemanha sendo os principais doadores, além das contribuições dos Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Japão e da estatal petrolífera Petrobras.
No início de seu terceiro mandato, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reavivou o fundo, que havia sido congelado durante o governo de seu antecessor, Jair Bolsonaro, durante o qual houve um aumento acentuado nas taxas de desflorestamento.
O Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), financia uma variedade de projetos em temas como prevenção aos incêndios florestais, apoio a terras indígenas e áreas de conservação, desenvolvimento sustentável e monitoramento de crimes ambientais. O programa alegar ter ampliado as áreas protegidas com fortalecimento do manejo ambiental em 74 milhões de hectares.
Mas, apesar da importância do Fundo Amazônia, a iniciativa não provê o nível de financiamento necessário para proteger totalmente a região, diz Cristiane Fontes, diretoria executiva no Brasil da ONG de pesquisas globais World Resources Institute (WRI).
De onde vem o dinheiro?
Além do Fundo Amazônia, há ainda dezenas de milhões de dólares que fluem para a região principalmente através de fundações e agências bilaterais, diz Hurd, que também integra o Comitê Executivo do Fórum Econômico Mundial.
Estima-se que 5.81 bilhões de dólares tenham sido destinados à proteção e gerenciamento sustentável por doadores internacionais desde 2012, segundo um estudo recente. Os financiadores incluem agências bilaterais e multilaterais, fundações privadas, ONGs e empresas.
A Alemanha, Noruega e Estados Unidos representaram quase a metade das doações entre 2020 e 2022. As fundações privadas, como o Bezos Earth Fund, enviaram cerca de um quarto do total. Os governo nacionais na região da Amazônia receberam 30% desses recursos, seguidos das ONGs.
Ao mesmo tempo em que não há informações disponíveis sobre os números do financiamento público, a proteção ao bioma advém principalmente do dinheiro público e de doadores multilaterais, afirma Andrea Carneiro, estrategista de conservação da ONG ambiental Rainforest Trust sediada nos EUA.
Carneiro conta que há várias lacunas financeiras, incluindo no que diz respeito à proteção na Bolívia e no Peru, além do gerenciamento de fundos para os territórios indígenas.
Contudo, é difícil obter uma visão geral de quanto dinheiro flui para a proteção da Amazônia, observou Hurd. “Vemos uma variedade de estimativas sobre o que de fato ocorre, porque as pessoas contabilizam as coisas de maneiras diversas.”
As noções de proteção variam dependendo se elas tratam da Amazônia como uma terra intacta, degradada ou desmatada para atividades como mineração ou agricultura, diz o especialista. “Não se trata apenas de ‘aqui está uma floresta protegida que temos de isolar e descobrir como gerenciar’, como um parque nacional, seja na Europa ou na América do Norte.”
O que mais precisa ser feito?
Para evitar que a Amazônia atinja o ponto de inflexão, a comunidade global de doadores, os orçamentos públicos e o setor privado precisam urgentemente aumentar seus comprometimentos, diz Villanueva.
Manter 80% da região como áreas de conservação – o que incluiria as terras indígenas – exigiria entre 1,7 e 2.8 bilhões de dólares anualmente, além de entre um e 1,6 bilhão em custos estabelecidos, segundo uma estimativa recente.
Como o financiamento público não conseguirá por si só cobrir a lacuna, os governos precisam trabalhar para implementar regulamentações financeiras e incentivos que encorajem as empresas a se moverem rumo a uma economia do desmatamento zero, diz Villanueva. “É fundamental atrair investidores e construir capacidades para projetos com soluções com base na natureza, de modo a potencializar o capital privado.”
Se faz necessário encontrar meios de honrar o valor das florestas e realizar a transição para um modelo econômico mais sustentável na região, diz Fontes. Um relatório recente do WRI destacou que a transição para uma economia livre de desmatamento que inclua a agricultura de baixa emissão e a restauração da floresta exigiria em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ao ano, acumulando cerca de 533 bilhões de dólares até 2050.
Fontes destaca o potencial do Tropical Forests Forever Facility (TFFF), uma proposta brasileira para a criação de um pote de investimentos para preservar as florestas tropicais em todo o mundo que teria o objetivo de arrecadar 250 bilhões de dólares de países com fundos soberanos de riqueza e investidores privados. “Este é um fundo que poderia realmente apoiar o Brasil e outros países a realizar a transição de uma economia extrativista para outra sustentável.
Paralelamente à TFFF, outra solução de longo prazo para a Amazônia pode ser encontrada no mecanismo de financiamento Jurisdictional Redd+ (JREDD), afirma José Otavio Passos, diretor para a Amazônia da ONG ambiental The Nature Conservancy.
Através do JREDD, empresas ou governos fornecem pagamentos a Estados ou nações para redução do desmatamento em grandes áreas, em troca de créditos de carbono verificados.
No mês passado, o Banco Mundial anunciou um título de reflorestamento da Amazônia de 225 milhões de dólares que associa os retornos financeiros aos investidores à remoção de carbono na atmosfera.
“Há muito que os países ricos podem fazer. Há também muito que o governo brasileiro possa fazer, Há muito que o setor privado pode fazer, e precisamos fazer com mais rapidez, cada um de nós”, afirmou Passos.