18/08/2021 - 9:48
No Afeganistão, fundamentalistas islâmicos retornam ao poder, e nada indica que eles desaparecerão tão cedo. Comunidade internacional se vê diante de um impasse: princípios democráticos ou pragmatismo?O Dia da Independência do Afeganistão transcorre em 19 de agosto. Mas poucos teriam imaginado que nesse feriado nacional os talibãs já teriam se instalado no palácio presidencial – talvez nem eles mesmos.
A chefe de governo alemã, Angela Merkel, comentou o fato como “um desdobramento francamente amargo”. E aqui um questionamento fundamental se coloca: o que fazer quando os terroristas de ontem são os governantes de hoje?
A Alemanha e o Ocidente têm interesses no Afeganistão. Se não, por que Berlim teria se engajado maciçamente no país por 20 anos – do ponto de vista militar, de política de desenvolvimento, humanitário? E esses interesses não se dissolveram no ar com a fuga do presidente Ashraf Ghani.
Sobretudo os interesses na estabilidade dessa região da Ásia Central e em evitar a criação de um celeiro para terroristas islamistas operando em nível internacional. O fato de os atuais dirigentes em Cabul terem alcançado sua posição também através de atentados terroristas não torna a questão mais simples.
O ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, antecipou a presente situação, poucos dias antes da tomada de poder em Cabul: “Caso os talibãs venham a fundar um califado, eles se isolarão no campo internacional, não haverá reconhecimento diplomático para tal Estado, e seria o fim dos programas internacionais de assistência.”
O Afeganistão era o principal receptor da ajuda para o desenvolvimento alemã, que agora está suspensa. Para 2021, estavam previstos 250 milhões de euros, mas nada fora ainda disponibilizado.
Defesa do diálogo com o Talibã
O diálogo com o Talibã não é uma unanimidade. Entre os que concordam com a opção está Markus Kaim, especialista em assuntos afegãos do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP), um think tank influente na política de Berlim.
Numa entrevista publicada pelo jornal Handelsblatt nesta segunda-feira, ele afirmou que mais cedo ou mais tarde vai se aceitar o regime do Talibã. A “reação de desdém” de Maas, “nada de reconhecimento, nada de negociações, nada de reconhecimento” seria “compreensível do ponto de vista humano, mas não é uma estratégia para uma região geopoliticamente importante”. Assim, Kaim é favor de conversações com o grupo islamista.
Também a deputada federal Aydan Özoguz, do Partido Social-Democrata (SPD), tem apelado repetidamente por contatos com o grupo, já que “os talibãs não conseguirão alcançar muita coisa totalmente isolados, eles dependem de verbas e de apoio humanitário”.
“No momento, porém, a situação é totalmente confusa e muito preocupante”, prossegue a integrante da Comissão de Assuntos Externos do Bundestag. “Em princípio, defendemos um diálogo político com o Afeganistão. Para tal, contudo, temos que aguardar se vão se formar estruturas ordenadas, com um governo capaz de dialogar e disposto a isso.”
Sinais de abertura verdadeira?
O tempo urge: o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah) calcula que em 2021 quase a metade dos 40 milhões de habitantes do Afeganistão dependerá de auxílio humanitário – praticamente o dobro do ano anterior.
Em princípio, ajuda humanitária é oferecida independente das circunstâncias políticas, frisa o especialista em segurança Winfried Nachtwei, do Partido Verde. Além disso, “não pode ser do interesse europeu e alemão que a situação humanitária catastrófica do Afeganistão se agrave ainda mais”.
Para ele, a forma de lidar com o novo governo em Cabul depende, acima de tudo de, além do Talibã, outras forças também estarem representadas no governo. A nova liderança se esforça visivelmente para transmitir exatamente essa imagem.
O líder talibã Abdul Ghani Baradar anunciou um “governo islâmico aberto, inclusivo”, sugerindo, assim, que também não talibãs deverão partilhar o poder. O porta-voz Mohammad Naeem abriu as portas para a comunidade internacional, ao declarar que não se pretende governar um país isolado.
Pragmatismo domina
Alguns Estados já aceitaram esse convite. A China, por exemplo, reagiu com rapidez pouco usual à mudança de poder em Cabul: “Nós respeitamos a decisão do povo afegão”, declarou na segunda-feira a porta-voz do Ministério do Exterior em Pequim, Hua Chunying.
Já duas semanas atrás, o ministro do Exterior Wang Yi recebera uma delegação de nove talibãs em Tianjin, perto de Pequim. Os islamistas recompensaram a hospitalidade com a promessa de não interferir em questões internas chinesas, ou seja: não apoiar os extremistas islâmicos da província de Xinjiang, no oeste do país.
Quem se mostra especialmente confiante em relação aos talibãs é a Turquia: o ministro do Exterior Mevlut Cavusoglu avaliou como positivas as declarações dos islamistas depois da tomada de poder: seu país está em diálogo com todas as forças afegãs, assegurou.
Na Europa, o Reino Unido privilegia relações pragmáticas com os novos governantes do país asiático. Segundo o ministro do Exterior, Dominic Raab, é preciso encarar a nova realidade e tentar ter uma influência positiva sobre o novo regime.
O especialista em Afeganistão Nachtwei vê a questão de modo semelhante: é preciso observar os talibãs com olhos muito atentos e diferenciados, para então poder decidir se “há forças pragmáticas que levam em consideração as necessidades da população afegã, ou se são forças linha-dura, que querem simplesmente impor a própria ideologia”.
Os próximos dias serão decisivos. No Afeganistão, onde se verá se o Talibã mantém suas promessas, sobretudo em relação aos direitos humanos e das mulheres. E nas capitais do mundo, onde se disputará se e que tipo de diálogo é possível travar com a nova liderança afegã.