A covid-19 colocou à prova líderes políticos e sistemas de saúde em todo o mundo. Embora os lockdowns (bloqueios) sejam a abordagem comum, alguns países optaram por medidas menos rigorosas.

Como cientistas e especialistas em políticas públicas, passamos anos analisando como os países se preparam e respondem a pandemias. Acreditamos que isso é certo: as escolhas políticas e de comunicação que os líderes nacionais fazem têm um impacto mensurável na eficácia da resposta à pandemia.

Resposta com ciência

Em particular, a Alemanha e a Nova Zelândia lidaram com a crise de maneira eficaz. Ambos os países não abandonaram uma abordagem baseada na ciência e um sistema de mensagens forte e centralizado.

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A Alemanha descobriu seus primeiros casos em 27 de janeiro. Na época, o ministro da Saúde do país considerava a covid-19 uma ameaça baixa. Ainda assim, o Hospital Universitário Charité, em Berlim, começou a desenvolver um teste. Dentro de um mês, novos kits de teste estavam disponíveis – e os laboratórios da Alemanha já estavam estocados.

Em meados de março, o país havia fechado escolas e empresas de varejo. Os testes foram implementados rapidamente e, em cerca de duas semanas, a Alemanha estava processando mais de 100 mil testes por semana. Nesse mesmo período, os Estados Unidos haviam testado aproximadamente 5 mil pessoas e só alcançaram números semelhantes aos da Alemanha várias semanas depois. A chanceler Angela Merkel liderou a resposta coordenada da Alemanha, que incluiu políticas de distanciamento social junto com os testes iniciais e em larga escala.

Nem tudo correu bem. Em muitos casos, os serviços de saúde de nível inferior ainda tinham autonomia; isso levou a um grau de descontinuidade na implementação de políticas nos estados. No entanto, a maioria dos alemães aderiu voluntariamente às políticas estabelecidas pelo governo nacional. Agora a Alemanha está se movendo para levantar restrições.

Eliminação total

A Nova Zelândia, liderada pela primeira-ministra Jacinda Ardern, respondeu com um slogan: “Nós devemos nos esforçar e devemos ir cedo”. Em meados de fevereiro, os viajantes vindos da China foram proibidos de entrar no país.

Em 23 de março – um mês após seu primeiro caso –, a Nova Zelândia se comprometeu com uma estratégia de eliminação total e implementou um lockdown nacional rigoroso, apesar de ter apenas 102 casos de covid-19 e nenhuma morte registrada. As escolas foram fechadas. O mesmo aconteceu com negócios não essenciais. Reuniões sociais foram proibidas. Foi necessário um período de autoisolamento de 14 dias para qualquer pessoa que entrasse no país, com algumas exceções de ilhas do Pacífico.

Com uma população de pouco menos de 5 milhões, a Nova Zelândia já testou mais de 175 mil pessoas potencialmente infectadas – aproximadamente 4% da sua população. Agora está expandindo o programa.

Como a Alemanha, o país enfatizou a ciência, a liderança e mensagens consistentes. A primeira-ministra Ardern constrói a confiança do público através de aparições regulares nas mídias sociais, incluindo postagens voltadas para crianças. Em 9 de maio, o país tinha menos de 1.500 casos confirmados e 20 mortes por covid-19.

Abordagem não intervencionista

O Brasil e a Nicarágua adotaram uma abordagem decididamente diferente. Os líderes de ambos os países adotaram uma política de “não intervenção” – em alguns casos, até desencorajando os cidadãos a seguir as medidas de saúde pública adotadas em outros países.

Em 25 de fevereiro, o Brasil registrou seu primeiro caso. Desde então, até 31 de maio, o país registrou mais de 500 mil casos e 28 mil mortes – o segundo maior surto do mundo, atrás apenas dos EUA e à frente da Rússia.

Ao longo destes meses, o presidente Jair Bolsonaro disse que o vírus não é uma ameaça, chamando-o de “gripezinha”. Ele também incentivou o desafio às medidas de distanciamento social adotadas pelos governadores.

O Brasil tem muitas vantagens sobre seus vizinhos para uma resposta eficaz à pandemia: cobertura universal de saúde, um grande sistema de atendimento primário de base comunitária e experiência em responder à crise de saúde do vírus zika em 2015.

Mas a falta de liderança de Bolsonaro levou alguns a rotulá-lo como a “maior ameaça” à capacidade do país de combater o SARS-CoV-2. Seus ataques contínuos a cientistas, universidades e especialistas, juntamente com a falta de resposta federal organizada, interromperam os esforços para controlar a pandemia. Um estudo do Imperial College de Londres mostrou o Brasil com a maior taxa de transmissão dos 48 países examinados.

Ausência visível

A Nicarágua também não reconheceu os perigos desse vírus. O presidente Daniel Ortega, um líder autoritário que permaneceu no cargo apesar dos prazos e dos protestos populares exigindo sua renúncia, está resistindo às restrições de viagens e incentiva escolas e empresas a permanecer abertas. Ele desencoraja o uso de máscaras, mesmo pelos profissionais de saúde.

Com sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, Ortega sugeriu que os cidadãos frequentassem a igreja e fossem à praia; eles até organizaram uma grande marcha chamada “Amor em Tempos de Covid-19” em 14 de março. O casal governante, no entanto, está visivelmente ausente em muitas dessas atividades, nas quais o distanciamento social é impossível.

Em um país de mais de 6 milhões de habitantes, a Nicarágua registrou 25 casos confirmados e oito mortes por covid-19 em 15 de maio. Mas muitos especialistas suspeitam que o número real de infecções seja muito maior, tanto por causa de testes mínimos – o governo permite apenas 50 testes por dia – e porque muitas mortes por covid-19 são classificadas como “pneumonia”. Desde janeiro de 2020, as mortes por pneumonia na Nicarágua têm aumentado. Mas há pouca transparência do governo nicaraguense, por isso é difícil confirmar os dados.

Lições

A dependência da ciência e das mensagens centralizadas ajuda os países a se moverem mais rapidamente para levantar com segurança as restrições. Mensagens confusas e conflitantes, juntamente com a desconfiança de especialistas científicos, permitem que o vírus se espalhe. Nos EUA, as mensagens são confusas e descentralizadas e adiam para os governos estaduais a maior parte do desenvolvimento de políticas. Essa descentralização levou a ações muito diferentes dos governadores. A Geórgia e o Texas reabriram enquanto os casos continuavam a aumentar; já Washington e Oregon estenderam os bloqueios até o verão.

Uma estratégia coordenada, orientada pela ciência e em nível nacional é vital para uma resposta eficaz. Mas, no momento, o governo federal dos EUA se comunicou mais como o Brasil e a Nicarágua, em vez da Alemanha e da Nova Zelândia. Os exemplos que destacamos aqui são um aviso para todos nós.

 

* Christine Crudo Blackburn é diretora adjunta do Programa de Política de Pandemia e Biossegurança do Instituto Scowcroft de Assuntos Internacionais, Escola Bush de Governo e Serviço Público, Texas A&M University; Leslie Ruyle é cientista associada de pesquisa e diretora assistente do Instituto Scowcroft de Assuntos Internacionais, Escola Bush de Governo e Serviço Público, Texas A&M University (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.