09/08/2024 - 7:08
Há poucos dias, o BC brasileiro ainda planejava aumentar os juros. No entanto, após uma mudança dramática nos mercados globais, a questão parece ter sido retirada da pauta. E isso é bom para a economia brasileira.Na segunda semana de agosto, ocorreu o pior crash do mercado de ações dos últimos anos. No Japão, o mercado de ações registrou sua maior perda desde 1987, enquanto bolsas da Europa e dos Estados Unidos também sofreram perdas enormes.
Somente na segunda-feira, o valor de todas as empresas negociadas nas bolsas de valores de todo o mundo caiu 8,2 trilhões de dólares. Em outras palavras: quase o dobro do produto interno bruto (PIB) da Alemanha foi eliminado no crash.
E o mais surpreendente: o mercado financeiro brasileiro permaneceu comparativamente calmo. Por um breve período, o dólar até se valorizou bastante em relação ao real, e o índice Ibovespa caiu significativamente. No entanto isso se reverteu desde então. Não há sinal de pânico nos mercados financeiros do Brasil.
Cabe a pergunta: o que está acontecendo? Em São Paulo, um ditado corriqueiro é: quando Wall Street está resfriada, o Brasil fica com pneumonia.
Mas as causas dessa nova turbulência dificilmente se aplicam ao Brasil. Pelo contrário: com um pouco de sorte, o país pode até se beneficiar dessa mudança de cenário nos mercados financeiros globais.
IA, a nova bolha dos mercados
A explicação: as perdas no mercado de ações foram desencadeadas pela deterioração da economia nos EUA, que está sob ameaça de recessão e aumento do desemprego. Portanto, é esperado que em breve o Federal Reserve (banco central americano) terá que reduzir significativamente as taxas de juros para, evitar uma estagnação da economia.
Ao mesmo tempo, há preocupação crescente de que ultimamente as bolsas tenham sido muito impulsionadas pelo hype em torno da inteligência artificial. Assim como ocorreu há quase 25 anos, quando a primeira bolha da internet estourou, investidores temem que os efeitos da inteligência artificial estejam sendo superestimados.
Empresas como Google, Meta, Microsoft e Apple aparentemente não tem muito espaço para lucrar substancialmente na fase inicial da nova tecnologia, levando em conta o montante gigantesco que foi investido. A escalada do conflito no Oriente Médio também vem perturbando os mercados devido ao seu impacto para o comércio e o preço do petróleo.
Entretanto, o Brasil não vem sendo afetado diretamente por nada disso.
Atração para investidores
Com uma esperada queda das taxas de juros nos EUA, investidores já estão à procura de novas oportunidades de investimento com taxas mais altas. O Brasil, com sua taxa básica de juros (Selic) de 10,5%, acaba sendo automaticamente o foco de investidores em todo o mundo. Nesse cenário, os investidores retiram seu dinheiro dos EUA, onde a taxa básica de juros é apenas a metade da brasileira, e o investem no país sul-americano, onde vão lucrar mais.
Os cortes esperados nas taxas de juros nos EUA provavelmente também devem poupar o Banco Central do Brasil de prosseguir com um altamente impopular aumento da taxa de juros na próxima reunião do Copom, em meados de setembro.
Esse era o cenário considerado provável anteriormente, já que os indicadores de inflação no Brasil estão subindo novamente. Ela agora está em 4,2%, sendo que o limite é de 4,5%. Mas, agora, um aumento da taxa de juros pode se tornar supérfluo.
Portanto talvez se adie a esperada nova rodada da queda de braços entre o presidente Lula e o chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a política de taxas de juros deste último. De qualquer forma, Campos Neto será substituído por um sucessor indicado pelo governo no fim do ano.
Colocar a casa em ordem
No entanto a economia brasileira só poderá se beneficiar dessa mudança de cenário se a economia global não mergulhar de fato em uma grave crise, e se os EUA não entrarem em recessão. Isso porque a queda nos preços do petróleo, dos minérios e de produtos agrícolas também afetaria exportadores brasileiros.
Portanto, o governo deveria aproveitar agora a janela de oportunidade para colocar sua própria casa em ordem. Afinal, não é à toa que o Brasil tem uma das taxas de juros mais altas do mundo entre os países do G20.
Isso se deve ao alto nível de (nova) dívida pública e, acima de tudo, ao alto déficit orçamentário: o governo cronicamente gasta muito mais do que arrecada. Essa combinação de altas taxas de juros, déficit e dívida crescente enfraquece a posição do Brasil no sistema financeiro global.
Caso ocorra uma grave crise econômica global, o Brasil não escapará mais com uma mera “marolinha”, como ocorreu durante o último crash global, em 2008. Desta vez, o Brasil arrisca estar em uma posição muito mais debilitada.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.