Liderado por Milton Nascimento e Lô Borges, movimento musical surgido em Minas Gerais inspirou nomes como Alex Turner, do Arctic Monkeys, e Björk, além de músicos da Alemanha e até do distante Belarus.As singelas casas de muro baixo, o cheiro do café coado e a silhueta da Serra do Curral no dourado de um fim de tarde são um lugar-comum do tranquilo bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte.

A imagem, que poderia muito bem ficar circunscrita a um mero clichê bairrista, foi muito mais longe do que possivelmente imaginava aquela meia dúzia de garotos que, nos anos 1960, se encontravam no cruzamento das esquinas das ruas Paraisópolis e Divinopólis para bater-papo e tocar violão.

Foi ali, no coração da capital mineira, que surgiu um dos movimentos mais influentes da música brasileira. O chamado Clube da Esquina foi eternizado no disco homônimo de 1972, gravado por Milton Nascimento e seu parceiro de primeira-hora Lô Borges, que morreu no último domingo (02/11), em Belo Horizonte, aos 73 anos, em decorrência de uma intoxicação medicamentosa.

A mescla do cancioneiro brasileiro com toques dos Beatles e harmonia inspirada no rock progressivo inglês entrou de uma vez no rol das obras-primas da música brasileira, além de arrastar, junto de Lô e Milton, toda uma turma de mineiros como Beto Guedes, Toninho Horta, Flávio Venturini e Wagner Tiso para o panteão do MPB.

No entanto, os ventos daquelas tardes sem fim transcenderam as Minas Gerais e o Brasil, chegando à Europa e aos Estados Unidos e aos ouvidos de fãs e de artistas da prateleira de cima do escalão mundial.

O primeiro a romper as fronteiras nacionais foi Milton Nascimento. Em 1969, o artista gravou nos Estados Unidos o álbum Courage, produzido por Eumir Deodato, outro brasileiro já atuante em terras norte-americanas. Já na década seguinte, Milton foi convidado pelo saxofonista Wayne Shorter, que havia participado do lendário quinteto de Miles Davis, para dividir um disco.

O resultado virou Native Dancer (1975), que conta com cinco faixas do fundador do Clube da Esquina e serviu para impulsionar o nome de Milton nos Estados Unidos, tendo sido citado por artistas como Maurice White, do Earth Wind and Fire, e Esperanza Spalding com influências. A jazzista norte-americana, por sinal, lançou, em 2024, com Nascimento, o disco Milton + Esperanza, indicado ao Grammy do mesmo ano.

Mineiros no hemisfério Norte

Mas não foi só no jazz que as intricadas harmonias e melodias do Clube da Esquina encontraram ressonância. Nos anos 1990, a cantora Björk ganhou de presente uma fita cassete com a versão de Elis Regina para Travessia, canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, principal letrista do Clube da Esquina, e se apaixonou pela obra do brasileiro. A cantora islandesa chegou inclusive a gravar a canção, que foi produzida por Deodato, mas nunca a lançou oficialmente.

Já Alex Turner, do Arctic Monkeys, revelou a sua admiração por Lô Borges à revista especializada Mojo, da Inglaterra – em especial pela faixa Aos Barões, do disco Lô Borges (1972). A canção figurou numa lista de músicas que inspiraram o britânico na composição do álbum Tranquility Base Hotel & Casino, de 2018.

Mas os contornos daquela esquina belo-horizontina também aportaram em locais ainda mais surpreendentes, como na distante ex-república soviética de Belarus, país natal do músico Alex Chumak, idealizador do projeto Soyuz. O compositor lembra quando ouviu, pela primeira vez, Cais, segunda faixa de Clube da Esquina.

“Era outono, com aquelas folhas douradas e tudo se encaixou perfeitamente. Fiquei totalmente arrebatado”, lembra ele à DW, que confessa ter ficado dias a fio escutando sem parar à canção. “Depois fui descobrindo as outras músicas e, posteriormente, os outros discos dos integrantes do Clube da Esquina, como Lô Borges e Beto Guedes”, acrescenta o músico, que hoje vive em Varsóvia, na Polônia.

A admiração pela música mineira é evidente no som do Soyuz. Em 2022, o grupo lançou seu terceiro álbum, Force of the Wind (2022), cujo nome é inspirado na canção A Força do Vento, de Lô Borges. Depois, Chumak foi até o Brasil gravar KROK, quarto álbum que acaba de ser lançado pelo selo inglês Mr. Bongo e que conta com a participação de Tim Bernardes.

“Aprendi muito a compor com o Clube da Esquina. São canções em que cada mudança de acordes, cada passagem, tem algo a dizer, um sentimento novo para apresentar. É tudo muito complexo, ao mesmo tempo em que não há nelas o medo de ser pop. Além disso, é uma música universal e atemporal”, descreve o belarusso à DW.

Encontro com Lô

Assim como com a islandesa Björk, foi uma fita-cassete que arrastou o alemão Sebastian Dingler para o meio do Clube da Esquina – e, mais precisamente, Lô Borges. O jornalista e músico, integrante da banda de música brasileira Bossa 68, de Saarbrücken, viveu em Brasília nos anos 1990, quando chegou às suas mãos uma K7 com Trem Azul e Tudo Que Você Podia Ser.

Fã de rock progressivo, Dingler reconheceu imediatamente as similaridades do Clube da Esquina com grupos ingleses que já conhecia, como Yes e King Crimson. “Eu senti na hora aquelas semelhanças. Mas tinha algo a mais ali, uma coisa meio mágica”, diz ele à DW, citando a canção Equatorial, de Lô Borges. “É exatamente como eu me sinto, andando por uma cidade brasileira numa noite de verão.”

Mas foi da maneira inusitada que a paixão pela música de Minas o aproximou de Lô Borges – literalmente. Há alguns anos, Dingler vendeu uma coleção de livros alemães no eBay para um conterrâneo residente em Itabira, também em Minas.

Ambos ficaram amigos e, em uma conversa, o jornalista citou a admiração por Borges. Foi quando o colega itabirano revelou uma inusitada conexão com o músico mineiro, cuja enteada é apadrinhada por Lô.

Em 2023, Dingler resolveu visitar Minas e descobriu que o músico faria um show na capital mineira dali alguns dias. O casal de amigos o convidou e, instantes antes do show, o alemão pôde conhecer Lô Borges no camarim do Palácio das Artes, coincidentemente o mesmo local onde o artista foi velado nesta terça-feira (4/11).

“Contei a história para ele, mas senti que ele era alguém muito tímido, retraído mesmo. Mas ele era um dos meus heróis musicais e entendi um pouco de quem ele era naquele encontro”, conta Dingler, que escreveu sobre o encontro com Lô num artigo para o jornal Saarbrücker Zeitung, com o título: Como o eBay realizou um sonho musical.

O jornalista lamenta que a música de Lô ainda seja pouco conhecida na Alemanha, mas espera ter contribuído para converter ao menos um conterrâneo para o universo do Clube da Esquina. “Tive uma grata surpresa: um leitor do jornal enviou uma mensagem agradecendo pela dica”, conclui.