“A Rússia ajudará o povo ucraniano a se livrar de um regime absolutamente antipopular e anti-histórico”, afirmou o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, numa reunião da Liga Árabe no Cairo em 24 de julho. Moscou tem “pena” do povo ucraniano, que “merece algo muito melhor”, prosseguiu o chanceler, citado pela agência de notícias russa TASS.

Foi uma mudança drástica de postura. Apenas três meses antes, Lavrov havia dito que o objetivo da Rússia era proteger o povo da região do Donbass, e que o Kremlin não pretendia forçar uma mudança de poder em Kiev.

A seguir, a DW resume como as declarações do presidente Vladimir Putin, do ministro Lavrov e de outras autoridades russas sobre os objetivos de Moscou na guerra mudaram nos cinco meses desde o início da invasão da vizinha Ucrânia, em 24 de fevereiro.

Julho – Expansão dos “alvos geográficos”

Em 20 de julho, Serguei Lavrov disse à agência estatal russa RIA Novosti e à emissora RT que Moscou pretende continuar “desnazificando e desmilitarizando a Ucrânia” para que o país não represente um perigo ou ameaça militar para a Rússia.

“Não se trata apenas das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, mas também das regiões de Kherson e Zaporizhia e várias outras áreas”, ressalvou.

O ministro não descartou expandir os “alvos geográficos” na guerra para além das autoproclamadas “repúblicas populares” no leste ucraniano, e disse que não fazia sentido negociar com Kiev “na situação atual”. A declaração desencadeou fortes reações na mídia ucraniana. Suspeitou-se que a Rússia poderia “estar preparando o terreno para a anexação do sul da Ucrânia”.

Maio – “Objetivo não é mudança de regime em Kiev”

Três meses antes de sua declaração no Cairo, Lavrov havia dito que a Rússia não buscava derrubar o atual governo em Kiev, comandado pelo presidente Volodimir Zelenski.

“Não estamos pedindo a ele que se renda. Exigimos que ele dê a ordem de libertar todos os civis e desistir da resistência. Nosso objetivo não é a mudança de regime na Ucrânia. Essa é uma especialidade dos americanos, eles lidam com isso no mundo todo”, afirmou Lavrov à emissora italiana Mediaset em 1º de maio.

Ainda segundo o ministro, o verdadeiro objetivo da Rússia é “garantir a segurança da população no leste da Ucrânia, para que não esteja ameaçada pela militarização e nazificação, e que a segurança da Federação Russa não esteja em perigo a partir do território da Ucrânia”.

Mais tarde, em 31 de maio, em reunião com o secretário-geral da Organização para a Cooperação Islâmica, Hussein Ibrahim Taha, Lavrov expressou a opinião de que “colegas ocidentais” estavam explorando a situação na Ucrânia para impedir o “surgimento de um mundo multipolar”.

Março e abril – Neutralidade da Ucrânia e contenção da Otan

A suposta ameaça do Ocidente contra a Rússia, especialmente pela Otan, foi o tema mais abordado nos discursos dos políticos russos logo após o início da guerra. Segundo eles, a Ucrânia deve ser neutra. Só assim seria possível impedir o país de aderir à Otan.

Vladimir Putin também enfatizou isso numa reunião com representantes de companhias aéreas russas, em 5 de março. À época, ele declarou que, no caso de um conflito entre a Rússia e a Otan, todos estariam “cientes” das consequências.

Pouco antes disso, em 1º de março, menos de uma semana após o início da invasão da Ucrânia, o ministro russo da Defesa, Serguei Choigu, havia afirmado: “O mais importante é proteger a Federação Russa da ameaça militar dos países ocidentais que tentam explorar o povo ucraniano na luta contra nosso país.”

No fim de março, após o fracasso da ofensiva russa contra a capital ucraniana, Kiev, a retórica mudou visivelmente. A suposta “desnazificação e desmilitarização” ficou em segundo plano. Deu-se prioridade ao apoio ao Donbass e à resolução de conflitos através de negociações.

Assim, em 25 de março, o vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Serguei Rudskoy, declarou que o objetivo da “operação especial russa é ajudar o povo das repúblicas populares de Lugansk e Donetsk, que foi submetido a oito anos de genocídio pelo regime de Kiev”.

No mês seguinte, contudo, autoridades russas trouxeram novamente à tona o confronto de Moscou com a Otan e os Estados Unidos. Em 11 de abril, Lavrov disse à emissora estatal Rossiya 24: “Nossa operação militar especial visa pôr fim à expansão imprudente do curso rumo ao domínio completo da arena internacional pelos EUA e pelos demais países ocidentais a eles subordinados.”

Ainda segundo o chefe da diplomacia russa, o Ocidente fez da Ucrânia “uma área de encenação para a supressão final da Rússia”, mas Moscou “nunca aceitará uma posição subordinada”.

Dmitry Medvedev, chefe do Conselho de Segurança russo, também defendeu impedir a adesão da Ucrânia à Otan. Em 29 de junho, disse ao jornal russo Argumenty i Fakty que isso seria mais perigoso para a Rússia do que a adesão da Suécia e da Finlândia à aliança.

Ao mesmo tempo, Medvedev enfatizou que agora a Crimeia é para sempre parte da Rússia: “Qualquer tentativa de invadir a Crimeia será uma declaração de guerra contra nosso país. Se um membro da Otan fizer isso, haverá um conflito contra toda a Aliança do Atlântico Norte, uma terceira guerra mundial, um desastre total”.

Vladimir Putin havia dito o mesmo em março, na reunião com os representantes de companhias aéreas.

24 de fevereiro – “Proteger o povo do Donbass”

Num discurso televisionado em 24 de fevereiro, no qual Putin anunciou a invasão da Ucrânia e a chamou de “operação militar especial”, o presidente deu muito espaço à suposta ameaça à Rússia de uma expansão da Otan para o leste.

No pronunciamento, ele já havia declarado que o objetivo era proteger o “povo que foi submetido à tirania e ao genocídio pelo regime de Kiev durante oito anos”.

“É por isso que estamos comprometidos com a desmilitarização e a desnazificação da Ucrânia. Também levaremos à justiça aqueles que cometeram muitos crimes sangrentos contra civis, incluindo cidadãos da Federação Russa.”

Na ocasião, Vladimir Putin também assegurou que Moscou não estava planejando uma ocupação de territórios ucranianos.