Breve armistício entre Trump e Musk chega ao fim, e presidente dos EUA ameaça usar o órgão que foi comandado pelo bilionário para “devorar Elon”.Elon Musk poderá sentir na própria pele o que acontece quando alguém entra na mira do Departamento de Eficiência Governamental (Doge), uma estrutura subordinada à Casa Branca e voltada ao corte de gastos que era comandada pelo bilionário até o final de maio.

O proprietário da SpaceX, da Tesla e do X, que doou centenas de milhões de dólares para a campanha de Donald Trump e depois foi alçado por ele ao comando do órgão recém-criado, corre o risco de sofrer cortes drásticos em seus próprios lucros, após interromper um breve armistício e retomar a troca de ataques com o presidente americano depois da implosão do “casamento político” entre ambos, no início de junho.

Musk voltou à carga para criticar o projeto de lei de Trump que reduz impostos e corta programas sociais, aprovado pelo Senado na terça-feira – e, ao fazer isso, colocou em risco bilhões de dólares de seus contratos governamentais.

Logo em seguida, o preço das ações da Tesla caiu, e Trump ameaçou voltar o Doge contra seu criador e cogitou deportar Musk para sua terra natal, a África do Sul. “O Doge é o monstro que pode ter que voltar e devorar Elon”, disse Trump a jornalistas ao deixar a Casa Branca para uma visita a um novo centro de detenção de imigrantes na Flórida.

O presidente americano também sugeriu na terça-feira que, se Musk perder seus contratos com o governo, ele “provavelmente teria que fechar as portas e voltar para casa, na África do Sul”, escreveu em um post na sua rede social Truth Social. Questionado por um jornalista se deportaria Musk, fez uma pausa e disse: “Não sei. Teremos que avaliar”.

Musk tornou-se cidadão americano em 2002, segundo sua biografia escrita por Walter Isaacson. Não está claro se Trump tomaria a decisão incomum de iniciar um raro processo de remoção de cidadania, conhecido como desnaturalização.

Em resposta, Musk escreveu no X: “É tão tentador escalar isso. Tão, tão tentador. Mas vou me abster por enquanto.”

Orçamento e subsídios em jogo

As empresas de Musk, especialmente a Tesla e a SpaceX, dependem fortemente de uma série de contratos federais, políticas públicas, subsídios e créditos que proporcionaram receitas de dezenas de bilhões de dólares ao longo dos últimos anos. A Tesla e a SpaceX não responderam a mensagens da agência de notícias AP pedindo comentários sobre as recentes declarações de seu CEO.

Musk afirmou que o projeto de Trump – apelidado pelo presidente de Big Beautiful Bill (projeto grande e bonito, em português) – era um desperdício financeiro para os Estados Unidos, que destruiria empregos e atrapalharia indústrias em expansão.

Na segunda-feira, ele também ameaçou voltar à política e tentar derrotar todos os membros do Congresso que votassem a favor do projeto de lei. “Eles perderão as primárias no ano que vem, nem que seja a última coisa que eu faça nesta Terra”, escreveu Musk, sinalizando disposição para doar milhões de dólares para isso. Em outro post, ele sugeriu que poderia criar um novo partido político.

Em resposta, Trump afirmou que Musk, na verdade, estaria perturbado com a revogação da lei de incentivos fiscais da era Biden para veículos elétricos e tecnologias relacionadas. O empresário negou que esse seja o motivo, mas a revogação pode prejudicar as finanças da Tesla.

Risco alto para Musk

A empresa de foguetes e satélites de Musk, a SpaceX, também está na mira de Trump. “Chega de lançamentos de foguetes, satélites ou produção de carros elétricos, e nosso país economizaria uma FORTUNA”, escreveu Trump em um post. “MUITO DINHEIRO SERIA ECONOMIZADO!!!”

A SpaceX recebeu bilhões de dólares federais para o envio de astronautas ao espaço e outros trabalhos para a Nasa, incluindo um contrato para enviar uma equipe da agência espacial à Lua no próximo ano.

Mas a consequência mais imediata da troca de ataques foi a queda de 5% nas ações da Tesla no início da tarde de terça-feira. O desempenho das ações da Tesla pode ter um impacto desproporcional nos fundos de índice do mercado de ações, nos quais milhões de americanos investiram suas economias para a aposentadoria em planos 401(k).

A fabricante de veículos elétricos é uma das Magnificent Seven, um grupo de empresas que inclui a Apple e a Alphabet, controladora do Google, e que responde por cerca de um terço do valor do índice S&P 500.

Isso ocorre em um momento delicado para sua montadora. A Tesla está há apenas uma semana testando seu serviço de táxi autônomo em Austin, no Texas. Musk precisa que esse teste seja bem-sucedido se quiser cumprir sua promessa aos investidores de que será capaz de oferecer rapidamente o serviço em outras cidades nos próximos meses. Além disso, esse sucesso é importante porque o principal negócio da Tesla, a venda de carros, está indo mal.

Um possível obstáculo: os reguladores federais. A Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA, na sigla em inglês) solicitou informações à Tesla na semana passada, depois que vídeos começaram a circular nas redes sociais mostrando alguns de seus táxis autônomos em Austin dirigindo de forma errática, incluindo um que seguia na contramão.

No mês passado, a NHTSA já havia solicitado dados sobre o desempenho dos táxis autônomos em condições de baixa visibilidade, após uma investigação no ano passado sobre 2,4 milhões de Teslas equipados com software de direção totalmente autônoma após vários acidentes, incluindo um que matou um pedestre.

Irritando gregos e troianos

Musk já reconheceu que boicotes de potenciais consumidores indignados com suas opiniões políticas prejudicaram as vendas, mas atribuiu grande parte da culpa a um fator menos polarizador e temporário: as pessoas estariam tão entusiasmadas com a próxima versão do veículo Model Y da Tesla que teriam adiado as compras por alguns meses.

Mas agora que a nova versão está disponível, as vendas continuam em queda. Os números divulgados na semana passada mostraram que as vendas na Europa caíram em maio 28% em relação ao ano anterior, quinto mês consecutivo de quedas significativas.

A ironia é que a briga de Musk com Trump nas redes sociais ameaça seus negócios com os dois lados do espectro político. Alguns consumidores não compram seus carros por conta da lembrança de sua amizade com Trump e, agora, esse e outros de seus negócios podem ser prejudicados porque essa amizade azedou.

“Em um mundo bizarro, ele alienou os dois lados”, disse Dan Ives, analista financeiro da Wedbush Securities. “Parece impossível, mas ele realmente conseguiu.”

bl/cn (AP, Reuters)