Moscou confirma reforço militar que será enviado por Pyongyang para guerra na Ucrânia. Estima-se que 6 mil norte-coreanos já morreram no conflito. Segundo analistas, os dois lados lucram com a aliança.Uma delegação de militares norte-coreanos de alto escalão partiu para Moscou nesta segunda-feira (30/06), com analistas sugerindo que Pyongyang está se preparando para enviar mais tropas nas próximas semanas para ajudar a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia.

Depois de visitar a Coreia do Norte no mês passado, o chefe do Conselho de Segurança da Rússia e ex-ministro da Defesa, Sergei Shoigu, disse à imprensa russa que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, havia concordado em enviar mais 6 mil engenheiros e trabalhadores militares para a região de Kursk, na fronteira com a Ucrânia, destacando os crescentes laços militares entre Moscou e Pyongyang.

O Serviço Nacional de Inteligência (NIS, na sigla em inglês) da Coreia do Sul confirmou esses números. A agência de espionagem também afirma que a Coreia do Norte já forneceu à Rússia mais de 10 milhões de projéteis de artilharia e mísseis, recebendo em troca cooperação econômica e tecnologia militar.

Acordo mutuamente benéfico

Analistas afirmam que, dados os benefícios que ambos os lados obtiveram com sua aliança, é provável, a longo prazo, que a Coreia do Norte envie mais tropas para lutar ao lado de seus colegas russos.

“Tanto Moscou quanto Pyongyang estão conseguindo o que querem com esse acordo”, ressalta Yakov Zinberg, professor de relações internacionais da Universidade Kokushikan, de Tóquio.

“Sabemos que a Rússia sofreu com centenas de milhares de mortos e feridos e que o governo não quer expandir a mobilização para as grandes cidades, como Moscou e São Petersburgo, porque isso poderia colocar em risco o regime do [presidente russo Vladimir] Putin nessas cidades”, afirma ele à DW.

As autoridades norte-coreanas, por sua vez, tentaram usar as mobilizações de soldados como uma oportunidade para despertar a nação. Em cenas que parecem ter sido encenadas para causar fervor nacional antes do destacamento, a imprensa estatal transmitiu imagens na segunda-feira de Kim colocando uma bandeira norte-coreana sobre um caixão, em uma cerimônia de retorno dos restos mortais de soldados do país mortos nos combates na Europa.

Embora o vídeo mostre apenas seis caixões, os relatórios da inteligência ocidental sugerem que, dos cerca de 11 mil soldados norte-coreanos que se engajaram até agora, cerca de 6 mil foram mortos, feridos ou capturados.

As imagens também mostraram Kim chorando durante um evento cultural conjunto com a Rússia em Pyongyang, no sábado, para marcar o aniversário de um ano da assinatura de um pacto militar bilateral com Putin.

Tropas norte-coreanas “ajudam Putin”

Embora Pyongyang tenha usado o destacamento como ferramenta de propaganda, a presença das tropas norte-coreanas é uma vantagem tanto para as autoridades quanto para os cidadãos russos.

“A maioria dos que foram convocados até agora era das repúblicas remotas, e houve pouca resistência, mas quando converso com russos, eles sempre dizem que temem outra mobilização”, diz Zinberg, que é natural de São Petersburgo.

“Quando o governo anuncia que mais 6 mil soldados norte-coreanos serão enviados para a linha de frente, eles dizem aos cidadãos que eles podem relaxar porque sabem que estão seguros”, acrescenta. “Portanto, enviar norte-coreanos na verdade ajuda o regime de Putin.”

Zinberg também diz que o uso de soldados norte-coreanos é calculado para “espalhar o medo” entre os aliados europeus da Ucrânia, que antes esperavam que a Rússia ficasse sem homens e material mais cedo ou mais tarde, ao passo que ter um aliado com armas nucleares no leste da Ásia também manterá os EUA, a Coreia do Sul e o Japão em alerta.

Ra Jong-yil, ex-diplomata e oficial sênior da inteligência sul-coreana, concorda que o “motivo fundamental” pelo qual a Coreia do Norte concordou em enviar mais tropas é devido às perdas que a Rússia já sofreu nas linhas de frente.

“Parece que algumas dessas tropas também serão usadas como trabalhadores para reconstruir a infraestrutura nas áreas ocupadas, algo em que as tropas norte-coreanas são boas, pois é assim que elas são frequentemente usadas na Coreia do Norte”, afirma.

Ajudar a Rússia garante sobrevivência de Pyongyang?

Avaliações de inteligência indicam que a Rússia retribuiu à Coreia do Norte com combustível, alimentos e acesso a equipamentos militares avançados que antes eram difíceis de serem obtidos por Pyongyang, uma vez que o regime está sob rigorosos embargos e sanções das Nações Unidas, por causa de seu programa de mísseis nucleares.

Outro benefício para Pyongyang é simplesmente o prestígio de ser um aliado importante de uma potência global. Uma aliança que a Coreia do Norte pode muito bem usar a seu favor em suas negociações comerciais e de segurança com a China, que há muito tempo é o parceiro e protetor mais próximo do regime.

“Eles gostam do status que o fato de serem amigos da Rússia proporciona”, sublinha Zinberg. “E prevejo que eles continuarão próximos de Moscou mesmo após o fim da guerra, oferecendo tropas e trabalhadores, porque sabem que isso pode lhes trazer recompensas que ajudam a sustentar o regime e garantir sua continuidade.”