12/09/2024 - 15:19
Grupo extremista tem encorajado seguidores a cometer ataques e a mirar grandes eventos em solo europeu, e o número de jovens acusados de envolvimento com terrorismo vem crescendo no continente.O extremismo islâmico foi apontado como uma possível influência sobre o adolescente austríaco que efetuou disparos próximo ao consulado de Israel em Munique e acabou morto pela polícia na semana passada. No entanto, o jovem de 18 anos Emrah I., natural de uma pequena cidade na região de Salzburgo, mal frequentava a mesquita local, não cultivava uma barba nem usava roupas tradicionais do islã.
A única pista que poderia ter indicado seu comportamento em Munique ocorreu no início de 2023. Ao investigar denúncias sobre uma briga na escola de Emrah I., a polícia austríaca encontrou vídeos de um jogo de computador em seu telefone, cujas cenas ele havia decorado com uma bandeira da Al Qaeda. Mas, depois disso, a polícia não encontrou mais nada e supõe que, nos meses seguintes, o adolescente foi radicalizado por meio da internet.
O caso de Emrah I. não é isolado. Entre março de 2023 e março de 2024, pesquisadores do Instituto de Washington para Política do Oriente Próximo contabilizaram 470 casos legais relevantes relacionados ao grupo extremista “Estado Islâmico” (EI). Adolescentes ou menores de idade estavam envolvidos em pelo menos 30 desses casos, e, segundo o levantamento, “esse número pode ser significativamente maior, dado que muitas nações não divulgam a idade dos presos”.
Outra pesquisa, liderada por Peter Neumann, professor de estudos de segurança no King’s College, em Londres, analisou 27 casos recentes relacionados ao EI e descobriu que quase dois terços das prisões relacionadas ao grupo na Europa foram de adolescentes.
Na semana passada, um adolescente de 14 anos foi preso no Uruguai após se identificar online como um terrorista “lobo solitário”, e um menino de 11 anos foi detido na Suíça na última sexta-feira por espalhar mensagens extremistas nas redes sociais.
Adolescentes ocidentais na mira?
Embora tenha sido derrotado militarmente numa operação conjunta entre forças dos EUA e do Iraque que mirou líderes do grupo em 2017, o “Estado Islâmico” ainda existe. Ele atua em países africanos e tem um braço baseado no Afeganistão conhecido como “Estado Islâmico Khorasan” (EI-K), que, segundo observadores, tem se concentrado cada vez mais na comunicação externa.
Desde janeiro deste ano, o EI-K tem encorajado seguidores a cometer ataques do tipo “lobos solitário” na Europa e a mirar grandes eventos como os Jogos Olímpicos, shows e partidas de futebol.
No entanto, especialistas não acreditam que essas mensagens sejam destinadas explicitamente a adolescentes europeus. Eles consideram que o número crescente de adolescentes por trás de atentados está mais relacionado à forma como as redes sociais e plataformas de mensagens permitem que esses jovens acessem conteúdos do EI.
Os ataques cometidos por adolescentes tendem a ser “inspirados” pelo EI, em vez de serem ordenados diretamente por alguém no Afeganistão. Essa é uma dinâmica muito diferente da que se viu em 2014, quando o grupo extremista assumiu o controle de grandes partes do Iraque e da Síria. Naquela época, potenciais recrutas frequentemente estavam em contato direto com um mentor no Oriente Médio, que os incentivava a deixar suas casas e ir para o autoproclamado califado.
Hoje o movimento é mais descentralizado, apontam Lucas Webber, pesquisador do The Soufan Center, um think tank de segurança com sede em Nova York, e Pieter Van Ostaeyen, analista que pesquisa o EI há mais de uma década e monitora o grupo para o Counter Extremism Project, um think tank internacional.
“Você ainda tem um serviço de mídia central e um comando central, que dirigiu o ataque na Rússia [contra uma sala de concertos na região metropolitana de Moscou, em março deste ano], por exemplo. Mas, neste momento, acho que há uma rede muito mais diversa recrutando esses jovens”, afirma Van Ostaeyen.
“Trata-se mais de uma rede difusa, na qual há jovens em seus próprios círculos online, nessas comunidades, que querem ser influenciadores”, confirma Moustafa Ayad, diretor executivo para África, Oriente Médio e Ásia no Instituto de Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês), com sede em Londres, que pesquisa extremismo.
“A ideologia ainda desempenha um papel — isso não pode ser ignorado —, mas a ‘memeficação’ ou a ‘Tik-Tok-ificação’ do conteúdo do ‘Estado Islâmico’ em vídeos mais curtos e em idiomas locais torna a ideia mais acessível para os jovens”, acrescenta Ayad, observando que os vídeos têm uma estética característica – sombria e ameaçadora. Tabloides vêm usando o termo “terroristas do Tik Tok”.
Radicalização mais rápida?
Há muitos exemplos desse tipo de redes, aponta Ayad. No recente caso do potencial ataque aos shows de Taylor Swift em Viena, a polícia austríaca investigou as redes digitais do principal suspeito, um jovem austríaco de 19 anos. A polícia alemã então deteve um adolescente de 15 anos em Brandemburgo, suspeito de encorajar o austríaco.
Uma situação semelhante veio à tona após o esfaqueamento de um bispo australiano em abril. Após as redes digitais do perpetrador de 16 anos serem investigadas, outros seis adolescentes foram acusados. Eles estavam em contato por meio do aplicativo de mensagens Signal, em um grupo de bate-papo que criaram chamado “Plans” (planos).
Essas redes são difusas e orgânicas, e ninguém sabe exatamente o quão grandes elas são, observa Ayad. Para o especialista, as plataformas não estão fazendo o suficiente para remover conteúdo extremista.
Além disso, segundo os chefes dos serviços de segurança federais da França e da Suíça, o processo de radicalização está mais rápido.
Ayad afirma não ter dados sobre a velocidade da radicalização, mas aponta que a quantidade de conteúdo extremista vem crescendo, assim como o número de indivíduos interagindo em cada vez mais plataformas.
Por que adolescentes são atraídos?
A mensagem básica que o EI sempre promoveu continua a mesma: o mundo persegue os muçulmanos, mas, se você se juntar a nós, seremos fortes juntos. Adolescentes alienados ou marginalizados, em busca de pertencimento ou de um conjunto de regras em um mundo complexo, podem achar essa mensagem atraente, afirmam psicólogos.
Fatores políticos também desempenham um papel no crescente número de adolescentes radicalizados. Especialistas afirmam que o EI está usando o atual conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas em Gaza como evidência de que “o resto do mundo odeia os muçulmanos” e que seus apoiadores deveriam se vingar.
“O número de civis mortos [em Gaza] captado pelas câmeras, prontamente disponível para todos e que destaca a situação de morte e destruição, terá um efeito também sobre as crianças”, considera Ayad. “Sabemos que esse tipo de conteúdo violento faz com que as crianças ou se retraiam ou se tornem mais agressivas.”
A ascensão da ultradireita na Alemanha, bem como o atual debate sobre a imigração e a islamofobia no país, provavelmente também terá um impacto sobta leva a mais comportamento jihadista. É simples assim. Ambos os grupos estão se fortalecendo mutuamente”, afirma Van Ostaeyen.
“Há muita pose por parte de seguidores do ‘Estado Islâmico’, muitas ameaças. Mas não acho que estejamos nos mesmos níveis de 2015 e 2016”, considera Ayad.
“Quando se trata desses jovens, seus planos geralmente não são muito bem elaborados. Mas poderiam ter graves consequências, se realmente tivessem sucesso. Basta um ataque bem-sucedido”, conclui.