Senadores e deputados estenderam contratos das usinas termelétricas, altamente poluentes, até 2040. Lula vetou a primeira tentativa, mas manteve a segunda.O Projeto de Lei 1.371, de 2025, que pretende prorrogar a contratação de usinas termelétricas movidas a carvão até 2050, evidencia a influência do lobby desse combustível fóssil no Congresso Nacional. O arquivo, protocolado às 14h18min em 1° de abril pelo deputado Afonso Hamm (PP-RS), havia sido criado às 11h57 no computador de Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS).

Zancan confirmou à DW que ajudou a elaborar o projeto. “Sim, [o texto] vem para cá, a gente analisa, contribui. Não tem nada a esconder quanto a isso”, afirmou. “O papel da associação é levar a informação e criar as condições para que tenha legislações que venham ajudar o nosso segmento, as nossas regiões a continuar gerando emprego e renda.”

Para o Gerente de Transição Energética do Instituto Internacional Arayara, John Wurdig, Zancan é o grande estrategista e lobista para construir políticas públicas para o setor de carvão disfarçadas de transição energética. “Mas são leis pró-carvão”, avaliou, classificando sua participação no projeto de lei como “inadmissível”.

O mesmo texto protocolado por Hamm foi apresentado no dia 15 de julho pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) como emenda à Medida Provisória do Setor Elétrico, cujo objetivo é modernizar o setor e diminuir as tarifas. Foi aprovada com uma mudança: em vez de 2050, os contratos serão prorrogados até 2040. Hamm e Amin não responderam aos questionamentos da DW.

A prorrogação das térmicas a carvão já havia sido aprovada em uma lei voltada para a energia eólica em alto mar. Em janeiro, no entanto, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva a vetou. Argumentou que contrariava o interesse público, por aumentar os custos da tarifa e ser incompatível com as metas climáticas, já que essas usinas estão entre as maiores emissoras de gases do efeito estufa.

Dois dias após o fim da COP30 , em Belém, onde defendeu um mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis , o governo mudou de ideia. No dia 24 de novembro, vetou diversos dispositivos da MP do Setor Elétrico: não a do carvão.

IPCC e o governo Bolsonaro

O uso do carvão tem uma trincheira bem demarcada. Representando quase 2% da geração elétrica nacional, seus defensores afirmam que a prorrogação dos contratos traz segurança energética e preserva empregos, garantindo tempo para uma transição energética gradual. Os críticos, por sua vez, destacam a alta emissão de gases de efeito estufa, a poluição e os subsídios bilionários destinados ao setor.

Em 9 de agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou um relatório contundente, mostrando que as mudanças climáticas tinham impactos irreversíveis. Eram impulsionadas, principalmente, pela emissão de gases do efeito estufa dos combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural. No mesmo dia, o governo de Jair Bolsonaro divulgou os detalhes do Programa Para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional .

“Os objetivos são contribuir com o desenvolvimento regional, com a segurança energética e com a recuperação ambiental no que diz respeito aos rejeitos da queima de carvão e geração de drenagem ácida”, diz um trecho do documento. O programa previa o uso do combustível fóssil até 2050, prazo final assumido pelo Brasil para a neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global .

Na esteira desse projeto, foi aprovada a lei 14.299, em 5 de janeiro de 2022, que instituiu o Programa de Transição Energética Justa (TEJ). A norma, porém, contemplou apenas a região carbonífera de Santa Catarina, garantindo a extensão do contrato do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), em Capivari de Baixo, que se encerraria em 2025.

Antes da sanção da norma, a Engie Brasil, então proprietária do complexo, havia anunciado a possibilidade de fechá-lo, já que a empresa tinha uma diretriz para focar nas renováveis. Cerca de três meses antes da aprovação da lei, fruto da mobilização de políticos, empresários e trabalhadores, as usinas foram vendidas para a Diamante Geração de Energia.

Segundo Zancan, à época houve tentativa de incluir também benefícios ao Rio Grande do Sul e ao Paraná, os outros dois estados que mineram o carvão, mas o governo não teria aceitado a proposta.

As eólicas e o carvão

Duas usinas termelétricas a carvão na região Sul ficaram fora da lei: Candiota 3, no Rio Grande do Sul, e Figueira, no Paraná. A primeira pertence à Âmbar Energia, do grupo J&F; a segunda, à Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel) – que solicitou a devolução da outorga.

Em dezembro de 2024, o Congresso aprovou a Lei nº 15.097/2025, regulamentando a energia eólica offshore, ou seja, em alto mar. Mas os parlamentares inseriram na norma um jabuti, como se chama os artigos estranhos à um projeto: a obrigação de contratação de usinas termelétricas a carvão até 2050.

Em janeiro deste ano, Lula aprovou a lei, mas vetou o trecho do carvão. “Mas ali a causa do veto não foi o carvão. A causa foi a questão do gás”, afirmou Zancan à DW.

Embora o governo tenha vetado a obrigação de contratação de termelétricas a gás, a justificativa também citou o carvão e o impacto do seu uso nas tarifas de energia. Segundo dados do subsidiômetro da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os subsídios ao carvão giram na casa de R$ 1 bilhão por ano. Esses recursos são pagos por todos os brasileiros na conta de luz, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

Mas o veto também focou na questão climática. “Ademais, as contratações de usinas de fontes fósseis não são compatíveis com os compromissos internacionais assumidos pelo país, bem como com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira.”

Divisão no governo

Meses depois do veto, a sanção ao dispositivo do carvão na MP do Setor Elétrico, convertida na Lei 15.269, mostra que a trincheira entre defensores e críticos ao carvão também está no governo. Um dia antes do anúncio, o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou no Roda Viva que o país ainda precisa de fontes como a do carvão para dar segurança ao sistema.

Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) havia pedido diversos vetos, inclusive ao carvão mineral, “a fonte de energia mais intensiva de carbono”. O ministério salientou ainda que a medida contraria a Política Nacional de Mudança do Clima, a Política Nacional de Qualidade do Ar e compromete as metas brasileiras de neutralidade climática até 2050 assumidas em acordos internacionais e estabelecidas no Plano Clima.

Para John Wurdig, da Arayara, a aprovação da lei é uma vitória do lobby da ABCS e da Âmbar Energia, principal beneficiada por causa do novo contrato de Candiota 3. Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a usina tem pelo menos 12 multas por danos ambientais, somando mais de R$ 125 milhões que ainda não foram pagos.

A Justiça Federal chegou a suspender a licença em primeira instância, mas a segunda instância a revogou. A Âmbar Energia não respondeu aos pedidos de informações da DW.

Wurdig criticou também a falta de qualquer menção na lei aos trabalhadores e aos passivos ambientais. “O trabalhador foi usado como massa de manobra, como cortina de fumaça desse carvão queimado.”

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em parceria com a WRI Brasil.