13/02/2022 - 7:31
A ficção científica é o domínio onde as pessoas tradicionalmente lutam com a ideia de contato com uma ETI (Inteligência Extraterrestre, na sigla em inglês). Mas agora, essas discussões estão migrando da ficção científica para domínios mais sérios. Os acadêmicos estão indo e voltando, um artigo de cada vez, sobre a resposta e as consequências geopolíticas do possível contato com uma ETI.
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A discussão é interessante se você acha que é provável ou mesmo remotamente possível que a humanidade entre em contato com uma ETI. E pode nos dizer mais sobre a humanidade do que sobre uma ETI.
Um novo artigo intitulado “Implicações geopolíticas de um programa SETI de sucesso” é a mais recente salva de artilharia no vaivém entre os pensadores profissionais. Os três autores do artigo estão associados a instituições como a Nasa, o Penn State ETI Center (da Universidade Estadual da Pensilvânia), o Departamento de Filosofia do Spring Hill College e a Harvard Law School. O autor principal é Jason T. Wright, da Universidade Estadual da Pensilvânia. O artigo foi aceito para publicação pela revista Space Policy e está atualmente disponível no site de pré-impressão arXiv.org.
Esse artigo é uma resposta a um artigo anterior publicado em 2020 chamado “The Search for Extraterrestrial Intelligence: A Realpolitik Consideration”. Esse artigo também foi publicado na revista Space Policy, trazendo uma nova ênfase à discussão sobre o possível contato com uma ETI. Os autores são Kenneth Wisian e John Traphagan. Wisian é do Centro de Pesquisas Espaciais da Universidade do Texas, e Trafagan é do Departamento de Estudos Religiosos e Programa em Dimensões Humanas das Organizações, também da Universidade do Texas. Vamos nos referir ao artigo deles como WT 2020.
Nômades conquistadores
No WT 2020, os dois autores apontaram que muito do pensamento em torno das ETIs está centrado nos riscos de Searching for Extraterrestrial Intelligence (SETI) e Messaging an Extraterrestrial Intelligence (METI). E se a ETI for tecnologicamente avançada e ameaçadora? E se eles forem como conquistadores ou algo assim? Stephen Hawking expressou bem esse medo em 2010 quando disse: “Esses alienígenas avançados poderiam talvez se tornar nômades, procurando conquistar e colonizar quaisquer planetas que pudessem alcançar”.
Esses tipos de alienígenas invasores ganham milhões de dólares para Hollywood, mas os autores do WT 2020 se concentraram em um risco diferente, que não atrai tanta atenção. Qual é esse risco? “Especificamente, o risco de apenas detectar um sinal alienígena da atividade passiva do SETI é geralmente considerado insignificante”, escrevem eles.
O que há de tão arriscado em apenas detectar um sinal? Nós e nossa realpolitik.
Se você não está familiarizado com o termo realpolitik, a história está cheia de exemplos. O dicionário Merriam-Webster define realpolitik como “Política baseada em fatores práticos e materiais em vez de objetivos teóricos ou éticos”. No WT 2020, os autores usam esta definição de realpolitik do historiador John Bew: “… apenas maior poder.’“
Mecânica do poder
Realpolitik é a política baixa e suja entre grupos políticos, geralmente nações. A realpolitik é separada do discurso formal que os líderes políticos usam em eleições e situações públicas, em que esses líderes usam o teatro político para influenciar a população e promover suas causas. A realpolitik é sobre a mecânica do poder em nosso mundo.
Um grande exemplo de realpolitik vem da Segunda Guerra Mundial. O presidente americano Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Churchill jogaram bem com Stalin e a Rússia. Chamaram Stalin de aliado, apertaram sua mão e sorriram quando se encontraram com ele. Eles precisavam de Stalin para continuar a lutar e enfraquecer Hitler, e os americanos até enviaram um fluxo constante de suprimentos à Rússia para permitir seu esforço de guerra. Tudo bem na superfície, como mostra este famoso clipe da Conferência de Yalta. Na marca de 2:35, podemos ver os três líderes se dando bem um com o outro.
Mas nos bastidores, a realpolitik criou uma teia diferente. Churchill e Roosevelt precisavam de Stalin para ajudar a vencer a guerra, e Stalin sabia disso. Stalin prometeu eleições democráticas para a Polônia depois da guerra porque precisava dos aliados para ajudá-lo a derrotar a Alemanha. Ele voltou atrás assim que a guerra terminou, ocupou a Polônia e outros países, e a Rússia e o Ocidente se tornaram inimigos declarados. Isso é tudo realpolitik, e Stalin a praticou bem.
Mas isso foi há muito tempo, e o mundo estava em guerra. Por que é relevante para a nossa era mais moderna e o potencial contato com uma ETI?
Porque a natureza humana não mudou.
Benefícios potenciais
Se detectarmos passivamente um sinal de uma ETI, isso pode ser preocupante para pessoas religiosas. Sua visão de mundo pode ser severamente ameaçada e pode haver alguma reviravolta significativa em países religiosos ou até mesmo violência religiosa extremista. Mas isso acabaria, diz o pensamento, e as pessoas voltariam às suas vidas diárias. Seria revolucionário para os cientistas, mas a maioria das pessoas seguiria em frente com suas vidas. É assim que o artigo WT 2020 resume o pensamento. Mas como as nações e seus líderes políticos reagiriam?
Mas sempre que as nações estão competindo umas com as outras, haverá alguma medida de realpolitik. E quando se trata de contato com uma ETI, monopolizar esse contato apresenta benefícios potenciais para a nação que o monopoliza. “A história das relações internacionais vista pelas lentes da tradição de realpolitik do pensamento político realista sugere, no entanto, que há um risco mensurável de conflito sobre o benefício percebido do acesso monopolista aos canais de comunicação da ETI”, escrevem os autores no WT 2020. “Essa possibilidade precisa ser considerada ao analisar os riscos e benefícios potenciais do contato com a ETI.”
Para Wisian e Traphagan, o perigo está no que podemos fazer a nós mesmos.
Qualquer ETI provavelmente teria uma enorme vantagem tecnológica sobre nós e, desde que a ETI não fosse maliciosa, essa vantagem representaria uma oportunidade para as nações. Se um governo monopoliza as comunicações com a ETI, pode ganhar uma vantagem tecnológica. Imagine a China, a Rússia ou os EUA cobiçando essa vantagem tecnológica. Ou Coreia do Norte, Irã, etc. Essa é a lente de realpolitik que os autores estão examinando. Pode levar a conflitos ou outras consequências indesejáveis.
Considerações importantes
No WT 2020, os autores dizem que as considerações de realpolitik devem ser importantes no planejamento de um SETI passivo bem-sucedido. Eles fazem várias recomendações. Sugerem que os cientistas que trabalham no SETI estabeleçam relações de apoio com as autoridades locais, fortaleçam os perímetros e a segurança de suas instituições e reforcem a segurança do pessoal para os cientistas e suas famílias. Os autores do WT 2020 também sugerem que instalações de observação, como radiotelescópios, adotem medidas de segurança semelhantes às das usinas nucleares.
Mas o novo artigo, que é uma refutação ao artigo do WT 2020 e suas preocupações com a realpolitik, não vê essas ações de segurança como úteis. Eles também discordam que é provável que qualquer nação possa de alguma forma monopolizar as comunicações com uma ETI.
“Embora não contestemos que uma resposta de realpolitik seja possível, descobrimos preocupações com a apresentação do paradigma de realpolitik pelo W&T”, escrevem os autores. Eles dizem que há falhas na análise do WT 2020 e que “… não é dada razão suficiente para justificar o tratamento desse cenário potencial como guia de ação sobre outras candidatas a respostas geopolíticas”.
Se uma resposta de realpolitik entrar em jogo, pode ser a resposta mais relevante. Os autores do novo artigo concordam com isso, mas mostram que “… é altamente improvável que uma nação possa monopolizar com sucesso a comunicação com a ETI”. A ameaça mais realista é que uma nação pense que poderia monopolizar as comunicações.
Os autores também criticam outros aspectos do cenário de realpolitik do WT 2020. Por exemplo, se é uma democracia ocidental que detecta um sinal, poderia monopolizá-lo? Improvável, segundo os autores, já que a ciência ocidental está bem integrada internacionalmente. Nossos observatórios mais poderosos têm vários países e instituições como parceiros, então a monopolização parece duvidosa. A comunidade científica se baseia na abertura, não no protecionismo informacional.
Ficção científica
Os autores criticam ainda o cenário de amostra de contato no WT 2020. O WT 2020 afirma que o contato que parece trivial para um ETI pode conter informações técnicas valiosas que podem ser úteis para uma nação monopolizadora. Isso é improvável. “Que isso possa acontecer não é nada óbvio. Em primeiro lugar, a ciência é cumulativa e não linear: para que um novo conhecimento seja útil, devemos primeiro ter o contexto científico apropriado para entendê-lo”, escrevem eles. Os estudiosos medievais poderiam fazer uso de um livro-texto sobre design de armas nucleares? Se eles pudessem entendê-lo, poderiam agir sobre isso? Não é provável, segundo os autores, e o mesmo vale para informações tecnológicas avançadas de uma ETI altamente avançada.
Além disso, que vantagem tecnológica específica poderia ser obtida? Já temos armas nucleares suficientes para destruir a civilização. Também temos armas biológicas. Uma ETI poderia compartilhar involuntariamente informações que permitiriam ao monopolizador construir algum tipo de superarma? Segundo os autores, isso está entrando no reino da ficção científica e deixando a realpolitik para trás.
Para os autores, a melhor maneira de evitar que os atores estatais pensem que podem ganhar um monopólio é através da abertura, em vez de medidas mais rígidas de segurança e policiamento estatal. Na verdade, as medidas exigidas no WT 2020 podem precipitar precisamente o que eles estão tentando evitar: um pesadelo de realpolitik.
Em seu novo artigo, os autores explicam isso claramente: “Finalmente, é importante que a implementação de extensas proteções de segurança nos campos SETI e METI possa causar os mesmos problemas sobre os quais o W&T alerta. A existência de instalações reforçadas e fluxos de informações bloqueados podem ser interpretada por pessoas de fora como evidência de que alguma atividade que altera o mundo estava ocorrendo dentro daquela comunidade ou instalação, levando exatamente ao tipo de espionagem e conflito que o W&T está tentando evitar em primeiro lugar, mesmo que nada tenha sido realmente descoberto”.
Riscos inerentes
Há algum acordo entre os artigos sobre os riscos inerentes ao contato. “A preocupação legítima do W&T é que a mera percepção de um monopólio de informação possa ser suficiente para gerar um conflito perigoso”, escrevem os autores do novo artigo. A história nos mostra que nações antagônicas podem ser paranoicas, engajar-se em golpes de sabre e até mesmo lançar ataques preventivos se acharem que estão em perigo. Com todas as incógnitas em torno do contato potencial com uma ETI, a preocupação e o medo seriam mais difíceis de suportar para algumas sociedades do que para outras. Haveria pontos de inflamação.
Outro ponto de acordo diz respeito à segurança dos cientistas que trabalham em contato com uma ETI. “No entanto, mesmo que tenhamos boas razões para evitar extensas proteções de segurança das instalações em si, ainda existem outras razões para adotar medidas de segurança destinadas a proteger os próprios praticantes do SETI, especialmente no caso de detecção”, escrevem os autores. Esses cientistas podem muito bem se tornar alvos de assédio e até agressão. Existem muitos loucos por aí, como a pandemia de covid nos mostrou, e uma maré crescente de pensamento anticientífico.
Em sua conclusão, os autores dizem que “… vale a pena considerar uma resposta realpolitik a um cenário de contato, mas sustentamos que é apenas uma das várias candidatas a respostas pós-contato que merecem consideração”.
Eles sugerem que existem alternativas muito melhores e envolvem respostas “… que possam gerar coesão ou maior colaboração ao nível das relações internacionais”.
Transparência e compartilhamento de dados
Eles também dizem que o documento do WT 2020 se baseia na premissa de que os líderes políticos perceberão erroneamente o potencial de um contato com uma ETI ser manipulado por outro estado. Embora esse medo não seja infundado, de acordo com os autores, e precise ser considerado, os autores deste artigo discordam das recomendações dadas no WT 2020.
O que eles sugerem que o mundo deveria fazer quando contatamos uma ETI?
Em vez de fortalecer a segurança nos sites do SETI, os autores “… recomendam transparência, compartilhamento de dados e educação dos formuladores de políticas”.
Imagine isso. Não é ficção científica boa, mas pode nos impedir de lutar uns com os outros.
** Este artigo foi republicado do site Universe Today sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.