07/02/2020 - 7:04
Boa notícia para quem se atormenta com mosquitos e suas picadas: cientistas americanos descobriram uma parte importante de como esses insetos se aproveitam do calor humano para encontrar e morder pessoas. Suas revelações, divulgadas em um artigo publicado na revista “Science“, abrem o caminho para que um dia possamos enganar ou inutilizar os sensores de temperatura dos mosquitos de modo que eles não nos ataquem.
“Sistemas sensoriais como esses são excelentes alvos para o desenvolvimento de novas maneiras de repelir ou confundir mosquitos para impedir que eles nos mordam ou para criar novas maneiras de ajudar a prender e matar essas criaturas que espalham doenças”, disse o professor de biologia Paul Garrity, da Universidade Brandeis.
No início do século 20, Frank Milburn Howlett, cientista britânico que trabalhava na Índia, notou que os mosquitos estavam sempre pairando em torno de seu bule na hora do chá. Como experiência, ele encheu um saco de gaze com insetos e o colocou perto de um tubo de ensaio cheio de água quente.
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Importância do calor
Quando o calor do tubo chegou aos animais, “o efeito foi mais interessante”, escreveu Howlett em um artigo publicado em 1910. Os mosquitos foram puxados para o lado do saco mais próximo do ar quente que subia.
Howlett também observou que os mosquitos não pareciam atacar animais de sangue frio, sugerindo que era o calor do corpo que os atraiu para os seres humanos.
Outra pesquisa mostrou desde então que, a distâncias de muitos metros, os mosquitos dependem do dióxido de carbono que exalamos, dos odores que emitimos e das indicações visuais para nos encontrar. Mas quando chegam a alguns centímetros, é a temperatura do nosso corpo que desempenha um papel importante em guiá-los.
Somente as fêmeas da espécie se comportam dessa maneira. Como foi aprendido mais tarde, eles usam a proteína do nosso sangue para nutrir seus ovos. Os machos se alimentam apenas de néctar de frutas e plantas.
Sensores de temperatura
Em 2019, Garrity e vários colegas publicaram um artigo na revista “Neuron” que refinava o pensamento convencional sobre os receptores sensíveis à temperatura na ponta das antenas das moscas.
Tradicionalmente, pensava-se que esses receptores agissem como termômetros, medindo a temperatura ambiente para permitir que a mosca soubesse se ele está quente ou frio. Em vez disso, Garrity e seus colegas descobriram que os receptores apenas detectavam se a temperatura estava mudando, informando à mosca se as coisas estavam ficando mais quentes ou mais frias.
Por esse motivo, Garrity renomeou esses sensores de temperatura de células de resfriamento e células de aquecimento. Eles são tão sensíveis que podem detectar algumas centenas de graus de mudança de temperatura por segundo.
Parentes evolutivos próximos das moscas, os mosquitos também têm células de resfriamento e células de aquecimento.
Hipótese alternativa
Embora pareça fazer sentido olhar para as células de aquecimento dos insetos para entender o que as atrai ao calor humano, o grupo de Garrity considerou uma hipótese alternativa – e contraintuitiva. Talvez os insetos não voem em direção ao calor, mas sim fujam de temperaturas mais frias. Isso significaria que o foco deveria estar nas células de resfriamento.
Garrity e seus colegas se concentraram em um receptor molecular chamado IR21a. IR significa receptor ionotrópico, um grupo de proteínas que ajudam os neurônios a transmitir sinais. O IR21a facilita a transmissão de um sinal de que a temperatura ao redor do inseto está caindo.
O gene do IR21 se originou em uma criatura marinha que viveu mais de 400 milhões de anos atrás e deu origem a crustáceos modernos (como lagostas e caranguejos) e insetos. Depois que os ancestrais dos insetos modernos finalmente se aventuraram na terra, o gene foi transmitido ao ancestral comum de moscas e mosquitos.
Quando as trajetórias evolutivas desses insetos divergiram cerca de 200 milhões de anos atrás, cada espécie desenvolveu usos diferentes para o receptor IR21a. As moscas o usam para evitar o calor; os mosquitos, para encontrar o calor e se alimentar de sangue humano.
Duas experiências
De início, os pesquisadores eliminaram o gene do mosquito responsável pela produção do receptor IR21a. A seguir, colocaram cerca de 60 dos insetos mutantes em um recipiente do tamanho de uma caixa de sapatos com um prato na parede traseira aquecido até a temperatura corporal central (37 graus Celsius), e deram aos mosquitos uma baforada de dióxido de carbono para imitar a respiração humana.
Enquanto os mosquitos não mutantes se reuniam rapidamente na placa de temperatura corporal, tentando se alimentar, os mosquitos mutantes ignoraram a placa. Sem o receptor IR21a, eles não podiam mais se direcionar para o ponto mais quente nas proximidades.
Em um segundo experimento, os mosquitos foram colocados em uma pequena gaiola de malha. Acima da gaiola, os pesquisadores colocaram dois frascos cheios de sangue humano, um aquecido a 22,8 °C (temperatura ambiente) e o outro a 31,1 °C (temperatura da superfície de uma mão humana). Comparados aos mosquitos não mutantes colocados na mesma configuração, os mutantes mostraram uma preferência reduzida pelo sangue a 31,1 °C.
Alarme irritante
Segundo Garrity, o receptor IR21a é ativado sempre que os mosquitos se movem em direção a uma temperatura mais baixa. Como os humanos geralmente são mais quentes do que os arredores, isso significa que, quando um mosquito se aproxima de um humano, o IR21a fica inerte. Mas se o animal se desviar de seu curso e começar a se afastar de sua presa de sangue quente, o IR21a será ativado, apenas desligando quando o curso do inseto for corrigido.
Em última análise, acompanhar as mudanças de temperatura é extremamente útil para ajudar esses animais a determinar com precisão onde nos picar, porque os vasos sanguíneos são o ponto mais quente da pele.
Segundo Garrity, o IR21a parece agir como “um alarme irritante. Ele dispara sempre que o mosquito fêmea se aproxima de climas mais frios. Quando estão procurando seres humanos, parecem ser levados a fazer o que for necessário para diminuir o som”.