14/04/2024 - 9:12
Habitantes da Ásia chegaram pela primeira vez à América em diversas ondas migratórias, a partir do Estreito de Bering, entre 25 mil e 15 mil anos atrás. Os caçadores-coletores se depararam paisagens intocadas por humanos e cheias de plantas e animais desconhecidos.
Migrando através da atual América Latina, os paleoameríndios deixaram rastros de suas vidas, na forma de pinturas em cavernas e rochedos. Estas mostram como eles aprenderam a viver em seus novos habitats. Além disso fornecem aos paleontólogos pistas sobre legados ancestrais para a atual biodiversidade e cultura da região.
A mais antiga arte rupestre da América é encontrada na Serranía de La Lindosa, na Amazônia colombiana. Datando do fim da Era Glacial, cerca de 12.800 anos atrás, ela fornece dados vitais sobre a cultura ameríndia originária.
Para o arqueólogo Francisco Javier Aceituno, da Universidade de Antioquia, Colômbia – que estuda essas cavernas há anos e comparou os desenhos na rocha com os resultados de escavações realizadas nas “casas dos artistas” que pintaram as paredes – trata-se de “fotografias do passado”.
Instruções para a vida prática e espiritualidade ancestral
Realizadas sobretudo em ocre vermelho, as cenas da natureza representam diversas espécies animais – algumas consideradas extintas, como preguiças-terrícolas e cavalos nativos, outras domesticadas, como vacas e cães.
Mais do que expressões criativas, especialistas creem que as imagens serviam como ferramentas educacionais para instruir os mais jovens sobre como lidar com as diferentes plantas e animais – não só na Colômbia, mas em toda a América do Sul.
Indícios encontrados numa caverna da Patagônia, no sul do subcontinente, sugerem que a arte datando de 8.200 anos atrás servia para transmitir informações através de 130 gerações humanas, talvez ajudando-as a sobreviver nos climas em mutação.
Assim como ocorre em outras regiões latino-americanas, grande parte das pinturas da Serranía de La Lindosa tem caráter simbólico, representando um mundo espiritual: “Há cenas de rituais de dança ou ritos xamânicos. Com essas cenas espirituais [os paleoameríndios] tentavam domesticar o mundo natural, controlando as forças da natureza”, explica Aceituno.
Para especialistas, essas são as formas mais ancestrais de religião, quando os humanos tentaram formar uma conexão sagrada com o mundo natural. Drogas alucinógenas, muitas das quais são endógenas das Américas, podem também ter desempenhado um papel central na espiritualidade e cerimônias religiosas primitivas.
Estima-se que os paleoameríndios da Califórnia usassem alucinógenos para induzir estados espirituais – análogo às festas de LSD tão difundidas nesse estado americano nos anos 1960, ou o atual uso no Brasil de ayahuasca, ou santo-daime.
Animais e plantas da Amazônia moderna e cosmovisão mesoamericana
No período de 13 mil a 8 mil anos atrás, a Amazônia se transformou de savana seca e mata semiárida nas florestas tropicais de hoje. O processo envolveu mudanças climáticas velozes, a que as culturas locais tiveram que se adaptar. Durante as escavações na Serranía de La Lindosa, Aceituno e seus colegas puderam indiretamente datar a arte rupestre no início desse período de transformação.
Para o arqueólogo, contudo, a descoberta mais fascinante foi a presença de culturas humanas na região, ao longo de mais de 12 mil anos, que teriam influenciado fortemente a biodiversidade amazônica durante a transição climática.
A arte rupestre local indica, por exemplo, que os humanos manipulavam espécies vegetais 9 mil anos atrás, o que poderia explicar a inusitada riqueza atual de plantas úteis, como alimento e remédio. Drogas como quinino e cocaína se originam lá, o que vale à Amazônia o apelido de “maior armário de remédios do mundo”.
Para Aceituno, os paleoameríndios “alcançaram um equilíbrio na gestão de recursos naturais”: “Plantas e animais eram mais do que comida, eram também vistos como seres vivos a ser respeitados. Usava-se o princípio da preservação: ‘Não posso esgotar meus recursos, meu alimento’.”
Notável é também o legado paleolítico nos grupos étnicos vivendo na América Latina contemporânea: “Os atuais grupos indígenas da região herdaram algumas tradições e modos de explorar a floresta, e a cosmovisão mesoamericana”, explica Aceituno. Exemplos dessa visão do mundo herdada seriam a cerimônia do Dia dos Mortos e a crença de que tudo no universo faz parte de uma dualidade.
Não há provas concretas de que as comunidades indígenas de hoje sejam descendentes diretas dos paleoameríndios “num sentido biológico”, ressalva o pesquisador. Porém os atuais progressos no exame de DNA antigo poderão ajudar a traçar o histórico dos grupos locais e, com a ajuda da arte rupestre, identificar como suas culturas se propagaram pela América do Sul.