14/11/2025 - 19:39
Indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais vêm tentando usar palco da COP30 em Belém para denunciar invasões, garimpo, e projetos de exploração de petróleo, além de cobrar coerência do país-sede da conferência.Com vestes tradicionais e a pintura de guerreiros no rosto, mulheres, homens, crianças, anciãos e jovens indígenas Munduruku compareceram à Conferência do Clima de Belém, a COP30, numa tentativa de se fazer ouvir. Eles amanheceram em frente ao Parque da Cidade e bloquearam a entrada de participantes até que fossem recebidos pela liderança da conferência durante as negociações internacionais nesta sexta-feira (14/11).
“Não estamos aqui [apenas] para chamar a atenção”, disse Alessandra Munduruku, liderança ameaçada de morte por garimpeiros. “O povo está pedindo socorro. Cadê as demarcações de terras? Estão liberando a Amazônia para petróleo, mineração, privatização dos nossos rios”, argumenta.
O bloqueio causou aglomeração, espera, filas, presença massiva do Exército e da polícia, mas não houve confronto. A presidência da COP recebeu os manifestantes e tentou convencê-los de que o que está em discussão entre os diplomatas não ameaça as terras onde vivem.
“A COP30 é uma aliada de vocês”, afirmou o embaixador André Corrêa do Lago ao recebê-los, quando segurou um bebê Munduruku no colo. “A ideia desta conferência assegura o direito de consulta de vocês, para que comunidades indígenas do mundo inteiro sejam mais ouvidas”, completou.
Mais tarde, Ana Toni, CEO da COP30, foi questionada por jornalistas estrangeiros numa coletiva de imprensa sobre queixas da ONU em relação aos problemas na organização e à insatisfação dos indígenas.
Segundo Toni, a oferta do presidente Lula em receber a conferência na Amazônia foi também feita para dar visibilidade aos indígenas.
“Vamos ouvir sobre os indígenas ao longo de toda a COP porque eles também são um dospovos mais vulneráveis [às mudanças climáticas]. Estamos ouvindo e dialogando com eles”, disse Toni.
Amazônia quilombola
Os Munduruku não estão sozinhos nas queixas. Povos originários e comunidades tradicionais de toda a Amazônia tentam conseguir visibilidade e participar ativamente do fórum climático que consta há décadas no calendário das Nações Unidas.
Alguns grupos, como os quilombolas da Amazônia, também tentar usar a oportunidade para conseguir visibilidade. Uma das estratégias é reunir dados que reflitam o cenário que enfrentam no campo. Quase 60% das comunidades quilombolas enfrentam invasões e garimpo ilegal e mais da metade (55%) sofrem com secas extremas, apontou uma pesquisa divulgada durante a COP.
“A Amazônia também é negra, quilombola, e a gente também leva tiro por proteger a floresta”, diz Juliane Sousa, jornalista quilombola e consultora da pesquisa elaborada pelo Instituto Sumaúma.
Sousa cresceu de frente para um garimpo na comunidade Bom Jesus dos Pretos, no Maranhão, quase divisa com o Pará. Mesmo com o território reconhecido e titulado, invasões de fazendeiros que criam búfalos vêm colocando en risco a economia de subsistência dos quilombolas, também ameaçados constantemente com armas de fogo.
“Nossa expectativa é trabalhar bem os dados para aparecer nos espaços, fortalecer as trocas na Cúpula dos Povos, que foi onde conseguimos participar. Sabemos que, desta vez, não vamos conseguir incidir nas negociações”, lamentou Sousa.
O financiamento climático, uma das pautas em discussão nesta conferência, é ainda mais distante, mostra a pesquisa para a qual Sousa contribuiu. A grande maioria das comunidades (66%) não tem qualquer fonte de renda para financiar suas práticas.
“Não somos mercadoria”
Pelos corredores por onde diplomatas passam apressados na COP30, também circulam empresários com negócios e interesses na região. Toda a estrutura do Parque da Cidade de Belém, sede do evento da ONU, foi construída com recursos da mineradora Vale transferidos ao governo paraense.
“As empresas estão entrando nas nossas terras. Estão transformando tudo em mercadoria, a floresta, os rios, o crédito de carbono”, disse Alessandra Munduruku durante a manifestação.
Vestido com um longa bata listrada de bege e marrom, Francisco Piyako avalia que muitos dos presentes na conferência enxergam a Amazônia como mais uma oportunidade de negócios.
“Tem muita gente que se relaciona conosco visando o lucro. Nós não somos mercadoria”, critica Francisco, representante dos Ashaninka,, que critica propostas em discussão como programas de créditos de carbono que não consultam indígenas.
Segundo Piyako, o debate em conferências do tipo soa muitas vezes distante da realidade na ponta, onde as comunidades que protegem o meio ambiente não têm recursos, são pressionadas pelas invasões de terra mesmo em território demarcado.
“Infelizmente, por causa disso, comunidades ficam na mão de um grupo político, dos interesses locais, à mercê do garimpo que chega no território”, lamenta.
Zona livre de petróleo?
Ao fim da primeira semana de negociações, a decisão da Colômbia de transformar sua parte da Amazônia numa zona livre de exploração de petróleo foi celebrada por membros da sociedade civil internacional. Para os povos da floresta presentes em Belém, essa visão de desenvolvimento ainda parece distante na porção brasileira
O cacique Jonas, da etnia Mura, e um dos representantes de seu povo no estado do Amazonas, reclamou sobre os impactos da extração de gás natural, um combustível fóssil, feita em seu território. “Estamos ficando sem água potável, sem peixe, sem floresta, que está sendo destruída para exploração”, disse a jornalistas.
Auricelia Arapium, liderança indígena do rio Tapajós, preferiu agir fora do espaço da COP com o objetivo de aumentar a pressão popular. Ela espera que os povos originários e comunidades tradicionais sejam finalmente reconhecidas e financiadas para continuar cuidando da Amazônia.
“Não adianta um país presidir uma COP e seguir com a atrocidade de explorar petróleo na Foz do Amazonas, de privatizar os rios, construir a Ferrogrão. Isso só piora a crise climática”, criticou Auricelia, apontando o que enxergou como uma contradição brasileira na COP30.
