28/06/2025 - 15:24
Síria, Irã, Armênia: a Rússia já não parece capaz ou disposta a socorrer regimes amigos a qualquer preço. Postura do Kremlin não tem só a ver com a guerra na Ucrânia.Depois de assistir à queda do ditador Bashar al-Assad na Síria em dezembro do ano passado, o presidente russo Vladimir Putin testemunhou nas últimas semanas, inerte, ataques a mais um poderoso aliado seu no Oriente Médio: o regime dos mulás no Irã, bombardeado à beira da instabilidade por Israel e Estados Unidos.
Acusado de aspirar ao desenvolvimento de armas nucleares, o Irã teve instalações de enriquecimento e armazenagem de urânio atacadas e perdeu importantes generais e cientistas alvos de atentados israelenses. A troca de fogo entre o país e Israel foi pausada com a imposição de um cessar-fogo pelo presidente americano Donald Trump na última terça-feira (24/06).
Pouco antes do cessar-fogo, o ministro iraniano do Exterior, Abbas Araghchi, esteve com Putin na Rússia. Mas, em vez de apoio militar, não recebeu mais do que palavras de consolo do aliado, que classificou os bombardeios americanos e israelenses de “agressão injustificada”, além de ofertas para ajudar com uma solução diplomática da querela com Israel.
Isso apesar de o Irã ter, no início da guerra na Ucrânia, contribuído fundamentalmente para a ofensiva russa, fornecendo drones e, mais tarde, ajudando Moscou a fabricá-los por conta própria.
Os dois países, que são sancionados pelos EUA, haviam selado um acordo em janeiro deste ano que prevê o aprofundamento da cooperação econômica e militar ao longo dos próximos 20 anos. Mas o texto não obriga os países a se defenderem mutuamente em caso de ataque.
Jogo de equilibrismo no Oriente Médio
Além de estar militarmente muito ocupado com a guerra na Ucrânia, Putin tem motivos para não querer se indispor com Israel e, por conseguinte, com os Estados Unidos.
Um deles é de ordem demográfica: em Israel vivem cerca de 1,3 milhões de falantes da língua russa, o equivalente a 15% da população, segundo dados oficiais do governo citados pelo jornal israelense The Jerusalem Post.
Muitos vieram da antiga União Soviética ou descendem desses imigrantes. E Israel também recebeu novas levas de imigrantes russófonos na esteira da invasão da Ucrânia. Putin não quer ficar mal com esse público, e por isso se esforça para manter boas relações com Israel.
Mas há um outro motivo, de natureza geopolítica. O presidente russo quer se estabelecer como interlocutor do governo de Benjamin Netanyahu e, assim, transformar-se num parceiro indispensável em negociações diplomáticas envolvendo o Oriente Médio.
Por outro lado, o presidente russo também não quer melindrar Trump, cuja postura complacente em relação à guerra na Ucrânia tem sido muito conveniente aos interesses do Kremlin. Enquanto não aborrecer o americano, Putin pode nutrir esperanças de se livrar das sanções impostas à Rússia, ou ao menos assegurar novos ganhos territoriais sem ser importunado.
Sem socorro para Assad na Síria
Em dezembro de 2024, o regime do ditador Bashar al-Assad na Síria caiu em menos de duas semanas. A velocidade com que os eventos se desenrolaram surpreendeu, já que a família Assad controlou o país por 50 anos.
Desde a eclosão da guerra civil, em 2011, Assad governava a Síria com mão de ferro, e para isso usou até mesmo armas químicas contra a própria população. A guerra produziu mais de 14 milhões de refugiados, dos quais 6 milhões deixaram o país, segundo as Nações Unidas.
Que Assad tenha se mantido no poder por todos esses anos de conflito e a despeito dos esforços de grupos armados de oposição é algo que ele deve ao apoio militar que recebeu do Irã e da Rússia.
Mas no final de 2024, com a Rússia ocupada com a guerra na Ucrânia e tendo que repelir ataques com drones dentro de seu território, grupos rebeldes sírios aproveitaram a oportunidade para uma tomada rápida do poder. O enfraquecimento do Irã e do grupo xiita Hezbollah, outros aliados de Assad, também selaram o destino do regime.
Putin ainda chegou a enviar alguns caças em socorro de Assad, mas logo o embarcou num avião a caminho de Moscou. Na falta de coisa melhor, a gratidão russa limitou-se até agora à concessão de asilo ao ditador.
O Kremlin foi rápido em reconhecer o novo governo. Talvez por isso ainda mantenha bases militares na Síria, entre elas uma no porto de Tartus, com acesso ao Mediterrâneo. Mas há relatos de que até mesmo essas instalações podem estar com os dias contados, à medida em que EUA e União Europeia reatam laços com a nova administração e pressionam pela saída dos russos. Um sinal disso seria a realocação, pela Rússia, de parte de seu aparato militar para outras bases, principalmente na Líbia.
Entregue à própria sorte, Armênia se vinga dando as costas para Putin
Além da Síria e do Irã, Putin também parece estar perdendo sua influência sobre a Armênia, país da região do Cáucaso que faz fronteira ao sul com o Irã e ao norte com a Geórgia, ponte entre a Europa e o Oriente Médio.
O motivo, segundo uma reportagem publicada pelo jornal The Moscow Times, é a frustração da Armênia com a indiferença russa aos ataques que vem sofrendo do Azerbaijão. Ocupada demais com a Ucrânia, a Rússia não parece ter recursos militares suficientes para acudir seu parceiro.
Na visão da Armênia, o Azerbaijão não teria invadido e ocupado a região de Nagorno-Karabakh em 2023 se a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia no ano anterior, deixando um “vácuo” no sul do Cáucaso e criando uma janela de oportunidade para Baku.
A Rússia é líder e membro-fundador da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), aliança militar formada por países da Eurásia, principalmente ex-repúblicas soviéticas, e da qual a Armênia também faz parte. Mas a entidade não interveio no conflito.
Agora, a Armênia parece estar se vingando de Putin ao dar as costas para a Rússia e estender a mão para os Estados Unidos, a União Europeia e até mesmo a Turquia.
Similar ao que tem feito na Romênia, na República Tcheca e em outras partes da Europa, o Kremlin tem tentado assegurar sua influência sobre a Armênia de formas mais sutis, com campanhas organizadas de propaganda e tentativas de infiltração e intervenção no sistema político.
ra/bl (ots)