Guerra comercial dos EUA aproximou Brasília e Pequim, que registra investimentos recordes em empreendimentos no Brasil. Especialistas apontam impacto positivo no mercado de trabalho, mas veem risco de dependência.Coloridos e atraentes: cerca de 400 milhões de copos de café brasileiro serão disponibilizados para a campanha “Café do Brasil”, informou a embaixada chinesa no Brasil em sua conta no X no começo de dezembro. Eles serão distribuídos a “milhares” de cafeterias na China, em uma campanha organizada em colaboração com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, ApexBrasil.

A iniciativa reflete a atual dinâmica das relações entre Brasil e o país asiático, seu maior parceiro comercial desde 2009. O volume do investimento de empresas chinesas no Brasil atingiu 4,18 bilhões de dólares (R$22,6) em 2024, 113% a mais que o ano anterior, segundo o Conselho Econômico Brasil-China.

O setor de energia puxa os principais aportes, representando um terço do total. Empreendimentos na área de minerais críticos também ganham destaque, diz o Conselho.

A importância dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva às relações com Pequim ficou evidente durante sua visita ao país em maio de 2025. Acompanhado por onze ministros e uma delegação de mais de 150 representantes empresariais, assinou trinta acordos e criticou o unilateralismo e o protecionismo no comércio internacional.

A renovada aproximação se amplia diante da guerra comercial imposta pelos EUA, que forçou o Brasil e outros países a buscarem novos mercados para seus produtos. O Palácio do Planalto, por exemplo, busca ampliar suas exportações para a China, que já responde por mais de 70% da soja brasileira exportada e tem peso relevante também nas remessas de minério de ferro, carne bovina e celulose.

Para escoar esses produtos, a estatal chinesa Cofco está erguendo em Santos, maior porto brasileiro, seu principal terminal de exportação fora do território chinês.

O café brasileiro é outro item cobiçado pelos chineses. Segundo o banco de dados econômico Trading Economics, as exportações brasileiras do produto ao parceiro asiático somaram 213,6 milhões de dólares em 2024 (R$ 1,5 bilhão).

Interesses chineses, interesses brasileiros

Para o economista Tomás Marques, do German Institute for Global and Area Studies (GIGA), na Alemanha, a cooperação Brasil-China tem impacto positivo no mercado de trabalho brasileiro. “Isso vale sobretudo para o setor tecnológico, como por exemplo nas áreas de mobilidade elétrica e energia. Importante é que esses investimentos estimulem a produtividade como um todo. Isso desempenha um papel essencial”, disse Marques à DW.

Por outro lado, a China estaria interessada principalmente em produtos agrícolas não processados, afirma Johann Fuhrmann, chefe do escritório da Fundação Konrad Adenauer em Pequim. Eles representam cerca de 80 por cento das importações chinesas. “Também fontes de energia como o petróleo são importantes para a China.”

Por isso o Brasil é um parceiro comercial importante, diz ele. “No entanto, os chineses querem também ganhar espaço por meio da exportação de alta tecnologia e do investimento em locais de produção correspondentes no país. Pois o Brasil, devido às estreitas conexões e relações comerciais, é considerado o mais importante ponto de apoio para os demais países latino-americanos”, disse Fuhrmann à DW.

Para especialistas, o foco em bens primários agrícolas e minerais, porém, pode gerar um desequilíbrio e uma dependência brasileira ao mercado chinês.

“Made in China” também no cotidiano

Empresas chinesas já estão presentes no cotidiano brasileiro. Por exemplo, o aplicativo “99”, produzido por uma subsidiária brasileira da empresa chinesa DiDi, compete com outros fornecedores, como a Uber. Outro exemplo é a montadora chinesa BYD. Acusada pelo Ministério Público de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, acabou se tornando um símbolo tanto do estreitamento de relações entre Brasil e China e também da influência chinesa no país sul-americano.

Para Tomás Marques, os produtos “Made in China” têm melhorado sua reputação entre os consumidores brasileiros. “Nos anos 2000, produtos chineses eram considerados por muitos consumidores brasileiros como de qualidade inferior. Hoje, porém, smartphones e outros produtos da empresa chinesa Xiaomi, por exemplo, lideram o mercado no Brasil.”

Especialmente por meio da tecnologia digital, a China está muito mais presente no cotidiano dos brasileiros do que há alguns anos, concorda Johann Fuhrmann. “E naturalmente Pequim tenta também dessa forma competir com os EUA. Isso significa que o Brasil e os brasileiros agora se encontram em uma situação semelhante à dos europeus: precisam definir sua posição entre dois parceiros comerciais concorrentes, a China e os EUA. Nessa situação podem facilmente surgir conflitos.”

Cenários econômicos futuros

O caminho que essa relação poderá tomar no futuro ainda está em aberto. O think tank americano Atlantic Council delineia diferentes cenários. Entre eles, avalia que a China poderia ultrapassar os EUA como principal parceiro comercial da América Latina e do Caribe até 2035.

No entanto, as trocas comerciais entre China e América Latina se mantém desiguais. Enquanto os países latino-americanos exportam sobretudo matérias-primas e produtos agrícolas, Pequim fornece principalmente alta tecnologia. Isso poderia levar, a longo prazo, a “déficits comerciais historicamente altos da América Latina e do Caribe em suas relações com a China”, diz o Atlantic Council. “Um tema delicado, que poderia desencadear debates políticos.”

Aproximação política com a China?

Não se pode excluir a possibilidade de que o Brasil e a China também se aproximem cada vez mais politicamente. No quarto encontro de ministros latino-americanos, caribenhos e chineses, o chamado Fórum Celac, realizado em maio deste ano em Pequim, o presidente chinês Xi Jinping pediu relações mais estreitas com a América Latina por meio de intercâmbio político, acadêmico e de segurança. Em segundo plano estavam também as disputas tarifárias, assim como as dos países latino-americanos, com os EUA. “Intimidação e coerção levam apenas ao isolamento”, disse Xi.

Além disso, o Brasil aposta na China, que reivindica para si um papel de líder do Sul Global, para desempenhar em um mundo multipolar emergente um papel mais ativo na configuração da ordem global, afirma um estudo do Center for Strategic and International Studies de 2023. No entanto, cresce também no Brasil a preocupação de que uma relação cada vez mais intensa com a China não leve à autonomia estratégica, mas sim à dependência a Pequim.

Essa preocupação vale também para toda a região, diz Johann Fuhrmann. “O Paraguai, por exemplo, é o único país sul-americano que reconhece diplomaticamente Taiwan. Caso os laços econômicos [do Brasil] com a China se fortaleçam, não se pode excluir que isso mude em algum momento.”

Por outro lado, o Brasil vem resistindo a aderir à a peça central da política externa de Xi Jinping, a Cinturão e Rota, ou Nova Roda da Seda, apesar da pressão de Pequim.

Segundo especialistas ouvidos pela DW, a diplomacia brasileira considera que a relação com o país asiático já é bastante vantajosa e que a adesão traria ganhos mais simbólicos do que práticos. Isso porque um alinhamento ao modelo de investimento chinês poderia trazer um desgaste político com os Estados Unidos, com quem o Planalto vem tentando resgatar laços após atritos com a gestão de Donald Trump.