26/04/2019 - 10:00
O rumoroso caso envolvendo o médium João Teixeira de Faria, da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), acusado de abusos sexuais contra centenas de pacientes mulheres, levou diversos leitores de PLANETA a relatar à redação suas dúvidas sobre esse trabalho. A revista nunca realizou uma cobertura ampla da atuação do médium como as que fizera com o pernambucano Edson Cavalcante Queiroz, por meio de quem operava o dr. Fritz (o mesmo de José Arigó), ou com o paulista Antônio Geraldo de Pádua, que recebia o dr. Clayton. Portanto, não conhece em profundidade o trabalho desenvolvido em Abadiânia. Mas há uma série de itens cuja observação atenta ajuda os interessados – não apenas nesse caso, mas em qualquer um relacionado às chamadas cirurgias espirituais – a terem uma noção melhor do terreno onde pisam.
Para começar, a associação do termo “cirurgias espirituais” ao espiritismo kardecista, comum no Brasil, é uma imprecisão. O fenômeno também ocorre, por exemplo, nas Filipinas, onde muitos dos curadores dessa área são católicos e creditam seu trabalho a Jesus ou ao Espírito Santo. A religião, portanto, não parece ser um aspecto limitador em tais operações.
Por outro lado, o elevado número de pacientes que se declaram livres de graves problemas de saúde graças a João de Abadiânia ou de outros médiuns polêmicos (em muitos casos há confirmação por exames clínicos) sugere que o sucesso em tais tratamentos não depende fundamentalmente da elevação interior do médium. Naturalmente, considera-se que, quanto mais desenvolvido for o curador nesse sentido, melhor será seu desempenho.
Em termos de comportamento mediúnico, o Brasil produziu um notável exemplo, que serve de parâmetro para os demais: Francisco Cândido Xavier (1910-2002). Chico mostrou como um médium, cuja atuação depende fundamentalmente de uma entidade externa a ele, pode tocar sua vida sem misturar sintonias conflitantes. O médium mineiro passou incólume por alguns desafios terrenos apresentados a seguir, e a comparação entre ele e João de Abadiânia é bem ilustrativa.
DINHEIRO – Chico poderia ter sido muito rico se assumisse a autoria dos mais de 450 livros que escreveu, cuja vendagem já superou 50 milhões de exemplares. Mas ele sempre disse que as obras não eram suas, e sim dos seres que o usavam como canal, e doou todos os direitos autorais para instituições espíritas. Chico sobreviveu dos salários que recebeu como vendedor, tecelão e datilógrafo. Por seu lado, João de Abadiânia enriqueceu inicialmente com a extração de ouro em Serra Pelada. Hoje ele é sócio em um garimpo e dono de fazendas e outras propriedades. Mas esse patrimônio não está a serviço dos trabalhos espirituais que desenvolve. O dia a dia da Casa Dom Inácio de Loyola é bancado pela venda dos remédios prescritos no templo (fabricados por um laboratório no próprio local cujo nome leva as iniciais do médium), pela venda de livros e outros artigos ligados à instituição e por donativos de frequentadores. Um templo kardecista convencional, para comparar, sustenta-se com doações, venda de livros e atividades como quermesses, almoços ou bazares.
SEXO – Outra armadilha comum a vários expoentes religiosos, o sexo não deve a princípio interferir no trabalho espiritual. Enquanto Chico manifestou-se como um ser assexuado, João de Abadiânia deu no mínimo sinais de uma enorme inquietude nessa área. Ele se casou dez vezes e é pai de 11 filhos, cada qual com uma mulher.
VAIDADE E PODER – A fama e as relações com poderosos oriundas desse tipo de trabalho podem insuflar no médium a ilusão de que sua cota de participação no conjunto da obra é maior do que a real. Modestíssimo, Chico tinha como única demonstração de vaidade uma peruca – que, segundo o próprio, deixava-o menos feio do que era. Apesar de conhecer incontáveis personalidades em sua época, ele nunca fez pessoalmente propaganda disso. De sua parte, João de Abadiânia – dono de “carrões”, usuário de um cordão de ouro e um anel de esmeralda – tem fotos suas a decorar paredes da Casa Dom Inácio de Loyola e expõe suas relações com pessoas influentes, como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, o empresário e político Paulo Skaf e o publicitário Nizan Guanaes. Em Abadiânia, ele é visto como um “dono” da cidade, com direito a opinar se os moradores devem fazer um negócio ou pedir a mão de alguém em casamento.