Irã integra tratado que veta armas nucleares e, por alguns anos, esteve sujeito a fiscalização mais rigorosa da ONU – até os EUA sob Trump enfraquecerem acordo em 2018. Agora, Teerã ameaça deixá-lo completamente.Há quase duas semanas, instalações nucleares do Irã são alvo de bombardeios de Israel e, mais recentemente, também dos Estados Unidos. Os ataques visam impedir que o regime do aiatolá Ali Khamenei ganhe acesso a armas de destruição em massa – pretensão que Teerã nega ter, embora inspeções das Nações Unidas no Irã tenham encontrado estoques de urânio enriquecido a um grau de 60% de pureza, muito próximo dos 90% necessários ao desenvolvimento de uma bomba atômica.

Teerã está sujeita a essas inspeções porque é signatária do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ao qual aderiu em 1970. A fiscalização cabe à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão da ONU encarregado de garantir que nenhum material nuclear, como o urânio, seja “desviado” para fins militares.

Mas a verdade é que as informações de que a agência dispõe hoje são limitadas. E o quadro piorou desde o início dos ataques israelenses, em 13 de junho, quando as inspeções foram suspensas e o Irã ameaçou abandonar o tratado.

A AIEA diz que não pode garantir que a atividade nuclear do Irã tenha somente fins pacíficos, mas também não tem indícios de que exista um programa coordenado de armas nucleares.

Nesta segunda-feira (23/06), o porta-voz do parlamento iraniano anunciou que o país está debatendo uma lei para suspender completamente a “cooperação com a AIEA”.

Programa nuclear do Irã já foi o mais fiscalizado do mundo

A fiscalização da ONU sobre o programa nuclear do Irã já foi mais abrangente: em 2015, um protocolo adicional limitou severamente suas atividades nucleares e deu à AIEA o poder de monitorar, além da produção de urânio enriquecido, também a fabricação e estoque de centrífugas usadas nesse processo.

O texto habilitava ainda a agência a realizar inspeções em cima da hora, inclusive em locais que o Irã não havia declarado oficialmente como relacionados ao seu programa nuclear.

Isso fez do Irã o país mais fiscalizado pela agência da ONU. E a nação se comprometeu a não enriquecer urânio além dos 3,7% – patamar necessário para geração de energia – pelos próximos 15 anos. Em troca, Teerã deixou de ser sancionado pelos Estados Unidos.

Mas o Irã acabou não ratificando o protocolo, e ele foi implodido em 2018 por decisão do presidente americano Donald Trump, que retomou as sanções durante seu primeiro mandato na Casa Branca.

No ano seguinte, em resposta, o Irã começou a testar os limites do protocolo e reduziu a vigilância extra por parte da AIEA. Depois, em fevereiro de 2021, anunciou que desistiria de vez dele.

A República Islâmica ainda chegou a negociar com a AIEA para manter equipamentos de monitoramento, como câmeras de vigilância, mas terminou removendo-as todas em junho de 2022.

O que significou o fim do acordo nuclear com os EUA?

Além de acabar com as importantes inspeções de última hora, a redução da supervisão da AIEA também deixou descobertos aspectos que, até então, eram monitorados de perto.

A agência da ONU diz que perdeu o que chama de “continuidade do conhecimento” por tantos anos que nunca será capaz de entender completamente o que ocorreu no Irã em áreas como a produção e o estoque de centrífugas e certas peças de centrífugas, assim como o estoque de urânio ainda não enriquecido.

O fato de muitas centrífugas não terem sido contabilizadas significa que não dá para descartar a possibilidade de que elas sejam usadas para enriquecer urânio secretamente em um local não declarado. Uma instalação desse tipo seria fácil de esconder em um prédio relativamente pequeno, como um galpão.

Que poderes a AIEA tem de fiscalizar o Irã?

O Irã mantém desde 1974 um Acordo de Salvaguardas Abrangente (CSA, em inglês) com a AIEA, que prevê a obrigatoriedade de prestar contas sobre todo seu material nuclear relevante nos termos do TNP – incluindo cada grama de urânio enriquecido.

Mas a agência só pode inspecionar regularmente locais declarados oficialmente pelo Irã como instalações nucleares, como Natanz e Fordo, que foram bombardeados por Israel. Desde então, esses locais estão “fechados” aos inspetores.

E se o Irã abandonar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares?

O Irã já ameaçou deixar o TNP, embora tenha dito que, mesmo assim, não buscaria armas nucleares.

Se isso de fato acontecer, a AIEA deixa de ter qualquer informação oficial sobre o que se passa no programa nuclear do Irã.

Especialistas também temem que uma eventual saída do Irã possa provocar uma corrida armamentista na região, por medo recíproco de ataques. Para além do Oriente Médio, outros países podem se sentir encorajados a ir atrás de suas próprias armas nucleares.

Teerã se queixa de que o tratado não impediu que fosse atacado por Estados Unidos e Israel – o primeiro tem um arsenal nuclear e o segundo, acredita-se, é o único país do Oriente Médio a também dispor de tais armas.

Mas a AIEA só tem poder de fiscalização sobre os 191 países signatários do TNP, o que não é exatamente o caso de Israel. O país tem um acordo de salvaguardas limitadas com a AIEA para supervisão de alguns materiais e instalações. Contudo elas são apenas uma fração do que Israel tem, e acredita-se que não façam parte do programa de armamento nuclear.

Pelas regras do TNP, um país signatário pode abandoná-lo mediante aviso prévio de três meses “se decidir que eventos extraordinários, relacionados ao objeto deste tratado, prejudicaram os interesses supremos de seu país”.

O único país que anunciou a saída do TNP foi a Coreia do Norte, que em 2003 expulsou inspetores da AIEA antes de testar armas nucleares.

Além da Coreia do Norte, Índia e Paquistão, duas potências nucleares, também não fazem parte do TNP.

Pelo tratado, países que dispunham de armas nucleares até 1967 se comprometem a não transferir essas armas a outros países ou ajudá-los a desenvolvê-las, e a diminuir seus arsenais. Já os países que não têm essas armas se comprometem a não buscá-las ou adquiri-las.

ra (Reuters, ots)