26/08/2024 - 15:15
Um das figuras políticas mais polêmicas alemã, Sahra Wagenknecht fundou seu partido em janeiro com uma plataforma econômica de esquerda mas socialmente conservadora, de olho em eleitores que têm votado na ultradireita.A Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) é um partido fundado em janeiro pela mulher que lhe dá o nome, uma ex-parlamentar do partido Die Linke (A Esquerda) que defende uma mistura de política econômica de esquerda e retórica social de direita.
Após surpreender em sua estreia nas urnas, ao conquistar 6,2% dos votos dos alemães nas eleições europeias de junho, a BSW parece consolidar seu espaço. Haverá eleições em setembro em alguns estados da Alemanha, e a BSW está atualmente à frente do Partido Social Democrata (SPD), Verdes e Partido Liberal Democrático (FDP), que compõem o governo de coalizão do chanceler federal Olaf Scholz, conforme mostram as pesquisas.
Na Turíngia, onde a sigla de ultradireita Alternativa para Alemanha (AfD) é a preferida do eleitorado, a BSW figura em terceiro lugar, assim como na Saxônia, onde a AfD é a segunda maior força política. É provável, portanto, que o partido participe da formação dos governos dos dois estados.
“Conservadorismo esclarecido”
O surgimento da BSW enfatiza a ruptura na política do leste da Alemanha que ocorreu na última década. Ruptura também é uma boa forma de descrever a influência da BSW na política alemã.
Em julho, Wagenknecht descreveu a posição de seu próprio partido nos seguintes termos para a imprensa alemã: “Acredito que simplesmente representamos e incorporamos o que muitos partidos não representam mais: conservadorismo esclarecido no sentido de preservar tradições, segurança – nas ruas e em locais públicos, mas também empregos, saúde e pensões. A necessidade de segurança, paz e justiça encontrou um novo lar político conosco”.
A sigla apresentou um manifesto que, segundo analistas políticos, nunca existiu na Alemanha dessa forma antes. “O programa da BSW é voltado para pessoas que, por um lado, têm posições economicamente mais esquerdistas, mas têm atitudes culturais mais conservadoras”, disse Daniel Seikel, pesquisador da Fundação Hans Böckler, que publicou em junho uma análise dos apoiadores da BSW.
“Isso explica, até certo ponto, por que a BSW é tão popular entre as pessoas que votaram na AfD e na Linke anteriormente.”
Pesquisas de opinião no leste da Alemanha mostraram que o apoio ao antigo partido de Wagenknecht, a Linke, foi dizimado pelo surgimento da BSW, enquanto a AfD não parece ter sido muito afetada por ele, mantendo sua participação de 30% nas pesquisas na Turíngia e na Saxônia, e 20% nacionalmente.
Um estudo recente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW) mostrou que as políticas da BSW e da AfD se sobrepõem em várias áreas – ambos são a favor da limitação da imigração, do aumento das deportações de requerentes de asilo rejeitados e da criação de mais controles nas fronteiras da Alemanha, por exemplo.
A diferença entre eles está em questões como o bem-estar social: a AfD quer limitar os benefícios, enquanto a BSW quer manter ou expandir alguns deles.
De acordo com a análise do pesquisador Daniel Seikel, embora a BSW esteja recebendo algum apoio da AfD e da Linke o maior grupo entre os apoiadores da BSW no leste da Alemanha vem de antigos eleitores de centro-esquerda do Partido Social Democrata (SPD), de Olaf Scholz.
Populista, mas não extremista
Para Ursula Münch, diretora da Tutzing Academy for Political Education, a BSW representa mais uma ameaça aos partidos tradicionais.
“Os outros partidos estão sendo colocados à prova tanto pela BSW quanto pela AfD”, disse à DW.
Münch acredita que a principal questão para os eleitores alemães continua sendo a imigração, e ela acredita que a BSW conseguiu se apresentar aos eleitores como uma alternativa não extremista à AfD.
“No momento, a BSW pode afirmar que não é um partido extremista”, disse ela. “Ela evita a retórica racista e tem candidatos principais relativamente decentes, que têm experiência política local e experiência política federal – vejo uma diferença com a AfD nesse aspecto.”
A BSW descartou a possibilidade de formar coalizões com a AfD, mas pediu uma abordagem menos dogmática em relação ao partido de extrema direita.
Eleitores imigrantes
A BSW parece estar conquistando um número acima da média de eleitores de origem imigrante, um grupo demográfico que tradicionalmente vota em partidos de centro-esquerda.
“É importante observar que a grande maioria dos imigrantes não vota na BSW”, de acordo com Seikel. “Mas pode ser que um número relativamente grande de pessoas de origem imigrante tenha preocupações econômicas, renda baixa, e que esses fatores sejam mais importantes para a forma como votam, e não tanto sua situação imigratória.”
Isso pode significar que muitas pessoas de origem imigrante vivem e trabalham em áreas onde temem uma maior concorrência com o aumento da imigração, disse Seikel.
A BSW também parece estar tirando eleitores do SPD que são céticos quanto ao apoio da Alemanha à Ucrânia – outra posição que a BSW compartilha com a AfD e a Linke.
Este último, que lidera o governo na Turíngia, é o sucessor do Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED), o partido comunista que liderou a ditadura da Alemanha Oriental.
O trunfo de captar o humor da população
A Alemanha Oriental fazia parte do bloco favorável à União Soviética, e ainda há uma certa hostilidade residual em relação aos Estados Unidos e à Otan até hoje.
Wagenknecht procurou capitalizar o sentimento antiamericano no antigo leste. Em seguida, ela sugeriu que a oposição à instalação de armas de longo alcance dos EUA na Alemanha – plano apoiado pela União Democrata Cristã (CDU, partido da antiga chanceler Angela Merkel), SPD, Verdes e FDP –seria uma condição para qualquer negociação de coalizão.
“Essas armas não preenchem uma lacuna na defesa, mas são armas ofensivas que tornariam a Alemanha um alvo preferencial para os mísseis nucleares russos. Há razões pelas quais nenhum outro país europeu instalou esses mísseis em seu território”, disse Wagenknecht à rede de notícias RND no início de agosto.
Fazer declarações que chamam a atenção é o ponto forte de Wagenknecht. “Acho que ela sempre foi uma populista, mesmo quando estava no partido A Esquerda”, disse Münch. “Ela é uma pessoa muito boa em captar o humor da população. Ela é boa em despertar o clima de antielitismo, embora, por sua educação e idioma, faça parte do establishment.”
No entanto, a BSW parece ter se estabelecido como uma força significativa, pelo menos no leste da Alemanha, preenchendo lacunas e encontrando eleitores esquecidos pelos outros partidos.