Após alimentarem por anos teorias conspiratórias sobre milionário pedófilo, trumpistas que hoje ocupam cargos mudam de posicionamento e refutam existência de “lista de clientes”. Membros da base reagem negativamente.Parte da base de apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, mostrou indignação com o governo nesta semana após a Casa Branca tentar colocar um ponto final às investigações relacionadas a Jeffey Epstein, o empresário acusado de manter uma rede de exploração sexual de menores e que foi pivô de uma série de teorias conspiratórias nos últimos anos.

O Departamento de Justiça (DOJ) de Trump e o FBI disseram, em um memorando que não há evidências de que o empresário mantinha uma “lista de clientes” ou estava chantageando figuras poderosas antes de morrer, em 2019.

Eles também descartaram a alegação de que Epstein tenha sido assassinado na prisão semanas após ser detido, apontando que as evidências apontam que sua morte foi resultado de suicídio, e afirmaram que não divulgariam mais informações sobre a investigação, no que foi encarado como uma tentativa de encerrar de vez o caso.

No entanto, as teses refutadas pelo DOJ haviam sido alimentadas anteriormente por figuras de direita que hoje ocupam cargos no governo Trump. Agora, essas mesmas figuras estão renegando o que haviam dito anteriormente, e isso tem irritado a base de Trump.

A procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, por exemplo, prometeu meses atrás que divulgaria a suposta lista de Epstein em arquivos desclassificados que, segundo ela, haviam sido escondidos pela administração do ex-presidente Joe Biden. Em fevereiro. já na chefia do DOJ, ela indicou em uma entrevista que a suposta lista de clientes estava em “cima da sua mesa” aguardando análise.

A mesma situação ocorreu com Kash Patel, atual diretor do FBI sob Trump. Em 2023, por exemplo, quando ainda atuava como influencer de direita, ele acusou o órgão de investigação de estar acobertando cúmplices de Epstein e alimentou a tese de assassinato.

No entanto, após assumir o cargo, Patel passou a propagar a conclusão de suícidio e minimizar a suposta existência de uma “lista”. A mesma reversão ocorreu nos últimos meses com seu vice-diretor, Dan Bongino, que no passado havia alimentado as mesmas teorias em podcasts e vídeos.

Agora, tanto o Departamento de Justiça quando o FBI reforçam que nenhuma “divulgação adicional seria apropriada ou justificada”. O departamento ressaltou que grande parte do material foi colocado sob sigilo por ordem judicial para proteger as vítimas e que apenas uma fração teria sido apresentada publicamente caso Epstein fosse a julgamento.

Apoiadores acusam FBI e DOJ de mentir sobre documentos

A reação foi rápida por parte do movimento “Make America Great Again” (Maga), que há muito acreditava numa conspiração que envolveria Epstein, o rival Partido Democrata ou até mesmo serviços de inteligência estrangeiros, além de uma operação de acobertamento para proteger supostos associados influentes.

“Próximo passo, o DOJ vai dizer ‘Na verdade, Jeffrey Epstein nunca nem existiu'”, tuitou o teórico da conspiração pró-Trump Alex Jones. “Isso é extremamente repulsivo.”

Nas redes sociais, milhares de usuários da base Maga também expressaram indignação com a conclusão do caso.

Trump conseguiu escapar da maior parte da culpa direta pelo fiasco, com parte da fúria sendo direcionada ao diretor do FBI, Kash Patel, e seu vice, Dan Bongino.

Mas a maior parte da revolta foi direcionada a Bondi. Além de garantir que possuía tais documentos – versão endossada pela Casa Branca – a procuradora-geral de Trump chegou a convocar influenciadores trumpistas para distribuir um primeiro lote de “Arquivos Epstein” meses atrás. Os documentos, porém, já haviam frustrado os apoiadores, pois o conteúdo só continha informações públicas que já eram conhecidas.

“O presidente Trump deveria demitir (Bondi) por mentir para sua base e criar um problema para sua administração”, postou a influenciadora de extrema direita Laura Loomer no X. “Ela é um constrangimento e não faz nada para ajudar Trump.”

Por sua vez, o ex-apresentador da Fox News, Tucker Carlson, outra figura influente da base Maga, acusou Bondi de estar “encobrindo crimes, crimes muito sérios”.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, foi questionada sobre a polêmica e disse que Bondi, ao afirmar possuir a “lista de clientes” de Epstein em mãos em fevereiro, na verdade estava se referindo a todos os documentos relacionados ao caso.

“É isso que acontece quando o cachorro finalmente alcança o carro. Ou, para ser mais direto, quando você e as pessoas ao seu redor se tornam exatamente o ‘Deep State’ (referência às elites que compõem o Estado) que passaram anos atacando”, escreveu o analista Chris Cillizza em sua newsletter no Substack. “Aqui está o problema com o pensamento da teorias conspiratórias: Você não pode simplesmente dizer às pessoas para desligá-las. Depois de espalhar essas sementes e regá-las por anos, elas crescem além do seu controle.”

Trump não responde sobre o caso

O próprio presidente Donald Trump já foi acusado anteriormente de ser próximo de Epstein. Durante a campanha presidencial de 2024, ele negou ter visitado a casa nas Ilhas Virgens Americanas onde o magnata traficava menores e afirmou que não via “problema nenhum” em divulgar arquivos relacionados ao caso.

Nesta terça-feira, ele tentou desconversar sobre o caso ao ser questionado por um repórter durante uma reunião de gabinete. “Vocês ainda estão falando sobre o Jeffrey Epstein? As pessoas ainda estão falando desse cara, desse nojento? Isso é inacreditável”, disse.

Esse episódio é apenas um dos vários rachas que surgiram no movimento Maga nos últimos dias. Outro ponto que dividiu a base foi a decisão dos EUA de retomar o fornecimento de armas para a Ucrânia.

Os apoiadores também já mostravam incômodo com declarações de Trump defendendo uma flexibilização nas operações anti-imigração em fazendas e sua decisão de atacar o Irã, que contrastou com as promessas de maior isolacionismo durante a campanha.

A tensão com a base ocorre enquanto seu ex-assessor Elon Musk lança um partido político para rivalizar com Trump. Ambos romperam publicamente devido ao desentedimento sobre gastos federais.

Quando a briga entre Trump e Musk explodiu no mês passado, Musk alegou que Trump estaria citado nos arquivos de Epstein. Na ocasião, disse que o nome do presidente estaria nos arquivos Epstein. Já nesta terça-feira, voltou a criticar o republicano. “Como as pessoas podem ter fé no Trump se ele não quer divulgar os arquivos de Epstein?”, questionou Musk no X.

gq (AFP, AP, ots)