Membros da RN e nomes da direita europeia protestam após sentença por desvio de verbas públicas tirar do páreo a favorita à sucessão de Macron. Alegações de perseguição política podem mobilizar eleitorado, diz analista.Na manhã ensolarada de 31 de março de 2025, o futuro político de Marine Le Pen, em princípio, se decidiu com a sentença do Tribunal Penal, no centro de Paris. Nos próximos cinco anos e a partir de já, a política nacionalista de direita, adorada por muitos franceses, não poderá se candidatar para nenhum cargo político.

E isso num momento em que, depois de já ter se candidatado três vezes em vão, nas últimas pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de 2027, ela estava à frente entre os que pretendem suceder o presidente Emmanuel Macron, que não poderá mais concorrer.

Le Pen foi condenada por malversação de verbas públicas, juntamente com mais de 20 outros réus que trabalhavam para o seu partido, Reunião Nacional (RN). A acusação concreta foi fingir contratar para o Parlamento Europeu pessoal que, pelo menos em parte, trabalhava para a RN na França.

A intenção não teria sido locupletar-se pessoalmente, mas sim “o enriquecimento do partido”, enfatizou a juíza encarregada, ao ler a sentença. Na qualidade de presidente da RN de 2011 a 2022, Le Pen estaria “no centro” dessa operação, que envolveu vários milhões de euros entre 2004 e 2016.

“Bomba nuclear”

Por seu papel no esquema, Le Pen, também eurodeputada até 2017, foi ainda condenada a uma multa de 100 mil euros e uma pena quatro anos, dos quais dois são com pena suspensa (que não precisaam ser cumpridos) e dois em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.

Essa parte da sentença, no entanto, a ré já não escutou: assim que a juíza anunciou sua inelegibilidade, com efeito imediato, Le Pen deixou o tribunal. Antes, já sinalizara sua desaprovação do veredicto balançando repetidamente a cabeça.

Nesta terça-feira (01/04) Le Pen acusou o “sistema” político de lançar “a bomba nuclear” contra ela com a sentença judicial. “Se juízes e magistrados decidem quem pode concorrer às eleições e em quem os franceses podem votar, então não estamos em uma democracia”, afirmou, durante uma reunião dos deputados de sua legenda.

Críticas, não só da ultradireita

No meio político parisiense, a condenação caiu como uma bomba. Classificando-a como um “escândalo político”, o presidente da RN, Jordan Bardella, convocou à “mobilização pacífica” através de uma petição online. Ele agora é cogitado como sucessor à candidatura presidencial pela sigla.

Houve também críticas partindo de outras alas políticas: Jean-Luc Mélenchon, da esquerdista A França Insubmissa (LFI), escreveu que “a deposição de um representante eleito deveria caber ao povo”.

A Rússia e os Estados Unidos igualmente condenaram a decisão judicial, assim como figuras da ultradireita europeia. Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade (PVV) da Holanda, se disse “chocado”. Por sua vez, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, expressou solidariedade postando, na plataforma X, “Je suis Marine!”.

Os políticos nacionalistas também acusaram o establishment político de “perseguir” e “minar” as vozes do que chamaram de “defensores europeus da liberdade e da democracia”. Parte deles esteve reunida com Le Pen na Espanha, em fevereiro, em um encontro da ultradireita europeia.

O vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, político linha-dura e líder da Liga, disse que Bruxelas faz uma “declaração de guerra” ao permitir a condenação de Le Pen, já que a acusação se deu por sua atuação no Parlamento Europeu.

Segundo ele, há um “ataque” à ultradireita que se repete em todo o continente.

“Aqueles que temem o julgamento do eleitorado geralmente buscam segurança nos tribunais. Em Paris, eles condenaram Marine Le Pen e gostariam de removê-la da vida política. Um filme ruim que também pode ser visto em outros países, como a Romênia”, disse.

Chance reduzida de candidatura

Logo após a audiência desta segunda-feira, o advogado de Le Pen anunciou que recorreria da sentença. No entanto, a candidatura dela nas eleições presidenciais está praticamente descartada, explica o historiador do direito Pierre Allorant, da Universidade de Orléans.

A única chance para a condenada seria um julgamento extremamente rápido da apelação, mas ainda assim a decisão só viria pouco antes do pleito presidencial, e faria pouco sentido trocar o candidato. Já o cargo de deputada da Assembleia Nacional francesa, ela poderá manter até o fim do mandato, a não ser que sejam convocadas eleições legislativas antecipadas.

Em entrevista à emissora de televisão francesa TF1, Marine Le Pen reafirmou inocência, classificando o veredicto como “político”, pois a intenção explícita do tribunal teria sido impedi-la de concorrer em 2027. A ultradireitista prometeu se empenhar por um recurso rápido, a fim de ainda poder candidatar-se, mesmo considerando ter poucas chances.

A vice-diretora do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), Camille Lons, alertou que a RN poderá usar a situação para intensificar suas acusações de que a Justiça é parcial, e que Le Pen estaria sendo vítima de perseguição política. Tais alegações poderão contribuir para a mobilização do eleitorado nas próximas presidenciais da França.