24/04/2023 - 8:16
Corpo calmo, mente calma, dizem os praticantes de mindfulness. Um novo estudo realizado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Washington em St. Louis (EUA), indica que a ideia de que o corpo e a mente estão inextricavelmente interligados é mais do que apenas uma abstração. O estudo mostra que partes da área do cérebro que controlam o movimento estão conectadas a redes envolvidas no pensamento e planejamento e no controle de funções corporais involuntárias, como pressão arterial e batimentos cardíacos. As descobertas representam uma ligação literal entre corpo e mente na própria estrutura do cérebro.
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A pesquisa, publicada na revista Nature, pode ajudar a explicar alguns fenômenos desconcertantes, como por que a ansiedade faz algumas pessoas quererem andar de um lado para o outro; por que estimular o nervo vago, que regula as funções dos órgãos internos, como digestão e frequência cardíaca, pode aliviar a depressão; e por que as pessoas que se exercitam regularmente relatam uma visão mais positiva da vida.
Ligação encontrada
“As pessoas que meditam dizem que ao acalmar seu corpo com, digamos, exercícios respiratórios, você também acalma sua mente”, disse o primeiro autor dr. Evan M. Gordon, professor assistente de radiologia no Instituto de Radiologia Mallinckrodt da Escola de Medicina da Universidade Washington. “Esse tipo de prática pode ser muito útil para pessoas com ansiedade, por exemplo, mas até agora não havia muitas evidências científicas de como isso funciona. Agora, no entanto, encontramos uma conexão. Encontramos o lugar onde a parte de sua mente altamente ativa e voltada para objetivos ‘vai, vai, vai’ se conecta às partes do cérebro que controlam a respiração e a frequência cardíaca. Se você acalmar um, isso deverá ter efeitos de feedback no outro.”
Gordon e o autor sênior dr. Nico Dosenbach, professor associado de neurologia, não se propuseram a responder a antigas questões filosóficas sobre a relação entre o corpo e a mente. Eles partiram para verificar o mapa há muito estabelecido das áreas do cérebro que controlam o movimento, usando técnicas modernas de imagem cerebral.
Na década de 1930, o neurocirurgião Wilder Penfield mapeou essas áreas motoras do cérebro aplicando pequenos choques de eletricidade nos cérebros expostos de pessoas submetidas a cirurgia cerebral e observando suas respostas. Ele descobriu que estimular uma faixa estreita de tecido em cada metade do cérebro causa espasmos em partes específicas do corpo. Além disso, as áreas de controle no cérebro estão dispostas na mesma ordem das partes do corpo que dirigem, com os dedos dos pés em uma extremidade de cada faixa e o rosto na outra. O mapa de Penfield das regiões motoras do cérebro – retratado como um homúnculo, ou “homenzinho” – tornou-se um item básico dos livros de neurociência.
Erros no mapa
Gordon, Dosenbach e seus colegas começaram a replicar o trabalho de Penfield com ressonância magnética funcional (fMRI). Eles recrutaram sete adultos saudáveis para passar por horas de ressonância magnética cerebral enquanto descansavam ou realizavam tarefas. A partir desse conjunto de dados de alta densidade, eles construíram mapas cerebrais individualizados para cada participante. Em seguida, eles validaram seus resultados usando três grandes conjuntos de dados de fMRI disponíveis publicamente – o Human Connectome Project, o Adolescent Brain Cognitive Development Study e o UK Biobank – que juntos contêm varreduras cerebrais de cerca de 50 mil pessoas.
Para sua surpresa, eles descobriram que o mapa de Penfield não estava certo. O controle dos pés estava no local que Penfield havia identificado. O mesmo para as mãos e o rosto. Mas, intercaladas com essas três áreas-chave, havia outras três áreas que não pareciam estar diretamente envolvidas no movimento, embora estivessem na área motora do cérebro.
Além disso, as áreas de não movimento pareciam diferentes das áreas de movimento. Elas pareciam mais finas e estavam fortemente conectadas umas às outras e a outras partes do cérebro envolvidas no pensamento, planejamento, excitação mental, dor e controle de órgãos internos e funções como pressão sanguínea e frequência cardíaca. Outros experimentos com imagens mostraram que, embora as áreas sem movimento não se tornassem ativas durante o movimento, elas se tornavam ativas quando a pessoa pensava em se mover.
“Todas essas conexões fazem sentido se você pensar sobre para o que o cérebro realmente serve”, disse Dosenbach. “O cérebro serve para se comportar com sucesso no ambiente, para que você possa atingir seus objetivos sem se machucar ou se matar. Você move seu corpo por uma razão. Claro, as áreas motoras devem estar conectadas à função executiva e ao controle dos processos corporais básicos, como pressão sanguínea e dor. A dor é o feedback mais poderoso, certo? Você faz alguma coisa e dói, e você pensa: ‘Não vou fazer isso de novo’.”
Sistema atualizado
Dosenbach e Gordon batizaram sua rede recém-identificada de Rede de Ação Somato (corpo)-Cognitiva (mente), ou SCAN, na abreviatura em inglês. Para entenderem como a rede se desenvolveu e evoluiu, eles examinaram os cérebros de um recém-nascido, um de 1 ano e outro de 9 anos. Eles também analisaram dados previamente coletados em nove macacos. A rede não foi detectável no recém-nascido, mas foi claramente evidente na criança de 1 ano e quase como um adulto na criança de 9 anos. Os macacos tinham um sistema menor e mais rudimentar, sem as extensas conexões vistas nos humanos.
“Isso pode ter começado como um sistema mais simples para integrar o movimento com a fisiologia para que não desmaiássemos, por exemplo, quando nos levantamos”, disse Gordon. “Mas, à medida que evoluímos para organismos que elaboram pensamentos e planejamentos muito mais complexos, o sistema foi atualizado para conectar muitos elementos cognitivos muito complexos.”
Pistas da existência de uma rede mente-corpo existem há muito tempo, espalhadas em estudos isolados e observações inexplicáveis.
“Penfield foi brilhante e suas ideias foram dominantes por 90 anos, e isso criou um ponto cego nessa área”, disse Dosenbach, que também é professor associado de engenharia biomédica, pediatria, terapia ocupacional, radiologia e de ciências psicológicas e cerebrais. “Assim que começamos a procurá-lo, encontramos muitos dados publicados que não combinavam com suas ideias e interpretações alternativas que haviam sido ignoradas. Reunimos muitos dados diferentes, além de nossas próprias observações, ampliamos e sintetizamos, e criamos uma nova maneira de pensar sobre como o corpo e a mente estão ligados.”