07/12/2022 - 6:14
Os ecossistemas naturais que sustentam nosso planeta e suas espécies estão em rápido declínio. Atualmente, menos de 17% da terra e 8% dos oceanos em todo o mundo são áreas protegidas onde a biodiversidade está teoricamente a salvo do desmatamento, exploração ou poluição, mas não das mudanças climáticas – já que secas, inundações e incêndios florestais devastam as biosferas.
A perda de biodiversidade induzida pelo homem é um dos fatores que impulsionam a sexta extinção em massa, na qual três quartos das espécies animais e vegetais podem desaparecer em apenas alguns séculos. Essa perda também agrava as mudanças climáticas, ameaçando os estoques de carbono do planeta.
A Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15), que foi aberta nesta terça-feira (06/12) em Montreal, no Canadá, visa deter o declínio do ecossistema protegendo 30% da terra e dos mares até 2030 (apelidada de “30 por 30”).
Essa meta, se acordada, fará parte de um novo marco global para a biodiversidade, o primeiro a ser negociado desde 2010.
A 15ª Convenção das Partes (COP15), que apoia a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) de 1992, ratificada por 195 membros da ONU e da União Europeia – e que se reúne semestralmente –, busca manter a biodiversidade por meio do uso sustentável dos recursos naturais.
“A biodiversidade é a base da vida”, disse Elisabeth Mrema, advogada da Tanzânia e secretária executiva da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade, com sede em Montreal, no Canadá.
“Dependemos da biodiversidade para os alimentos que comemos, a água que bebemos, o sequestro de carbono, os remédios que tomamos e o ar que respiramos”, disse Mrema em entrevista à DW.
Enfrentando as causas da perda de biodiversidade
Há muita pressão para que esta Conferência sobre Biodiversidade – que é a equivalente da biodiversidade à Conferência do Clima da ONU, que realizou recentemente sua 27ª edição no Egito – estabeleça metas realistas e alcançáveis. A conferência de 2010 em Nagoya, no Japão, estabeleceu 20 metas sobre biodiversidade, tais como reduzir pela metade a perda de habitat natural até 2020. Porém, nenhuma delas foi alcançada, de acordo com um relatório publicado em 2020 pela CDB.
“Basicamente falhamos em atingir qualquer uma das metas, e as coisas obviamente pioraram muito desde então”, afirmou Dave Hole, um cientista especialista em mudanças climáticas e biodiversidade da Conservation International, com sede nos Estados Unidos.
“Os próximos 10 anos são extraordinariamente importantes”, acrescentou Hole, observando que o número de insetos, que são vitais para os ecossistemas como polinizadores, está em declínio acentuado. Segundo um estudo de 2019, 40% das espécies de insetos do mundo podem desaparecer nas próximas décadas.
A Conferência sobre Biodiversidade deste mês criará um roteiro para a recuperação da natureza até 2030, não apenas através da proteção da natureza, mas também visando 22 fatores de perda de biodiversidade – incluindo a exploração excessiva de recursos naturais, poluição, espécies exóticas invasoras e mudanças climáticas.
A biodiversidade também é vital para a economia mundial. Com 50% do Produto Interno Bruto (PIB) global dependente da natureza, de acordo com Elisabeth Mrema, a proteção da biodiversidade não irá apenas nutrir a vida na Terra, mas gerará cerca de 400 milhões de empregos extras em todo o mundo até 2030.
Mas enquanto Mrema diz que “o mundo está pronto para tomar as ações necessárias para reverter e deter a perda de biodiversidade”, aumentar a proteção não será uma tarefa fácil.
Obstáculos à proteção da natureza
Uma área florestal equivalente à dimensão de Portugal é desmatada anualmente, levando consigo uma grande quantidade de biodiversidade. Embora metade dessa área seja reflorestada, os ecossistemas milenares e as espécies que outrora prosperaram ali não são restaurados.
Os esforços da COP15 para dobrar a quantidade de área de biodiversidade terão que acomodar uma série de interesses conflitantes. Os povos indígenas, por exemplo, serão forçados a sair das terras tradicionais onde vivem?
Mrema diz que a meta “30 por 30” provavelmente será ratificada, mas que as negociações também devem concordar com “salvaguardas para garantir os direitos dos povos indígenas” e para “comunidades que são guardiãs da biodiversidade. Como seus direitos à terra, sua cultura e os conhecimentos tradicionais serão protegidos?”
Embora tenha sido relatado que mais de 100 países que participarão das negociações em Montreal se comprometeram publicamente a apoiar a meta “30 por 30”, o financiamento deve ser outro grande ponto de discórdia: algumas estimativas dizem que o custo para a proteção da biodiversidade pode chegar a 824 bilhões de dólares por ano até 2030.
A exemplo do acordo de compensação por perdas e danos climáticos negociado no mês passado na Conferência do Clima (COP27), no Egito, nações em desenvolvimento – incluindo Gabão, Cuba e Argentina – apelaram para que países ricos façam aportes de 700 bilhões de dólares por ano, até 2030, para a biodiversidade.
Mas as nações desenvolvidas relutam em criar um mecanismo de financiamento para a proteção da natureza.
“Não queremos um acordo só no papel e sem nada por trás dele”, disse a ministra do Meio Ambiente da África do Sul, Barbara Creecy, sobre a necessidade de criar uma forma de financiamento. “Queremos um fundo especial de biodiversidade e conservação para apoiar as metas estabelecidas”.
O rascunho do acordo sobre biodiversidade inclui o objetivo de eliminar incentivos prejudiciais à natureza, reduzindo-os em pelo menos 500 bilhões de dólares por ano – incluindo, entre outros, subsídios para combustíveis fósseis. Isso substituiria o compromisso fracassado de 2010 de “eliminar, descontinuar gradualmente ou reestruturar incentivos, incluindo subsídios, que são prejudiciais à biodiversidade”.
Biodiversidade e ação climática interdependentes
Fazer face aos combustíveis fósseis e suas emissões indutoras de mudanças climáticas – que também destroem a natureza – ilustra o elo fundamental entre biodiversidade e agendas climáticas.
Especialistas dizem que qualquer meta “30 por 30” será ameaçada pelo aquecimento global e impactos climáticos extremos. “Não podemos encontrar soluções para um isoladamente do outro”, afirmou Elisabeth Mrema.
Uma nova pesquisa divulgada na semana passada apontou que, para evitar mudanças climáticas catastróficas, o setor global de terras – incluindo a agricultura, silvicultura, proteção e restauração de terras naturais – deve zerar suas emissões líquidas até 2030.
Portanto, proteger a biodiversidade serviria para ajudar a transformar o setor de terras de emissor de gases de efeito estufa (atualmente 12 gigatoneladas por ano) em sumidouro de carbono até 2050, de acordo com o relatório da Conservation International.
Mas tais soluções climáticas naturais exigirão uma compreensão muito melhor do declínio da biodiversidade.
“A crise climática tem sido estudada cientificamente com muito mais profundidade do que a crise da perda da biodiversidade. Há uma necessidade urgente de recuperar o atraso a esse respeito”, disse Jörg Rocholl, presidente da escola internacional de negócios ESMT, em Berlim, que pede a criação de um preço para a perda da biodiversidade assim como aquele sobre CO2 no Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia.